Criacionista, presidente da Capes fala em liberdade de cátedra

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Foto: Reprodução

O novo presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Benedito Guimarães Aguiar Neto, defendeu a “liberdade de cátedra” e afirmou que irá priorizar “soluções de problemas nacionais” em sua gestão. A nomeação ocorreu na última sexta (24).

A Capes é responsável por avaliar os cursos de pós-graduação, divulgar as informações científicas, promover a cooperação internacional e atuar na formação de professores da educação básica.

O novo presidente é defensor do criacionismo, teoria que se baseia na fé na criação divina, ou seja, que Deus criou a vida. Antes de assumir a Capes, Aguiar foi reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. À frente da universidade, ele promoveu eventos para defender a teoria. A comunidade científica refuta o criacionismo.

A TV Globo questionou se o novo presidente iria manter essa posição à frente de uma instituição pública, mas a Capes respondeu que Aguiar Neto não iria se manifestar.

Nesta quarta-feira (29), Aguiar publicou um texto em que afirma que vai defender a pluralidade de pensamento durante sua gestão da Capes.

“Sem liberdade de cátedra, não há nem a criatividade intelectual, nem as soluções dos problemas nacionais”, disse. “O fomento à apropriação e ao desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico para soluções de problemas nacionais serão prioridades em minha gestão” – Benedito Guimarães Aguiar Neto, presidente da Capes.

Em uma entrevista em novembro após o segundo congresso sobre o tema, Aguiar Neto afirmou que queria colocar o criacionismo como contraponto à teoria da evolução, como revelou o jornal “Folha de S. Paulo”.

“Queremos colocar um contraponto à teoria da evolução e disseminar que a ideia da existência de um design inteligente pode estar presente a partir da educação básica, de uma maneira que podemos, com argumentos científicos, discutir o criacionismo”, disse à época.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) mantém um centro de “ciência, fé e sociedade”, com foco no debate da teoria chamada Design Inteligente (DI), refutada pela comunidade científica por ser uma versão do criacionismo bíblico.

Em entrevista ao G1, a presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Flávia Calé, afirmou que está vigilante sobre “o estado democrático de direitos”, mas que a reputação de Aguiar não indica, a princípio, motivo para preocupação.

“A gente se apoia no que conhece até aqui. O que sabemos é que ele é aberto ao diálogo e não tem histórico de ingerência na administração de universidades. Ele tem uma trajetória acadêmica reconhecida e 8 anos à frente do Mackenzie, que tem pesquisa sendo desenvolvida”, afirmou.

De acordo com a Capes, Benedito Guimarães Aguiar Neto se formou em Engenharia Elétrica em 1977 pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e concluiu mestrado na mesma instituição em 1982.

Ele concluiu o doutorado na área em 1987 pela Technische Universität Berlin, na Alemanha; e o pós-doutorado em 2008 pela University of Washington, nos Estados Unidos.

Para Calé, a principal preocupação da ANPG é a atualização das bolsas de estudo, que estão há 8 anos sem reajuste. Calé participou de uma reunião com Benedito Aguiar na manhã desta quinta-feira e apresentou as reivindicações.

A “Science”, uma das revistas acadêmicas mais prestigiadas do mundo, disse que a nomeação de um defensor do criacionismo para comandar a agência que avalia os programas de estudo de graduação no Brasil “deixou cientistas preocupados sobre a interferência da religião na ciência e na política educacional”.

À TV Globo, o professor Sandro José de Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirmou que o criacionismo é retrógrado.

“É lamentável. O criacionismo é um dos aspectos mais retrógrados da atualidade. É equivalente a pensarmos, por exemplo, que a Terra é plana. Existe um tipo de criacionismo que acredita que a Terra é plana”, disse o professor Sandro José de Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O Núcleo de Apoio à Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Charles Darwin, da Universidade de São Paulo, afirma que não há dúvida de que “o processo evolutivo seja a melhor explicação para os fenômenos da vida, uma conclusão aceita há mais de um século e atualmente endossada inclusive por muitas instituições religiosas, como o Vaticano”, e que, se a prática do criacionismo for consumada, “afrontará a própria Constituição, ao colocar o estado brasileiro a favorecer certas denominações religiosas, em detrimento de outras. E ainda condenará o Brasil a caminhar de maneira cada vez mais lenta na trilha da melhoria da educação pública”.

“Design inteligente não é ciência. Mas, ao se travestir de ciência, ele prioriza pesquisas científicas que comprovem que isso é ciência. Não estão comprovando coisa nenhuma, mas se gasta dinheiro — dinheiro público e dinheiro que poderia ser investido em ciência de verdade”, explicou Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.

A Capes, que atua na formação de professores da educação básica e financia bolsas de estudo de pós-graduação, vai ter em 2020 apenas 67% dos recursos que teve em 2019. Os dados são da Lei Orçamentária Anual. Segundo a Capes, em 2019, o orçamento passou de R$ 4 milhões. Para 2020, estão autorizados na lei R$ 2,8 bilhões.

A entidade foi criada em 1951 e oferece, ao todo, quase 200 mil bolsas de estudo em 49 áreas de estudo para universitários da rede pública e privada: são 92.253 bolsistas na pós-graduação (no Brasil e no exterior) e 107.260 bolsista de programas de formação de professores da educação básica.

G1