Presidente do TRE-RJ se diz surpreso com o impacto de notícias falsas nas eleições
Eleito no começo de dezembro, o novo presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ), Cláudio Brandão de Oliveira, admitiu ter se surpreendido com o impacto da desinformação — repetindo o termo usado pelo TSE para tratar de fake news — nas últimas eleições. Mas está obstinado: “Me surpreendeu. Mas me surpreendeu como eleitor. Eu não quero que me surpreenda como presidente do tribunal. Minha responsabilidade é muito maior aqui”, sustenta em seu gabinete, decorado apenas com as bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro, em entrevista ao GLOBO duas semanas depois da posse. Filho de pai caminhoneiro e mãe professora primária, o desembargador fará um périplo em todos os municípios para traçar um diagnóstico sobre segurança e estrutura das zonas eleitorais.
Na posse, o senhor disse que as próximas eleições municipais serão as mais complexas dos últimos tempos. Por quê?
A eleição de 2018 foi repleta de novidades para todo mundo. As eleições municipais normalmente são mais complicadas do que as majoritárias e proporcionais. Nós não sabemos o impacto da desinformação no âmbito municipal. A gente tem noção do que é isso no âmbito estadual e no âmbito nacional. E ainda assim estamos aprendendo com o que houve nas últimas eleições. A ideia é que não sejamos surpreendidos nas eleições municipais. Uma desinformação pode influenciar no resultado, sem que sequer haja tempo para consertar o estrago.
Há um caminho a ser seguido?
O primeiro caminho é ver com o TSE os rumos que eles estão tomando. Eles estão mapeando isso, editando atos normativos que servirão de norte. No começo de janeiro nos organizaremos para isso.
Mudou radicalmente a forma da propaganda eleitoral…
Sem dúvida. No cotidiano da campanha não entramos nas bolhas de informação. São bolhas aleatórias. O desafio é trabalhar com a inteligência.
O senhor se surpreendeu com o impacto das fake news nas eleições passadas?
Curiosamente as pessoas foram tomadas por uma emoção muito grande. E até pessoas que eu conheço estavam ali distribuindo informações que pessoas com o mínimo de tranquilidade veriam que não eram verdadeiras. Foi uma eleição que ressuscitou direita e esquerda. Foi um momento até anacrônico da política. E isso fez com que a paixão tomasse conta de muitas pessoas. Me surpreendeu, mas como eleitor. Eu não quero que me surpreenda como presidente do TRE. Essa é a questão. Minha responsabilidade é muito maior aqui.
Qual o senhor considera o maior desafio para esse pleito?
Os desafios são muito setoriais. Eu não sei o impacto da desinformação nos municípios pequenos. A questão da violência em alguns municípios, a milícia, o tráfico. A questão religiosa também vai influenciar. E não estou falando isso em caráter especial para uma ou outra religião, mas alguns líderes têm, sim, o poder de influenciar.
Como o TRE se prepara para campanhas em templos?
O TRE respeita todas as religiões. Mas, se há risco de algum líder religioso tentar interferir, há um limite que está previsto na Legislação. E ninguém é ingênuo de ignorar a capacidade de interferência religiosa no resultado das eleições. Se nós constatarmos isso, vamos agir. É proibida propaganda em templos religiosos. Hoje, em qualquer ambiente qualquer um está gravando alguma coisa. Quem fizer isso em um templo com centenas de pessoas deverá estar sendo gravado. É preciso que as pessoas, que de alguma forma se comportem assim, saibam do risco.
Há como interferir na influência das milícias?
As milícias existem. A gente tem observado semanalmente a polícia realizado operações. O impacto da atuação das milícias no processo eleitoral em parte é competência nossa. E vamos tomar as providências para reprimir, no âmbito da propaganda eleitoral. Por exemplo: só um candidato pode fazer campanha eleitoral em determinado local. Alguém foi impedido de fazer até o registro de candidatura por conta da milícia. Fora o fato de coagir os eleitores.
O fim do financiamento privado de campanha diminui o risco de caixa 2?
Não sei. Vai ser difícil prever isso na eleição municipal. Talvez a questão do dinheiro não seja tão importante assim. Porque as mídias custam relativamente pouco. A última eleição presidencial demonstrou isso. O candidato eleito gastou pouco dinheiro em sua campanha. E outros que gastaram uma quantidade expressiva de dinheiro não tiveram o resultado esperado. Gastava-se muito dinheiro antigamente com outdoor, com galhardete. Havia aquela ideia de que quem tivesse mais acesso ao tempo de rádio e de televisão teria vantagem. E não foi assim nem na eleição estadual, nem na federal. Imagino, por exemplo, que em lugares em que a informação circula através de um smartphone a influência do poder financeiro não seja tão importante.
O senhor também falou sobre a importância da efetividade nos processos penais que chegam ao tribunal. Como se dará isso?
O TRE recebeu, por força de decisão do Supremo Tribunal Federal, (processos de) competência criminal. As pessoas começaram a especular que a Justiça Eleitoral não estava preparada para esta demanda. Ela não estava porque ela não tinha essa competência, essa atribuição. Então, em vez de ficar reclamando, o TRE está se organizando. Montamos uma equipe de servidores, eles estão sendo treinados especificamente para isso. Teremos um grau de especialização: duas zonas eleitorais foram treinadas para tratar da questão penal. Vamos pegar casos da Lava-Jato, além de outros que vão surgir ao longo da campanha eleitoral. A ideia é dar uma resposta rápida, justa e de acordo com o Direito. Ninguém está aqui para perseguir ninguém. A resposta é o que a população quer: que as pessoas acusadas tenham julgamento.
Em relação à biometria, quais serão as mudanças?
É um processo normal de cadastramento dos eleitores. E esse prazo vai bem além das eleições. Existe a possibilidade de revisão do eleitorado dos municípios. O TRE deflagrou um processo de revisão em mais de 35 municípios. No processo de revisão, há um prazo para que os eleitores façam esse recadastramento. Concluído esse prazo, aqueles que não forem recadastrados terão seus títulos cancelados. Em muitos desses municípios, o processo já está concluído, mas não foi homologado ainda. Os três últimos municípios são da Baixada Fluminense: Duque de Caxias, Magé e São João de Meriti. O prazo foi prorrogado. Em municípios com um número de eleitores muito expressivo, temos que levar em consideração não apenas o percentual (de cadastrados). E muitos eleitores não estão bem informados, não sabem das consequências. Isso vai ter um impacto muito grande, inclusive no resultado das eleições.
Como se dará o cancelamento dos títulos eleitorais?
O TRE terá muita prudência na questão do cancelamento. Estamos tentando, junto ao Detran, ter acesso a informações sobre essas pessoas. E nas últimas eleições, por meio de um convênio com o Detran, foi possível captar dados através da biometria de mais de 3 milhões de eleitores. Hoje, eles têm dados de mais de 5 milhões de pessoas. A gente vai tentar priorizar a questão do convênio, para que, no dia da eleição, haja como captar essas informações através da biometria, o que retiraria dos cartórios essa atribuição. Haveria economia de recursos e pessoal.