Damares vê risco de legalização da pedofilia

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Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Apontada como a segunda ministra mais popular do governo, a paranaense Damares Alves é pródiga em colecionar controvérsias. Aos 55 anos, sua mais recente polêmica é a que sugere mudanças na vida sexual do brasileiro. Titular do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a pastora evangélica saiu do anonimato para a ribalta ao dizer que “menino veste azul e menina veste rosa”, despertando a ira de movimentos LGBT+ e reabrindo a discussão de gênero e sexo fluido. “Aquele foi o start da polêmica. Mas pediatras entendem que neutralidade de gênero é uma agressão à criança porque menino e menina são diferentes. Não estou exagerando”, aponta a ministra. Mas, ao se referir à frase na última quinta-feira (23/1), corrigiu-se: “O que eu quis dizer é que menino veste azul, menino veste rosa, veste a cor que quiser. Sem nenhum patrulhamento”.

Neste novo episódio com potencial para despertar críticas e adesões, a ministra diz que a alardeada campanha para evitar o sexo na adolescência é uma tentativa de combater a “legalização da pedofilia”. “O Unicef apresenta o relatório da idade média de iniciação do sexo no Brasil. Menina está 13,9 anos, e menino, 12,4 anos. O Código Penal Brasileiro fala que é estupro transar com uma criança com menos de 14 anos. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que eu faço com isso? Eu legalizo a pedofilia. Então, eu preciso reagir”, argumentou a ministra, que revelou, durante a entrevista de quase duas horas ao Correio, receber ameaças constantes de grupos ligados à exploração sexual e ao tráfico de drogas.

Cercada de presentes oferecidos por representantes ciganos, gays, negros, policiais e índios, a ministra diz contar com a boa vontade de todos para alcançar seus objetivos. Ela diz que é assim no mundo inteiro, onde a discussão sobre direitos humanos vai além da situação de presos e minorias. “Vamos trazer uma palavra: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Lá fala de liberdade, de identidade, igualdade, diversidade e de fraternidade. Então, a gente vai ter que trabalhar a fraternidade. O brasileiro é um povo incrível, é um povo solidário. Acompanhe os trabalhos de voluntariado que existem no Brasil. Do que nós estamos precisando? Talvez de uma voz de comando. Organizar isso”, acredita. Com estrutura enxuta e um orçamento de R$ 200 milhões, Damares comemora o fato de ter caído no gosto popular. “Moro que se cuide”, brinca.

Como a senhora explica ser a segunda ministra mais bem avaliada do governo?

Chique, não é? Moro que se cuide. Logo, logo, chego lá. Olha, deixa eu explicar. Não sou eu. É a pauta. É o ministério. Na verdade, o Brasil acompanhava muito pouco esse ministério. E as pautas mais espetaculares da Esplanada estão aqui. É a forma como a gente apresentou a pauta para o Brasil. A gente fala com o coração do brasileiro. A gente fala com mãe, fala com avô, fala com criança, juventude. Está tudo aqui. É a forma que a gente conduz. Muita gente não tinha imaginado o quão grande e especial é esse ministério, não é?

Antes havia preconceito?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é extraordinária. Alguns países estão seguindo também esse caminho de volta, de buscar a essência, a Carta, a declaração original e universalizar os direitos. Nos últimos anos, algumas nações, entre elas o Brasil, segmentaram os direitos humanos. Quando você falava de direitos humanos, só lembrava minorias, movimento LGBT , a população carcerária… Não se falava de água e saneamento básico como direitos humanos.

Qual foi a mudança, então?

Quando começamos a falar para o Brasil: “cuidar de criança e de idosos é direitos humanos”… a gente trouxe para a pauta a juventude, acesso à justiça etc. E trouxe também uma novidade que foi dar visibilidade a alguns segmentos que estavam inviabilizados no Brasil. Por exemplo, não se falava de ciganos no Brasil. Aí chego dizendo: “eu vou proteger a mulher cigana”. E começo a falar de ciganos no Brasil. Por exemplo, falou-se muito de índio no Brasil. Mas nós temos 800 mil índios no Brasil. E 1,2 milhão de ciganos. Esse povo estava invisibilizado. A mulher ribeirinha, a mulher escalpelada, também. Estamos falando de todo mundo que estava invisibilizado. A ideia é universalizar os Direitos Humanos. Não é porque eu sou linda e extraordinária, pelo contrário. Eu sou, como dizem as crianças, a ministra piradinha.

