Comissão de Ética Pública investigará chefe da Secom
Foto: Andre Coelho/Folhapress
A Lei de Conflito de Interesse obriga um funcionário do alto escalão do governo federal a deixar a sociedade da sua empresa? O Estado consultou juristas e pessoas que participaram da discussão sobre a elaboração da lei e todos dizem que cada caso é um caso, mesmo quando a empresa tem como cliente contratantes do poder público, como faz a FW Comunicação e Marketing, firma da qual é sócio o secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten.
Quem decide o futuro de Wajngarten é a Comissão de Ética Pública (CEP). O Estado apurou que, em meio à ampla repercussão do caso nas redes sociais, ao menos dois dos seis membros do colegiado dizem, em conversas reservadas, que votarão para Wajngarten deixar a sociedade da firma, mesmo ele já tendo se afastado da administração.
O que os especialistas concordam é que Wajngarten deveria ter comunicado à comissão de ética sobre seus clientes e questionado especificamente se os negócios da FW configuram conflito de interesse. A reportagem perguntou repetidas vezes ao secretário se ele fez esta consulta ao colegiado, mas a resposta foi genérica. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) não comentam.
“Se indiretamente uma empresa da qual o servidor é sócio se beneficiará da relação de negócios da esfera pública há, no mínimo, que se observar a lei de conflitos para que houvesse uma consulta prévia à Comissão de Ética ou CGU”, avalia Flávio Silveira Unes, doutor em direito administrativo e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Para Unes, a mera dúvida sobre a questão já justifica uma consulta. “Os fatos são graves para impor uma apuração, e só depois da apuração que vamos poder afirmar se são suficientemente graves para atrair algum tipo de sanção”, acrescenta.
A próxima reunião da Comissão de Ética será a portas fechadas em 28 de janeiro. A CEP é formada por sete integrantes, mas uma vaga está aberta. O presidente Jair Bolsonaro indicou apenas um dos membros atuais, que têm mandatos de até três anos, mas emplacou o atual presidente. Os outros membros entraram na comissão durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
A FW tem contratos com ao menos cinco empresas que recebem recursos direcionados pela Secom, entre elas Band e Record, revelou a Folha de S. Paulo. Em nota, Wajngarten informou que todos os negócios são “anteriores ao seu ingresso na Secom”, o da Band tem 16 anos, e “não sofreram qualquer reajuste ou ampliação”.
A empresa de Wajngarten também presta serviços para a agência de publicidade Artplan. O próprio secretário assinou uma prorrogação de contrato de R$ 127,3 milhões desta agência com a Comunicação da Presidência em agosto de 2019.
Ao Estado, membros da comissão, no entanto, ponderam que ainda é preciso analisar as informações entregues pelo secretário à época da sua entrada no governo para tomar uma decisão.
Wajgarten se afastou do comando de sua empresa em 15 de abril, três dias antes de sua nomeação ao governo. Em seu lugar na companhia ele deixou Fabio Liberman, irmão do número 2 da Secom, Samy Liberman. A relação da empresa do secretário com emissoras de TV e agências levantou discussões sobre a necessidade de o secretário também deixar de ser sócio da FW.
Afastamento. Para Raquel de Mattos Pimenta, doutora em direito pela Universidade de São Paulo (USP), decisões recentes da CEP e órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU), indicam que, para evitar conflito de interesse, em casos similares ao de Wajngarten, é preciso se afastar da sociedade de uma empresa. “Só a percepção de que pode existir um conflito de interesse já mina a atividade pública”, afirma Pimenta.
Doutora na USP e professora de direito na Fundação Getulio Vargas (FGV), Juliana Palma afirma que não é preciso existir uma lesão ao patrimônio público para que se caracterize o conflito de interesse. “O que deve se fazer por enquanto (sobre o caso de Wajngarten) é montar estrutura para apuração”, diz ela.
Os especialistas observam que, conforme a análise do caso, Wajngarten poderá responder até por improbidade administrativa. Eles ressaltam, no entanto, que ainda é preciso ficar claro quais explicações o secretário já prestou e qual é o papel dele na empresa.
O Palácio do Planalto alega que Wajngarten cumpriu com todas as exigências de órgãos de controle e inteligência para entrar no governo, incluindo da comissão de ética.
Na última quarta-feira, o chefe da Comunicação do governo alegou que foi “orientado” pela Subchefia de Assuntos Jurídicos do Planalto (SAJ), pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Controladoria-Geral da União para “que saísse do quadro de gestão” da empresa, mas não forneceu mais detalhes.
A Lei de Conflito de Interesse foi gestada nas administrações do PT, proposta em 2006 (governo Lula) e aprovada em 2013 (Dilma) no Congresso. Responsável por assuntos jurídicos do governo à época, o advogado Beto Vasconcelos afirma que a legislação internaliza no Brasil regras de organismos multilaterais, como Nações Unidas e Organização dos Estados Americanos (OEA).
Segundo Beto, a regra foi elaborada na esteira de uma agenda de modernização da legislação, administração e gestão do Estado nas áreas de transparência e controle à corrupção. Ele cita como outras mudanças propostas neste período a Lei de Acesso à Informação, o Portal da Transparência e a Comissão da Verdade, criada para apurar crimes praticados na ditadura militar.
“Implementar uma agenda desse tamanho leva tempo”, disse Beto, sobre o intervalo de sete anos entre a elaboração da medida e sua sanção.
Para Raquel de Mattos Pimenta, doutora em direito pela Universidade de São Paulo (USP), há problemas na aplicação da lei. “Ela é muito bem-vinda, mas existe ainda lacuna, por exemplo, para replicar essa regra sobre conflito de interesse nas administrações de Estados e municípios”, afirmou.
A professora de direito na Fundação Getulio Vargas (FGV) Juliana Palma, por sua vez, avalia que é preciso aprimorar regras de proteção a cidadãos e empresas que apresentam suspeitas de desvios e conflitos em órgãos públicos.