Caso Alvim prejudica imagem do Brasil no exterior
Foto: RONALDO CALDAS/FOTOS PÚBLICAS
“A arte brasileira da próxima década será heróica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”, disse Alvim no vídeo, em frase semelhante à de Joseph Goebbels em 1933, segundo o biógrafo Peter Longerich.
“A arte alemã da próxima década será heróica, será de um romantismo ferrenho, será objetiva e sem sentimentalismos, será nacional com um grande pathos e será, ao mesmo tempo, igualmente obrigatória e vinculante, ou não será nada”, disse o ministro nazista.
Para o brasilianista Brian Winter, editor-chefe da publicação America’s Quarterly, o episódio é um novo arranhão na forma como o país é visto no exterior.
“É mais um gol contra na imagem internacional do Brasil e mais um incidente negativo depois da polêmica em torno da Amazônia (em referência ao recorde de queimadas e sua repercussão mundial) no ano passado e o tuíte de carnaval do presidente (quando, no Carnaval de 2019, Bolsonaro postou um vídeo pornográfico e depois tuitou a pergunta a respeito de ‘golden shower’)”, disse Winter à BBC News Brasil.
“A maior parte do soft power do Brasil se queimou no ano passado com a crise ambiental”, prossegue Winter, em referência ao termo usado para falar da capacidade de persuasão de um país por seus valores políticos e culturais, sem uso da força. “Mas em um mundo tão politizado e com as redes sociais, um incidente como esse (do vídeo) vai se desenrolar.”
O também brasilianista Mark Langevin, do centro de estudos Brazil Works, nos EUA, concorda que o impacto externo é inferior ao das queimadas amazônicas, mas “acho que pode afetar a percepção do Brasil e do governo no mundo, na medida em que as pessoas informadas comecem a entender de Bolsonaro com esses elementos de extrema direita, fascistas”, opina.
Além disso, diz ele, especificamente no âmbito cultural, o vídeo de Alvim “prejudica a reivindicação brasileira desse status de soft power que se reflete principalmente no que a maior parte do mundo considera uma cultura nacional extremamente atraente”.
“Talvez mais importante”, prossegue Langevin, “seja o fato de que esse problema não começou com o secretário. Ele começou após o impeachment de Dilma Rousseff e o esforço do presidente Michel Temer de eliminar o Ministério da Cultura. E Bolsonaro, claro, também tentou fazê-lo (a Secretaria Especial da Cultura acabou absorvida no atual governo pelo Ministério do Turismo). E isso envolve uma questão maior agora que é: esse governo, que é nacionalista e conservador, tentará disseminar a cultura brasileira orgânica, que todos reconhecemos, ou vai querer substituí-la, implementando algo que se parece mais com uma cultura colonialista europeia?”
Um exemplo de como esses episódios podem prejudicar o país, de acordo com ele, é o esforço do ministro da Economia, Paulo Guedes, para atrair mais investimento estrangeiro direto para o Brasil.
“O que vemos nos números é que o investimento está claramente abaixo das expectativas. E parte disso se deve simplesmente ao fato de que grandes investidores institucionais, como fundos de pensões nos EUA e na Europa, estão olhando para esse governo, suas ações a respeito da mudança climática, do desmatamento, a reação lenta ao vazamento de óleo nas praias do Nordeste e pensando: ‘nós não podemos investir no Brasil por causa dos nossos critérios de responsabilidade social”, afirma Langevin.
“Esse vídeo, de certa forma, pontua uma história maior, que agora está sendo entendida ao redor do mundo, de que o governo Bolsonaro não está interessado em lidar com os problemas associados à responsabilidade social e é, na verdade, bastante irresponsável mesmo com coisas bem desimportantes em termos da política econômica global, como a cultura”, afirma.
Para Langevin, as controvérsias do governo devem se intensificar com a aproximação das eleições municipais, em outubro, já que Bolsonaro terá de acenar para sua base de eleitores fiéis. “Isso vai atrair ainda mais atenção negativa ao redor do mundo.”
Agências de notícias e jornais e emissoras como CNN, New York Times, Washington Post e The Guardian repercutiram, em suas edições online, o discurso em que Alvim cita frase de Goebbels. Winter destaca, porém, que não haverá uma repercussão internacional negativa tão grande quanto a crise amazônica, com suas implicações no clima global e na emissão de gases do efeito estufa.
“Não será uma grande notícia aqui nos EUA. Acho que será mais uma curiosidade que será abordada pelos programas (noticiosos) humorísticos. Mas, em sua essência, é algo sério. (…) O mais importante é que isso nos dá uma visão das ideias de ao menos parte deste governo”, diz o analista.
“Sei com certeza que nem todos no governo Bolsonaro pensam dessa forma. E que só uma minoria insignificante do público gosta desse tipo de retórica. (Mas) quem pensaria que uma nostalgia aberta do nazismo seria uma boa ideia?”, questiona, destacando, ao mesmo tempo, que achou que Bolsonaro foi razoavelmente rápido e firme ao demitir Alvim.
Para Langevin, “há obviamente um esforço consciente de apresentar uma versão estilizada da propaganda nazista. E isso a obviedade da coisa é um jeito de ‘pregar para convertidos’. As pessoas que não prestam atenção podem não ouvir, mas o que ele está dizendo a segmentos da sociedade brasileira é que não há problema em expressar inclinações fascistas”, diz.
Mas há, segundo o brasilianista, um segundo problema: o fato de que, ao anunciar o novo Prêmio Nacional das Artes, a Secretaria da Cultura não dá nenhum indício de como os beneficiados serão escolhidos. “Isso, em si, é perturbador, porque passa a mensagem de que o governo vai decidir sozinho, o que, de novo, reflete uma prática autoritária que esse governo insiste em adotar.”