A senhora pretende mudar o comportamento sexual dos brasileiros?

Olha, me sobrou uma fatura. A fatura está aí. O que está sendo posto até agora não está dando muito certo. A gravidez precoce está crescendo de uma forma absurda. E mais do que a gravidez precoce, as doenças sexualmente transmissíveis. Sabiam que estamos em epidemia de sífilis? O Unicef apresenta o relatório da idade média de iniciação do sexo no Brasil: menina está com 13,9 anos, e menino, 12,4 anos. Imaginem comigo: o Código Penal Brasileiro fala que é estupro transar com uma criança com menos de 14 anos. A idade média do sexo caiu para 12. Aí, nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir.

O que é preciso fazer?

A gente precisa pensar em retardar a idade do início da relação sexual no Brasil, a fim de evitar uma tragédia. De que forma a gente pode retardar? Aí todo mundo critica, tem especialista dizendo que eu vou fazer dano à criança. Eu pergunto: que dano eu vou trazer para uma criança ao dizer para ela: “espera mais um ano”, “espera um pouquinho”?. Não vamos eliminar os outros métodos preventivos. Vamos continuar falando da camisinha; vamos continuar falando da pílula; vamos continuar falando dos outros métodos. O que a gente quer, aqui na lista de métodos (contraceptivos), é apresentar mais um. O não ficar agora. Esperar um pouco mais. Isso vai custar o que para o governo federal? Nenhum centavo. Que dano psicológico isso vai trazer para a criança? Nenhum.

O que a campanha quer aconselhar ao jovem?

Nós só queremos começar a conversar com ele. “Por que sexo com 12 anos?”. Isso é muito sério. Quando se fala da relação sexual precoce — porque eu estou diante de relação sexual precoce —, só se fala da gravidez e de DST. E as outras doenças? Vocês acham que uma menina de 12 anos, anatomicamente, tem o canal da vagina pronto para ser possuída por oito adultos? Aí você me pergunta: “De onde a senhora tira os oito adultos?”. Delas. Pergunte às meninas com quantos parceiros elas já se relacionaram. Gente, nós estamos diante de uma tragédia. As meninas estão ficando por uma certa pressão social. Vai em uma festa e não fica, você não é amada. Para você ser amada, desejada e poderosa, tem que ficar. A gente só quer conversar com elas o seguinte: não ficar também é legal. Não ficar não é careta. É só conversar com eles e começar a fazer uma reflexão. Se essa reflexão com eles não der certo, a gente esquece. Mas eu tenho que apresentar o novo. O que está aí não está dando certo. E o novo que eu tenho é conversar com eles. Se alguém tiver uma ideia mais extraordinária, pelo amor de Deus, me traga.

A que a senhora atribui o início precoce da sexualidade?

À erotização.

Ao mesmo tempo, fala-se que o Brasil é um país conservador. Não há contradição na ideia de que um país conservador tenha uma sexualização tão precoce?

A gente trabalhou muito o combate à exploração sexual, mas não combateu a erotização. Estamos diante de uma indústria forte de pornografia no Brasil. Na minha idade, qual era o acesso que a gente tinha à pornografia? Era um aluno conseguir uma revista na escola, e a gente ia para o banheiro escondido para olhar. Se pegassem, estava todo mundo suspenso. Hoje, criança de 4 anos tem acesso à pornografia. Mesmo a criança que não sabe ler, ela tem o Google, que ela fala e está lá a mensagem para ela de volta. Então, o que acontece, nossas crianças estão tendo mais acesso à erotização.

Há uma erotização massificada?

Minha geração fechou os olhos para a erotização infantil. Vamos lembrar do concurso “na boquinha da garrafa”? Vamos lembrar o concurso Carla Perez? A mini-Carla Perez, eram menininhas rebolando e menininhos acoxando elas por trás, e o Brasil inteiro aplaudindo aquilo. Vamos lembrar da Piscina do Gugu? Em pleno domingo à tarde, as crianças vendo bundas expostas daquele jeito. A gente não percebeu que estava fechando os olhos e até incentivando a erotização. Essa geração que hoje está abusando foi uma geração fruto de muita erotização.

Esse seria um dos motivos para haver iniciação sexual precoce?

