Bolsonaro e seu racismo contra indígenas
Foto: RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES
Durante a tradicional transmissão online desta quinta-feira, 23, o presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer comentários ofensivos sobre a população indígena. “Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”, disse, durante a live publicada em suas redes sociais. A declaração foi feita quando o presidente explicou a criação do Conselho da Amazônia e ações de sua gestão para a proteção de terras indígenas.
“O índio mudou, tá evoluindo. Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós. Fazer com que o índio cada vez mais se entregue à sociedade e seja cada vez mais dono da sua terra indígena”, declarou o presidente, afirmando que já havia conversado com Mourão sobre o tema e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para que a criação do órgão seja “sem custo adicional”.
De acordo com Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a fala de Bolsonaro foi “racista”. Diante dessa avaliação, a entidade pretende denunciar o presidente à Justiça pelo crime de racismo.
A @apiboficial entrará na justiça contra Jair Bolsonaro por crime de racismo. Nós, povos indígenas, originários desta terra, exigimos respeito! Bolsonaro mais uma vez rasga a Constituição ao negar nossa existência enquanto seres humanos. É preciso dar um basta à esse perverso!
— Sonia Guajajara (@GuajajaraSonia) January 24, 2020
Na última terça, o governo já havia anunciado a criação do Conselho da Amazônia, que será liderado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e conter uma Força Nacional Ambiental, cuja atuação também seria prioritariamente na Floresta Amazônica. De acordo com o governo, essa força nacional será composta por órgãos ambientais e policiais militares da região e de outros Estados, mas ainda não há prazo para seu início.
Já o conselho, sob o comando de Mourão, terá ação coordenada interministerial para o “desenvolvimento sustentável”, segundo Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. O órgão atuará na fiscalização, regularização fundiária, zoneamento econômico e pagamento de serviços ambientais.
Bolsonaro critica a demarcação de terras indígenas no Brasil há pelo menos três décadas, elogiando a forma “competente” com que o regime norte-americano lidou com o “problema” em um discurso de 1998. “Realmente, a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e, hoje em dia, não tem esse problema em seu país!”, afirmou o então deputado.
O genocídio indígena nos EUA do século XIX, provocado pelos interesses de fazendeiros e da indústria ferroviária nas terras dos nativos norte-americanos, resultou na morte de 80% dessa população, o equivalente a mais de milhão de assassinatos. Em seu discurso na Câmara, publicado no Diário Oficial, Bolsonaro reitera: “Se bem que não prego que façam a mesma coisa com o índio brasileiro; recomendo apenas o que foi idealizado há alguns anos, que seja demarcar reservas indígenas em tamanho compatível com a população”.
Em 1997, também durante discurso na Câmara dos Deputados, ele já havia declarado que os índios “não falam nossa língua” e questionado o trabalho da FUNAI em proteger as terras indígenas da reserva yanomâmi. “No meu entender, os índios são massa de manobra, a fim de que cada vez mais terras sejam demarcadas. No futuro, então, elas seriam tomadas ou ao menos exploradas pelo capital externo”, declarou.
As declarações sobre a forma como são feitas as demarcações acompanhou Bolsonaro ao longo dos anos e, em 3 de abril de 2017, ele voltou a tocar no assunto durante discurso no Clube Hebraica Rio: “Pode ter certeza que se eu chegar lá (na Presidência da República) não vai ter dinheiro pra ONG. Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”.
No mesmo ano, em entrevista ao Estado, ele novamente criticou a reserva yanomâmi: “Eu já briguei com o Jarbas Passarinho aqui dentro. Briguei em um crime de lesa-Pátria que ele cometeu ao demarcar a reserva yanomâmi. Criminoso”. Em novembro, cerca de 20 mil garimpeiros invadiram o território, em episódio que chegou a chamar a atenção do ator Leonardo DiCaprio.
Três anos antes, na Câmara dos Deputados, ele já havia prometido desmarcar a reserva indígena em Raposo do Sol, também no estado de Roraima: “Vamos dar fuzil com porte de armas para todos os fazendeiros”. Já em setembro, durante entrevista ao canal de uma youtuber, o presidente voltou a reforçar a ideia de que o Brasil “está quase na ingovernabilidade no tocante às reservas”.
Foi durante a reunião de uma comissão externa da Câmara para discutir a reserva de Raposo do Sol, em 2004, que o presidente se referiu à FUNAI como “podre” e a índios como “fedores”: “O índio, sem falar a nossa língua, fedorento – é o mínimo que posso falar -, na maioria das vezes, vem para cá, sem qualquer noção de educação, fazer lobby”. Repreendido pelo relator da sessão, deputado Lindbergh Farias (então do PT), ele se explicou: ”Eles não usam desodorante. Isso foi o que quis dizer”.
Nessa mesma comissão e sob a discussão do mesmo tema, em 2008, Bolsonaro voltou a atacar um índio, dessa vez Jecinaldo Sateré Maué, coordenador das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB. Na ocasião, Maué teria arremessado um copo de água na direção do deputado, depois que este defendeu a invasão de fazendeiros em terras indígenas.
“Veio de avião, vai agora comer uma costelinha de porco, tomar um chope, provavelmente um uísque e quem sabe telefonar para alguém para a sua noite ser mais agradável. Esse é o índio que vem falar aqui de reserva indígena. Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens”, disse.
Em 2018, as “origens” indígenas foram novamente citadas durante um discurso, no qual o então presidente disse: “Quando tem contato com a civilização, o índio vai se moldando a outra maneira de viver, que é bem melhor que a dele”. Na mesma ocasião, ele afirmou uma declaração similar à da transmissão desta quinta-feira, acreditando que índios devem ser tratados como “um ser humano igual a nós (sic)”.