Bolsonaro: cada vez menos humano
Foto: Adriano Machado/Reuters
“O índio está evoluindo. Cada vez mais ele é um ser humano igual a nós”, disse Jair Bolsonaro, dias atrás. A frase é tão equivocada e ofensiva que, invertida, faria mais sentido: “Jair Bolsonaro está ‘involuindo’. Cada vez menos ele é um ser humano igual a nós”.
A noção de que preservar, cultivar a harmonia com a natureza, excluir o extrativismo predatório, querer rios limpos e viver conforme costumes ancestrais fazem dos povos indígenas seres “menos humanos” foi expressa num contexto em que Bolsonaro defendia que é aspiração de todo indígena evoluído comercializar suas riquezas através do sistema de trocas branco.
Em outras palavras, índio que licencia terra para a mineração, ou que vende seus princípios por um punhado de moedas, é índio evoluído. Índio que quer preservar a floresta é um ser pré-humano enjaulado num zoológico, analogia preferida de Jair.
O presidente que, em meados do ano passado, abordado por um turista de ascendência asiática, perguntou se “está tudo pequenininho aí”, demonstra, mais uma vez, o quão pequenininha é sua autonomia de voo intelectual. Seus raciocínios revelam a ausência de qualquer contato inteligente com o campo da antropologia, essa coisa de esquerdopata, de acordo com o corolário dos apedeutas.
Bolsonaro é daqueles que consideram “índio” uma coisa só, e não um conjunto de povos que agrega diversas etnias e dinâmicas socioculturais, práticas, visões de mundo, linguagens e conhecimentos. Que poderiam, inclusive, ser aproveitados numa perspectiva econômica sustentável, auspiciosa, bastante documentada pelo ambientalismo mais avançado.
De acordo com o presidente, um ser humano igual a “nós” (nós quem, cara pálida?) pensa e age de acordo com a lei do mais forte. Se alguém disser ao presidente que é possível ser diferente e, ao mesmo tempo, igualmente humano, sua cuca vai fundir com essa coisa de paradoxo aí e ele vai precisar de férias.
É claro seu apego, provavelmente intuitivo ou de orelhada, ao darwinismo social, que provocava ânsias de vômito no próprio Darwin. Hitler era adepto dessa excrescência e adorava comparar gente com animais predadores. Considerava as minorias sempre fracas, destinadas a perecer.
Bolsonaro já disse, mais de uma vez, com todas as palavras, que as minorias que não se adaptarem devem se curvar às maiorias… ou desaparecer. Ou seja, minoria boa é a que marcha com a maioria. Às minorias rebeldes, o extermínio.
A democracia é o oposto disso: necessita que a maioria esteja sempre constrangida pelas minorias. O fascismo nasceu de alianças (atenção: “alianças”) que pregavam o uso da força pela maioria. Seu símbolo era um feixe (fascio), espécie de machado revestido de varas de madeira, de origem romana.
Os atuais cartesianos propalam que o governo não tem nada a ver com isso mas é tão somente de extrema-direita. Não querem ver os paralelos orgânicos, não estatutários, que, de analogia em analogia, de ofensa em ofensa, de exclusão em exclusão, vão espraiando o fascismo pelos grotões da República.