Sim. Porque são filhos de famílias que já vieram erotizadas, que tudo é normal, tudo está legal. Esses pais não têm conversado com os filhos. Ontem (quarta-feira) eu fui criticada por um pastor famoso, dizendo que “eu não tenho obrigação nenhuma de falar da abstinência, que eu não tenho o direito, porque esse é um assunto de família”. Vou mandar um recado para ele: “Bacana. Fiquei muito feliz que na sua igreja não tenha nenhuma gravidez precoce. Muito feliz que na sua igreja não tenha nenhuma menina que tenha pegado sífilis, HPV. Parabéns que ninguém da sua igreja precisou ver isso. Cuide das suas famílias. Eu cuido do Brasil”.

Por que a senhora discorda da crítica?

Chega a ser hipócrita dizer que isso é assunto de família. Com a família desfuncional que nós temos aí, gente! Com a família que não fala. Nós vamos ter que conversar com os adolescentes. Não é uma imposição. Talvez, a resistência a essa minha proposta seja por eu ser pastora. Talvez, se estivesse sentada aqui no meu lugar uma médica ginecologista falando “nós vamos conversar com os meninos para retardar a idade da iniciação sexual”, todo mundo estivesse aplaudindo. Mas, o problema é que acham que eu quero impor uma conduta moral religiosa. Longe disso. Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

Será lançada uma campanha?

A gente quer mais que uma campanha; a gente quer começar a conversar sobre isso; a gente quer que isso seja uma coisa permanente, de modo que toda vez que uma professora falar de preservativo, ela também fale: “Olha, vamos pensar duas vezes antes de transar?”. É só uma frase! É só sentar com esse menino e conversar. Tem imagens de bailes funk, com as meninas contando com quantos elas ficaram na noite. Elas chegam a ficar com oito. E elas ficam disputando entre si. De manhã, tomam a pílula do dia seguinte. As meninas estão fazendo uso abusivo da pílula do dia seguinte. Vocês sabem o que é a pílula do dia seguinte? Uma pílula do dia seguinte, pergunte a qualquer ginecologista, é como se fosse de 18 a 20 anticoncepcionais ao mesmo tempo. É uma bomba hormonal. Tanto é que nós a consideramos abortiva.

Quais as consequências disso?

Em dez anos vamos ver mulheres estéreis, com um aumento exagerado do câncer de mama. Já há estudos relacionando pílula do dia seguinte ao câncer de mama. Nós vamos ter mulheres histéricas, com doenças emocionais. Pega uma mulher que tem hipotireoidismo ou hipertireoidismo, veja como o emocional dela é afetado. Então eu estou falando de saúde pública. Agora temos também a pílula do dia seguinte para HIV: a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ao HIV. É outra bomba.

Qual a saída para esse cenário?

O que eu quero dizer é o seguinte: ou me apresentem outra alternativa e eu esqueço de falar em retardar a relação sexual, ou me deixem tentar. Outros países estão tendo esse diálogo com os meninos. Já existem nações onde isso é política pública. “No Brasil, a senhora vai instituir política pública?”. Não precisa ser política pública. É convidar os professores para acrescentarem uma frase ao que eles já estão fazendo. É só isso. Não sei para que tanto barulho. Na verdade, acho que sei. Se as meninas começarem a ter as relações sexuais mais tarde, nós teremos menos aborto no Brasil também. Aí a indústria do aborto, que tanto quer aprovar o aborto no Brasil, vai ter menos número para apresentar. Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

Como a indústria do aborto e grupos ligados à pedofilia agem no Brasil?

Somos o maior produtor de imagens com pornografia infantil. São 17 mil sites produzidos no Brasil, alimentando o mundo com pedofilia. Tem muito dinheiro envolvido. Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

O ministério está em cooperação com a PF para esse tipo de crime?

Vinte e quatro horas. E neguinho que se cuide. A gente vai pegar todo mundo. Não sei se vocês acompanham o meu Instagram, por favor, me acompanhem. Eu sou a ministra pop… Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA). Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos. Liberar o sexo no Brasil para meninas de 12 anos… Beleza, a gente vai ter imagens legais. Ninguém vai dizer que é pedofilia.

O presidente Bolsonaro apoiaria materiais didáticos com essa nova metodologia de educação sexual? Em 2018, ele criticou um material atribuído ao PT.

