70% da Câmara se elegeu com verba pública
Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
A consultoria legislativa da Câmara elaborou um estudo sobre a dependência de deputados federais do dinheiro público na campanha de 2018. A análise das contas eleitorais revela que 342 dos 513 parlamentares eleitos tiveram 70% ou mais de suas campanhas custeadas por recursos dos fundos eleitoral ou partidário.
O estudo considera o candidato “dependente” do dinheiro público quando mais de 70% de seus gastos foram bancados com verba dos fundos públicos. De acordo com esse critério, 67% dos eleitos estão nessa situação.
A dependência aumentou desde a proibição de doações por empresas. Os dados também evidenciam as disparidades regionais. No Acre e no Amapá, 100% dos eleitos são considerados dependentes dos fundos públicos. Ao todo, 22 estados tiveram pelo menos a metade de seus eleitos financiados principalmente por estes recursos. Já em três deles, Rio, Distrito Federal e Mato Grosso, a maior parte dos eleitos usou mais recursos privados.
Também há diferenças quando se compara a condição de homens e mulheres. Elas foram mais dependentes de recursos públicos do que eles: 60 das 77 eleitas, ou seja, 78% das candidatas eleitas precisaram de ao menos 70% de recursos públicos. Já para os homens, o percentual diminui: 65% dos candidatos foram dependentes dos recursos públicos — 283 entre os 436 eleitos.
Para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, a perspectiva deve ser a mesma para as eleições deste ano, com a maior parte do financiamento sendo feito por dinheiro público. Segundo ele, a legislação deixa pouca margem para “comportamentos desviantes”. Ele diz que será interessante observar, entretanto, se a quantidade de dinheiro investido nas candidaturas será relevante:
— O dinheiro público importou pouco nas últimas eleições para o sucesso eleitoral, especialmente para candidaturas para o Executivo e algumas para o Parlamento. Alguns deputados gastaram relativamente pouco. Candidatos a governador e presidente, como Jair Bolsonaro e Wilson Witzel, gastaram pouco e tiveram êxito. Já outros que gastaram muito não tiveram resultado.
Cientista político da FGV-EASP, Claudio Couto diz que a possibilidade de o político gastar menos em eleições tem a ver com a mudança na difusão de ideias, como a expansão da internet e proliferação de redes sociais. Ele ressalta, no entanto, que o país escolheu um modelo formal que privilegia o financiamento público. Há exceções quando são analisadas candidaturas de pessoas ricas, que bancam sua própria campanha. Ele acrescenta ainda que vê poucas chances de pessoas físicas buscarem uma participação maior no processo eleitoral:
— Esse percentual certamente tem a ver com a ausência de doações empresariais. Mas isso não pode ser desassociado de outro aspecto: nós não temos, no Brasil, a tradição de doação por pessoas físicas para campanhas eleitorais. Se formos olhar além, o brasileiro não tem a prática de fazer doações, diferentemente da tradição filantrópica americana: doações para universidades e outras instituições. No Brasil vemos menos essa tradição ligada um pouco mais à caridade.
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar o projeto de lei aprovado pelo Congresso que garante R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral neste ano e defendeu que a população não vote em parlamentares que usarem recursos do chamado “fundão”. Apesar das críticas, Bolsonaro sinalizou que não vetará o fundo.
Em 2015, a Câmara aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição que liberava a doação de empresas a partidos, com algumas limitações. O texto, no entanto, foi suprimido no Senado.
Antes de ser presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) teve papel importante à época, ao articular a alteração da legislação entre os deputados. No ano passado, quando perguntado sobre o alto valor de dinheiro público investido em campanhas, ele voltou a defender a proposta engavetada pelo Senado.
— O ideal é o financiamento privado, limitado, sem poder concentrar uma empresa em um candidato apenas, com algumas limitações, para que a relação entre o deputado e o financiador não seja uma relação de dependência — avaliou.