PGR: Justiça não pode usar bens de empresas públicas para quitar dívidas
Medidas judiciais de sequestro de recursos para assegurar o pagamento de dívidas de empresas públicas ou sociedades de economia mista prestadoras de serviço público alteram o orçamento sem prévia autorização legislativa e, por isso, afrontam o princípio da separação de Poderes. É o que defende o procurador-geral, Augusto Aras, em parecer enviado ao Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 585/MA.
Segundo informações divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria, a ação foi proposta pelo governo do Maranhão contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 16.ª Região (TRT-16), que bloqueou recursos da Empresa Maranhense de Administração de Recursos Humanos e Negócios Públicos (Emarhp) para pagamento de obrigações.
A Emarhp é empresa de economia mista, integrante da administração indireta do governo do Maranhão, e administra financiamentos concedidos pelo Sistema Financeiro de Habitação para a construção de casas de interesse social, sem fins lucrativos.
Por isso, o governo do Maranhão defende na ADPF a necessidade de aplicar à empresa o regime inerente às fazendas públicas, para que seus débitos sejam pagos em regime de precatório, como definido no artigo 100 da Constituição.
Afirma que constrições judiciais das verbas da Empresa Maranhense de Administração de Recursos Humanos e Negócios Públicos ‘afrontam a isonomia, a estrutura do estado, a continuidade do serviço público, o sistema de precatórios e a impossibilidade de alterar destino de recursos públicos sem prévia autorização legislativa’.
O Maranhão pede que o STF determine o desbloqueio e a liberação dos valores, além de declarar a impossibilidade de constrições patrimoniais incompatíveis com a natureza da empresa.
O procurador-geral concorda com os argumentos.
No parecer, Augusto Aras afirma que o artigo 167 da Constituição estabeleceu a exigência de prévia autorização do Poder Legislativo para alterar a destinação de recursos públicos previstos em lei orçamentária anual.
“Salvo em situações excepcionais, não cabe ao Poder Judiciário, sem prévia autorização legislativa, determinar a retirada de recursos financeiros de uma programação orçamentária para outra, ou de um órgão para outro, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade orçamentária”, sustenta.
Segundo ele, ‘decisão judicial de sequestro de valores de empresas públicas acaba resultando em alteração das opções de gasto definidas democraticamente pelo Executivo e pelo Legislativo, o que viola o princípio da separação dos Poderes’.
O procurador destaca que a Emarhp é entidade integrante da administração indireta estadual e presta serviço público próprio do Estado – políticas públicas habitacionais -, de forma exclusiva, sem o intuito de lucro, e mediante subvenções governamentais.
“As ordens de arresto, sequestro, penhora ou bloqueio de verbas públicas de empresa pública ou sociedade de economia mista prestadoras de serviço público essencial e regime não concorrencial, por mais relevante que seja a finalidade da constrição, comprometem a execução orçamentária e afrontam preceitos fundamentais relacionados à segurança jurídica do orçamento público e à independência e harmonia dos Poderes (CF, arts. 2º e 167, VI), além de contrariar o regime constitucional dos precatórios (CF, art.100)”, defende Aras.
O procurador afirma também que há decisões prévias do STF nesse sentido.
Admissibilidade – O parecer traz ainda a discussão sobre a admissibilidade da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para o caso.
O seguimento da ADPF havia sido negado pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello, numa decisão que foi questionada em recurso proposto pelo governo do Maranhão.
No parecer, Aras lembra que o Supremo admite a ADPF para situações envolvendo ‘a aplicação direta da Constituição Federal; alegação de afronta ao texto constitucional decorrente de decisão judicial; e/ou discussão sobre exegese judicial que extrapolasse a simples aplicação de lei ou ato normativo infraconstitucional’.
Assim, ‘é possível propor ADPF para questionar decisões judiciais que ordenam o bloqueio, o arresto, a penhora e o sequestro de recursos de empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, sob alegação de afronta a preceitos constitucionais, como já decidiu o STF em ocasiões prévias’.
Augusto Aras defende que a ADPF 585/MA seja conhecida pelo Supremo e considerada procedente.