Todos achavam que, quando eu viesse para cá, iria me posicionar contrária à educação sexual. Não. Nem o presidente é contra. O que nós questionamos era o material que estava sendo usado. Eu questionei muito a qualidade do material e a forma como era abordada a educação sexual. Nós vamos falar sobre isso obedecendo às especificidades das idades com conteúdo pronto e professor preparado.

Isso não era feito antes?

Eles queriam buscar a transversalidade do tema. O que é isso? Toda matéria vai abordar a educação sexual quando houver abertura. E começou-se a cobrar muito isso dos professores. Ora, quem é o professor de matemática do 6º ano? É um menino que está fazendo licenciatura, às vezes tem 22 anos de idade, está pegando aula como suplente de professor para poder ganhar um dinheirinho, para pagar a sua faculdade… Um menino com a cabeça em exatas, que só quer saber de números, seu curso é matemática… Ele é obrigado a falar de sexo para uma criança de 13 anos. Esse cara está pronto? A gente começou a se deparar no Brasil com os mais ridículos materiais. Eu fui uma das mulheres que mais criticaram.

O que o governo quer?

Queremos falar disso da forma certa. Quem for falar para a criança de 3 anos sobre educação sexual deve fazê-lo inclusive para empoderar essa criança a se proteger. Vocês conhecem a história do meu abuso, daquele momento terrível da minha vida. Se eu soubesse o que era aquilo, eu teria gritado. Eu tinha 6 anos. Mas, naquela época… Venho de um lar em que meu pai era pastor e minha mãe, missionária… O que reinava na minha casa? Fraternidade e amor. Meus pais são incríveis. Jamais eles falaram, para mim, de violência sexual. Naquela época, não se falava.

A senhora conversava com os seus pais sobre sexo?

Nunca. Eu menstruei e mamãe nunca falou para mim de menstruação. O que eu soube foi o que eu vi das minhas coleguinhas da escola. No dia em que menstruei, mamãe soube por uma irmã da igreja a quem eu havia contado. Mamãe pediu para uma mulher me ensinar a usar absorvente, tamanho era o tabu que existia na minha época. Imagina no tempo dos meus avós? Então, veja. Se alguém da igreja tivesse dito para mim “se alguém tocar, grite”, eu teria gritado. Mas o ato, o primeiro momento, que foi o momento mais terrível — eu fui abusada algumas vezes depois, não ficou no primeiro abuso —, a imagem que me vinha na mente: era um homem que a gente amava, que estava hospedado na minha casa. Ele era um suposto missionário, um suposto pastor, de quem a gente gostava. Ele estava em cima de mim. Eu me lembro do suor dele. Ele fungando. Eu me lembro do cheiro. E eu tinha dor e sangue. Às vezes, eu volto àquele momento na minha mente. “Que é isso? Pode? É para deixar? É para fazer?”. Eu não sabia o que era aquilo. É por isso que a gente defende a educação sexual para empoderar a criança a se proteger.

O Congresso retoma os trabalhos em poucos dias. O que a senhora pretende negociar?

Eu tenho uma prioridade, que é o home schooling, o ensino domiciliar. Foi a proposta apresentada pelo nosso ministério e está em fase de formação de comissão especial. As famílias estão pedindo muito. Estamos vivendo outro momento hoje. Com a globalização, a gente não pode ficar fora. Todos os países desenvolvidos têm home schooling. O Brasil não tem. Então, nós temos alguns segmentos profissionais que têm nos procurado para a necessidade de ter o home schooling.

Temos gente para fazer isso?

Tudo vai ser regulamentado pelo MEC. Nos Estados Unidos, existem editoras cadastradas, grupos cadastrados que ajudam na aplicação do home schooling.

Ficaria a cargo da família?

Aí que está. Todo mundo pensa que o home schooling é o pai sentar e estudar com a criança. O home schooling é a família administrar o ensino do filho. Em um condomínio, três pais podem se reunir e pagar o professor de matemática, ou de português, ou de línguas, e os meninos estudarem na garagem de uma das três casas. Então, o pai e a mãe vão administrar o ensino para o seu filho. Não necessariamente é ele quem vai dar aula. É isso que é o home schooling.

O home schooling seria eficaz entre os mais pobres, que podem ver o estudo como menos importante que a necessidade de trabalhar?

