Promessa de zerar rombo nas contas públicas fica para próximo governo
Embora zerar o rombo das contas públicas brasileiras já em 2019 tenha sido uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro, nem as previsões mais otimistas apontam para a realização de superávit primário ainda neste governo pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em abril deste ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a prever as contas brasileiras no azul já em 2022. Mas, mesmo com um déficit em 2019 muito menor do que o autorizado na meta fiscal deste ano, os cálculos do próprio Tesouro Nacional apontam para um resultado positivo apenas em 2023, após as próximas eleições presidenciais. Menos otimista com o ritmo do ajuste fiscal, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado projeta superávits ainda mais tardios, somente a partir de 2026.
O descontrole do gasto público e a maior recessão da história da economia brasileira levaram a trajetória das contas públicas a registrarem sucessivos déficits anuais desde 2014. Mesmo com a aprovação do teto de gastos em 2016 e da reforma da Previdência em 2019, o governo ainda está longe de arrecadar mais do que os compromissos com as despesas obrigatórias que precisam ser pagas a cada ano.
Para este ano, a meta fiscal autoriza um rombo de até R$ 139 bilhões nas contas do Governo Central – que engloba Tesouro, Banco Central e INSS. Mas, ajudada pelo megaleilão do pré-sal e pelo empoçamento de recursos que os ministérios não conseguiram aplicar neste ano, a equipe de Paulo Guedes aposta em um déficit inferior a R$ 80 bilhões em 2019.
Mesmo assim, sem poder contabilizar a repetição de fatores atípicos no próximo ano, a meta de déficit primário em 2020 foi mantida em três dígitos, chegando a R$ 124,1 bilhões, ou 1,53% do Produto Interno Bruto (PIB). Pelas projeções oficiais do Tesouro, a inversão dos resultados para o campo positivo só ocorrerá em 2023 – já em um novo governo – quando o superávit federal deve atingir 0,26% do PIB.
Já nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, um superávit de 0,23% do PIB só será alcançado em 2026, três anos após a previsão do governo. O último Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) da instituição prevê o equilíbrio das contas federais (com déficit de -0,05% do PIB) somente em 2025.
“Revisamos o nosso cenário há menos de um mês, com uma redução significativa na projeção para o endividamento público – com mudanças nas estimativas de PIB, juros e inflação -, mas não vemos motivo para apostar em uma trajetória melhor para o resultado primário”, afirma o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto.
O economista avalia que a equipe de Guedes tem sido “otimista demais” nas projeções para o resultado fiscal nos próximos anos. “Temos observado a escolha pelo governo de metas indicativas pouco forçadas, com a situação melhor que a maioria das projeções de mercado e que a nossa. Continuamos achando que o primário demora a ficar positivo”, completa.
Além da arrecadação com o leilão de petróleo em 2019, Salto lembra que o governo terá um forte reforço atípico de caixa com o aumento do recolhimento de dividendos dos bancos estatais. “É meritório que existam essas receitas, mas nada garante que elas se repetirão nos próximos anos”, aponta.
O diretor-executivo da IFI reforça que o governo ainda precisa demonstrar como o caixa primário irá melhorar de maneira estrutural, sem depender de fontes extraordinárias de recursos.
“Ainda não existe uma proposta clara de reforma administrativa para atacar o gasto com pessoal. Avaliamos que a PEC do Pacto Federativo também tem problemas que dificultam a sua aprovação. Ajuste fiscal pelo lado do gasto ainda está muito concentrado no investimento, que é o menor da série histórica”, conclui.
Já o analista de finanças públicas da Tendências Consultoria, Fabio Klein, considera o quadro de projeções da IFI pessimista demais. “Nunca tivemos aqui na Tendências um cenário tão longo assim para a volta do primário positivo”, relata.
Pelas contas do economista, as contas federais devem chegar a um resultado “zero” já em 2022 (déficit de 0,02% do PIB), para enfim registrarem um superávit de 0,7% em 2023.
“O resultado que será obtido depende, é claro, do avanço e da magnitude de reformas e das privatizações, além do crescimento da economia e de ajustes adicionais do lado dos gastos”, lembra Klein.
Segundo ele, a aprovação da reforma da Previdência e da PEC Paralela neste ano já garantirão ganhos fiscais importantes nos próximos anos. “Além disso, a PEC Emergencial tem chance razoável de aprovação, dando mais fôlego para que o governo consiga até mesmo retomar algum nível de investimento sem comprometer o cumprimento das regras fiscais”, completa.
Klein destaca ainda que o possível fim da política de valorização do salário mínimo pode ter grande impacto no ajuste fiscal do governo. Para 2020, o mínimo deverá ser corrigido apenas pela inflação (medida pelo INPC) de 2019, sem qualquer ganho real. “Essa é uma discussão que irá voltar em 2020”, conclui.