Chefe da Secom recebe dinheiro de emissoras e agências de publicidade
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), Fabio Wajngarten recebe, por meio de uma empresa da qual é sócio, dinheiro de emissoras de TV e de agências de publicidade contratadas pela própria secretaria, ministérios e estatais do governo Jair Bolsonaro.
A Secom é a responsável pela distribuição da verba de propaganda do Planalto e também por ditar as regras para as contas dos demais órgãos federais. No ano passado, gastou R$ 197 milhões em campanhas.
Wajngarten assumiu o comando da pasta em abril de 2019. Desde então, se mantém como principal sócio da FW Comunicação e Marketing, que oferece ao mercado um serviço conhecido como Controle da Concorrência. Tem 95% das cotas da empresa e sua mãe, Clara Wajngarten, outros 5%, segundo dados da Receita e da Junta Comercial de São Paulo.
A FW fornece estudos de mídia para TVs e agências, incluindo mapas de anunciantes do mercado. Também faz o chamado checking, ou seja, averiguar se peças publicitárias contratadas foram veiculadas.
A Folha confirmou que a FW tem contratos com ao menos cinco empresas que recebem do governo, entre elas a Band e a Record, cujas participações na verba publicitária da Secom vêm crescendo.
A legislação vigente proíbe integrantes da cúpula do governo de manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões. A prática implica conflito de interesses e pode configurar ato de improbidade administrativa, demonstrado o benefício indevido. Entre as penalidades previstas está a demissão do agente público.
Em 2019, a Band, por exemplo, pagou R$ 9.046 por mês (R$ 109 mil no ano) à empresa do chefe da secretaria por consultorias diversas. O valor mensal corresponde à metade do salário de Wajngarten no governo (R$ 17,3 mil).
Os montantes foram confirmados à Folha pelo próprio Grupo Bandeirantes, ao ser procurado. A emissora informou que contrata a FW desde 2004. Disse também ter pago a ela R$ 10.089 mensais em 2017 e R$ 8.689 mensais em 2018.
A Band afirmou que a empresa do secretário “presta serviços para todas as principais emissoras da TV aberta”, fornecendo vários tipos de serviço, entre eles o mapeamento de anunciantes, com o detalhamento de montantes investidos —ferramenta em geral usada pelos departamentos comerciais.
Questionado pela Folha sobre as relações comerciais com as emissoras, Wajngarten confirmou ter hoje negócios com a Band e a Record. Ele não informou os valores, justificando que os contratos têm cláusulas de confidencialidade.
Além das TVs, a FW faz checking para três agências responsáveis pela publicidade da Caixa. Trata-se da Artplan, da Nova/SB e da Propeg. O valor é de R$ 4.500 mensais, segundo confirmou a Propeg.
As três atendem outros órgãos do governo.
Em agosto do ano passado, o próprio Wajngarten assinou termo aditivo e prorrogou por mais 12 meses o contrato da Artplan com a Secom, de R$ 127,3 milhões.
Em janeiro, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) renovou por mais um ano o vínculo com a Nova/SB e a Propeg.
As duas também conseguiram, respectivamente, esticar contratos com os ministérios da Saúde e do Turismo. Nesses casos, os aditivos foram firmados por outros gestores.
Sob o comando de Wajngarten, a Secom passou a destinar para Band, Record e SBT fatias maiores da verba publicitária para TV aberta, enquanto a Globo, líder de audiência, viu suas receitas despencarem a um patamar mais baixo que o das concorrentes.
Nos governos anteriores, a emissora carioca recebia a maior parte do bolo, tendência que agora se inverteu.
Bolsonaro e Wajgarten fazem ataques recorrentes à Globo, com o discurso de que a emissora persegue o governo em sua cobertura jornalística.
O TCU (Tribunal de Contas da União) investiga possível distribuição das verbas oficiais por critérios políticos, de forma a favorecer TVs alinhadas com o governo.
Os programas dos apresentadores Datena (Band) e Ratinho (SBT), escolhidos recorrentemente por Bolsonaro para dar entrevistas em que defende medidas de sua gestão, vêm sendo contemplados com dinheiro para merchandising (propaganda inserida nas atrações).
De 12 de abril, data em que Bolsonaro nomeou Wajngarten, a 31 de dezembro do ano passado, a Secom destinou à Band 12,1% da verba publicitária para TVs abertas, ante 9,8% no mesmo período de 2018.
A Record obteve 27,4% e o SBT, 24,7%. No ano anterior, as duas haviam recebido, respectivamente, 23,6% e 22,5%.
Já a Globo, sob Wajngarten, ficou com percentual menor (13,4%), contra 24,6% em 2018.
O levantamento foi feito pela Folha com base em planilhas da própria secretaria.
A lei que trata do conflito de interesses na administração federal proíbe o agente público de exercer atividade que implique a “prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio” com empresas com interesse nas decisões dele.
Também veda que o ocupante de cargo no Executivo pratique “ato em benefício de pessoa jurídica de que participe ele próprio, seu cônjuge, companheiro ou parentes até o terceiro grau”, ou mesmo que “possa ser por ele beneficiada ou influenciar seus atos de gestão”.
As situações de possível choque do interesse privado com o público devem ser informadas pelo próprio servidor ao governo.
Para cargos como o ocupado por Wajngarten, a fiscalização é feita pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
Ex-presidente do colegiado, Mauro Menezes diz que situações como a do secretário transgridem a lei. A sanção prevista é a de demissão.
Segundo ele, que falou em tese com a Folha, nesses casos cabe também a abertura de ação de improbidade administrativa.
Dias antes de assumir a função de secretário especial de Comunicação, Wajngarten mudou o contrato social da FW e nomeou para gerenciá-la, em seu lugar, um administrador.
Manteve-se, contudo, como principal cotista da empresa. O novo contrato social prevê a distribuição anual para os sócios de lucros e dividendos proporcionais à participação no capital social.
Wajngarten diz não haver conflito de interesses
Wajngarten afirma que não há “nenhum conflito” de interesses em manter negócios com empresas que a Secom e outros órgãos do governo contratam.
“Todos os contratos existem há muitos anos e muito antes de sua ligação com o poder público”, afirmou, por meio de nota da Secom.
Wajngarten disse que, para assumir sua função no Planalto, deixou o posto de administrador da FW, “como rege a legislação”.
Questionado sobre se reportou à Comissão de Ética da Presidência os negócios com TVs e agências, conforme prevê a lei, o secretário respondeu que “jamais foi questionado” a respeito.
Wajngarten informou que atualmente sua empresa “tem contratos apenas com Record e Band”, assinados desde 2003. “Os valores e as características contratuais têm cláusula de confidencialidade.”
Ele afirmou que a FW fornece aos clientes, via internet, um banco de informações atualizadas de hora em hora. “Todo investimento publicitário televisivo é reportado. O cliente cria o relatório conforme sua necessidade.”
O secretário disse ainda que o contrato com as agências da Caixa foi assinado em 2016, “muito antes” de entrar na vida pública. O custo de R$ 4.500 mensais é rateado entre as três contratadas.
Ele negou que a renovação do contrato da Secom com a Artplan tenha relação com o fato de sua empresa receber dinheiro da agência.
“O aditivo contratual foi feito em 2019 com as três agências licitadas [pela Secom]. As agências Calia e NBS nunca assinaram o serviço [Controle da Concorrência], o que descarta qualquer tipo de influência.”
A Record não se pronunciou.
Redação com Folha