Sim, se eles tiverem o perfil, será eficaz. O conselho tutelar acompanha tudo. Não vamos deixar migrar ninguém do Bolsa Família para o home schooling. A família vai ter que provar que tem condições de participar desse modelo.

Como tem sido o trabalho com relação ao feminicídio?

Precisamos apresentar o novo. O que está aí não dá certo.

O que seria o novo?

Tudo. Vou dar como exemplo a delegacia da mulher, que está aí há 30 anos. Só 9% dos municípios têm delegacia da mulher. Se a gente quiser esperar 300 anos até o país inteiro oferecer esse serviço, tudo bem. Mas minha iniciativa pode ser implementada em dois anos com um custo muito baixo. É só preparar toda delegacia para o atendimento à mulher. Começamos essa experiência no DF, implementando números especializados em uma unidade no Riacho Fundo 1. A Polícia Civil reformou uma parte da delegacia em parceria com a sociedade. Eles colocaram bancadas bem bonitinhas, com flores, tudo bem feminino. Tapetinhos com brinquedos para crianças, pois elas vão quando a mãe não tem com quem deixar. Fizeram um convênio com a universidade, estudantes de Direito e Psicologia fazem acompanhamento. O custo disso foi zero. A ideia é aproveitar a estrutura existente. Quero pintar as salas de cor-de-rosa. Estou conversando isso com governadores e com o ministro Sérgio Moro.

E quanto às medidas protetivas?

Precisam ser mais ágeis e mais certeiras. Em muitos casos, o juiz faz com que a mulher tenha que sair de casa enquanto o agressor continua do mesmo jeito. Esse é o procedimento correto? Existem situações nas quais quem tem de sair é o cara. Coloca em um abrigo, com tornozeleira eletrônica. Em alguns lugares, a mulher sai de casa e o filho precisa ir para o Estado. A família é dividida em três. Para evitar esses extremos, estamos desenvolvendo o Salve Uma Mulher — um programa para identificar mulheres inseridas em ciclos de violência. Começamos a fazer isso em salões de beleza. Esperamos que a manicure, enquanto está atendendo, consiga aconselhar a cliente a buscar uma rede de proteção. Massagista, depiladora, todas elas entrariam nesse projeto. Você consegue identificar a violência contra a mulher pelas marcas que ela tem no corpo. São mais de 300 mil salões no Brasil. O próximo passo são os carteiros, tem uns 70 mil. O carteiro tem condições de ver uma mulher que recebe a carta, mas abre só uma frestinha da porta porque está amarrada. Dá para ter esse olhar. Precisamos divulgar o Ligue 180, que é só para mulher e atende em vários idiomas. Mas não temos dinheiro. O orçamento daqui é o menor da Esplanada, R$ 200 milhões.

O governador do DF, Ibaneis Rocha, acha que a divulgação do tema feminicídio estimula a prática. Concorda com ele?

Olha, não é bem isso. Ele me explicou. Detalhar como foi o feminicídio às vezes tem efeito dominó. Quando se detalha que uma mulher foi jogada da ponte, em algum outro estado, outra mulher será jogada. Ele acha que, assim como o suicídio, é melhor não se divulgar o modus operandi. O detalhe. Então, foi isso que ele quis dizer. Nesse sentido, talvez ele tenha razão.

A violência contra idosos aumentou?

A gente vai abrir agora os dados de 2019 da violência contra idosos. Vocês vão se assustar. Nós fizemos uma grande entrega para o Brasil: uma ouvidoria de direitos humanos. Trouxemos o Disque 100, o 180, e todos os outros canais de denúncia para uma única ouvidoria. O Disque 100, quando assumi, demorava de 60 a 70 minutos para ser atendido. A central ficava na Bahia. E eu já trouxe a central para Brasília. Um pessoal altamente qualificado. Eu tenho pessoas com pós-graduação atendendo o Disque 100. E eu posso estar mais perto. O nosso Disque 100 saiu de 70 minutos para 1 minuto. Menos de 1. A nossa marca tem que ser 30 segundos. Porque quem quer denunciar não tem tempo.

E o que vocês apuraram com essas mudanças?

Por conta da eficiência do Disque 100, começamos a falar muito sobre a violência contra idosos. O maior desafio desse ministério vai ser idoso. Porque mulher, nós temos uma rede de proteção. Mas a violência contra o idoso… Me parece que, a cada semana, um idoso se suicida no Sudoeste. E eu estou falando de um bairro de alto nível. Idosos com solidão, depressão e tristeza. O suicídio entre idosos tem aumentado muito.

A imagem do Brasil no exterior, historicamente, em relação a direitos humanos, é muito ruim. Qual a sua avaliação sobre isso?

Estamos ruins, mas temos boas iniciativas no Brasil. E essas boas práticas nunca foram divulgadas. Por exemplo, a nossa Operação Acolhida. Já está classificada como o melhor programa de imigração do mundo. Além disso, as duas leis que a gente aprovou com relação ao suicídio e à automutilação em 2019 foram dois grandes feitos. E isso tem sido copiado pelo mundo. Além do Sistema Nacional de Prevenção ao Suicídio, trouxemos uma novidade que nunca foi dita. No Brasil era obrigatória a notificação do suicídio, mas não da automutilação e da tentativa. Agora, é. E quem vai notificar a automutilação? A escola. Porque esse é um fenômeno que está acontecendo no pátio da escola.

Muito do que a senhora tem dito é relacionado à boa vontade dos outros. Não é arriscada uma política pública baseada nisso?

Não. É assim que funciona no mundo inteiro. Talvez, o que nós estejamos precisando no Brasil seja do nosso megagrande projeto do ministério: educação em direitos humanos. Esse é o maior projeto do ministério na pasta de direitos humanos. Nós vamos falar de educação em direitos humanos. E nós vamos trazer uma palavra: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Lá fala de liberdade, de identidade, igualdade, diversidade e de fraternidade. Então, a gente vai ter que trabalhar a fraternidade. Deu certo na Hungria, deu certo em outros países. Se vocês olharem, o brasileiro é diferente. O brasileiro é um povo incrível, é um povo solidário. Acompanhe os trabalhos de voluntariado que existem no Brasil. Do que nós estamos precisando? Talvez de uma voz de comando. Organizar isso. Falar com seriedade sobre tudo isso.

A senhora mistura religião com gestão pública?

Não. Eu até desafio quem fica criticando a pastora. Me mostre um ato meu, na gestão, em que a religião esteve envolvida. É porque amor também é religião. E eu falo com amor de tudo isso. Proteger crianças, religiões também pregam. Tem gente que fala que eu estou falando de proteger criança porque eu sou pastora. Não. É porque eu sou ativista em defesa da infância.

As religiões matam também…

Matam também. Então, assim, houve muito essa confusão que eu estou trazendo. É claro que eu não tenho como, na hora de entrar aqui no gabinete, deixar a minha fé lá fora. A minha fé é propulsora de muitas das coisas que eu faço.

Como cidadã, não lhe incomodaria um ministério dizer como conversar com a sua família?

O Estado não pode intervir na família como acontecia há anos atrás. Por exemplo, o filho pertence à família. Já tivemos procuradora da República dizendo que o filho pertence ao Estado. Estávamos vivendo no Brasil um patrulhamento ideológico. O nosso ministério não é para ensinar a família a como falar com o filho. A família que fale, a família tem obrigação. Mas a escola também tem. Eu estou fazendo política pública para a escola. Não vou ensinar a família a falar de abstinência. O que eu estou construindo é para ser aplicado em escola, é para ser aplicado em teatro, é para ser aplicado em cinema. Não é para ensinar o pai a falar de abstinência.

Mas o nome do seu ministério é Ministério da Família…

Por que é Ministério da Família? A gente quer trazer a família para o foco da política pública. Não podemos mais pensar em um Brasil com políticas públicas sem pensar se isso fortalece ou não a família. Não queremos regulamentar a relação pai e filho, marido e mulher. Não. Isso é outra coisa. A gente quer saber se o que está sendo feito como política pública está fortalecendo ou enfraquecendo a família. O Minha Casa Minha Vida, por exemplo. Foi construído realmente para fortalecer a família?

Seu momento mais difícil foi a polêmica do azul e rosa?

Não, foi o start da polêmica.

Gosta de polêmica?

Não é que eu goste. Todo mundo acha que aquela frase foi uma frase solta. Não! Eu gravei. Eu sabia que eu estava gravando e que iria viralizar.

Todo menino tem que vestir azul?

Não foi isso que quis dizer. Todo mundo acha que a gente exagerou no passado quando falou de patrulhamento ideológico. Ele existe no Brasil. Fala-se que nós não podemos mais ter menino e menina; é criança, é neutralidade de gênero. Só que os pediatras entendem que isso é uma agressão à criança, porque menino e menina são diferentes entre si.

Mas tem menino que acha que tem que ser uma menina…

Mas isso não é a regra. A professora tem que ser preparada para identificar. Se ela tem na sala de aula uma criança que seja trans ou uma criança que não se vê no seu corpo… Essa professora tem que tratar isso. Mas eu jogar isso como regra…

Será candidata na eleição?

Sou.

A quê?

A governadora do Rio de Janeiro. Brincadeira. Não, não sou.

Mas pode mudar de opinião?

É muito difícil. Em 2018, eu estava me preparando para me aposentar. Tenho dormido de 3 a 4 horas. Esse ministério é eclético. Ele vai do alfinete ao foguete. Não tenho mais energia física. Quero terminar o primeiro mandato do presidente Bolsonaro — porque ele vai ter vários, se Deus quiser — e entregar o ministério como missão cumprida.

Acompanha as críticas nas redes sociais?

Claro. Sou a primeira influenciadora digital do governo, depois do Bolsonaro (risos).

Os memes incomodam?

Não. Eu dou gargalhada! Eu reproduzo, uso os memes. Mas quando começaram a falar de mim e do pé de goiaba (expondo a minha dor por ter sido estuprada), aquele momento foi muito doloroso. Porque eu fui muito exposta. Mas o que mais me doeu não foi o ter sido exposta. Foi ver pessoas rindo de uma história de abuso. Naquele momento, eu vi o tamanho do caos que está o Brasil. Mas, a partir dali, a gente passou a falar com o Brasil sobre estupro de bebês e de crianças. Sobre suicídio de crianças. Tanto que a primeira iniciativa desse ministério foi a maior campanha de prevenção de suicídio e automutilação já feita no Brasil. Temos conseguido, mesmo com as críticas, conversar com o Brasil. Eu não me assusto com as críticas.

Arrepende-se de ter falado alguma coisa?

De nada. Eu não falei nada sem embasamento. Eu nunca falei nada polêmico. Fizeram polêmicas com o que eu falei. Até os seis primeiros meses, as polêmicas eram de frases pinçadas, de forma indevida, de mensagens como pastora. Foram para vários sites de igrejas procurar o que eu falava dentro da igreja, para o meu segmento. Vocês pensam que o meu segmento não amou o meu testemunho de superação? É sempre assim. Pegam uma frase minha, solta, fora de contexto. Mas eu tenho conseguido conversar com o Brasil.

Existe preconceito religioso no Brasil?

Eu tenho muitos opositores. Inclusive, teve um momento em que eu chamei a imprensa para alertar: Cuidado! Enquanto vocês estão pintando a minha imagem de louca, lá na ponta, eu tenho um Disque 100. A pessoa que está sofrendo violência vai pensar duas vezes se vai ligar para a “ministra doida. Vocês podem estar colocando a vida de crianças em risco, a vida de mulher em risco. Crianças podem morrer por causa da irresponsabilidade de vocês.

Os ataques foram muito agressivos?

Só teve um momento que doeu muito: quando a minha filha foi exposta. A famosa história de sequestro da Lulu. Quando o rostinho dela é exposto, aí dói. E ela foi agredida, a intimidade dela foi exposta. Eu sou adulta e aguento, mas ela, não. Na hora em que botaram Lulu em risco, eu tive que morar cinco meses escondida em um hotel. Fui para um hotel, escondida, dois dias antes da posse por causa das ameaças de morte. Tenho muitas ameaças de morte. Não é só uma questão ideológica. Eu tenho o crime organizado contra mim. Eu tenho enfrentamento contra a corrupção. E, agora, a gente vai trazer para o Brasil corrupção como violação de direitos humanos.

O governo não perde tempo com questões menores?

Não é o governo. Talvez seja alguns discursos do presidente. A gente não pode dizer que o discurso do presidente é o governo.

Ele erra quando faz isso?

Não. O presidente é isso. Quem elegeu sabia que ele ia falar essas coisas. Agora, quando você vê a produtividade dos ministérios… Nós temos coisas extraordinárias acontecendo. Mas, talvez, a comunicação não esteja chegando.

Correio Braziliense