Eleição de 2020 vai barrar pequenos partidos
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O sistema partidário nacional volta a ser testado nas eleições municipais deste ano e o fim das coligações proporcionais vai gerar efeitos colaterais a quase todas as legendas. Além de terem que lidar com a cláusula de desempenho – regra que condiciona a representatividade no Legislativo e o direito a verbas públicas ao número de votos válidos obtidos no pleito -, as siglas menores também não poderão se beneficiar, em 2020, do chamado “efeito Tiririca”, que permitia a união de candidatos de legendas sem afinidade ideológica num mesmo balaio (mesma coligação), apenas para que os mais votados “puxassem” ao sistema os pouco agraciados pelo eleitorado.
Uma onda de migração de políticos entre legendas, no período da chamada janela eleitoral (4 de março a 4 de abril) e a proliferação de candidaturas de celebridades e “semi-celebridades” são duas tendências levantadas por cientistas políticos e especialistas em direito eleitoral. Já as grandes legendas terão um problema adicional a administrar: a difícil escolha entre lançar o maior número possível de candidaturas majoritárias nas grandes cidades ou compor chapas com aliados estratégicos, pensando em 2022. É pouco provável que se observe, neste ano, o impacto das regras na redução de siglas.
De acordo com o cientista político Antonio Lavareda, enquanto nas capitais e grandes cidades os partidos serão obrigados a lançar candidaturas próprias, pulverizando-as, no restante dos quase 5 mil municípios persistirá uma lógica binária, de luta política, travada entre duas ou três grandes expoentes locais. Isso pode explicar, advoga, a migração em massa dos políticos, na janela, para legendas com chance real na disputa.
“Em grandes municípios e capitais, os partidos tenderão a ter candidatos próprios. Há probabilidade de muita fragmentação de candidaturas”, explica Lavareda. O PT, sustenta, é um dos partidos que terão que fazer a escolha de Sofia: “O PT precisa recobrar seu espaço. Ao mesmo tempo, para evitar o isolamento, precisa de alianças”. Já nas pequenas cidades, Lavareda prevê que as disputas locais obriguem os candidatos a vereador a optar, no geral, entre dois ou três grandes partidos, sem o risco de perda de mandato durante a janela.
“Os políticos irão para partidos que tenham mais recursos – isso vai fazer toda a diferença – e para siglas que tenham candidato ao Executivo forte. Sem coligação na proporcional, quem não tiver um candidato para o Executivo forte vai ter muito mais dificuldade”, prevê o professor Marco Antônio Carvalho Teixeira, professor e pesquisador do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/EAESP), corroborando a tese de que haverá grande mobilidade na janela. Para Teixeira, partidos neutros, como o Cidadania, “que é e não é tudo”, poderão atrair candidatos que fogem de polêmicas e siglas mais desgastadas, como PT e PSDB.
Especialista em direito eleitoral, o professor Diogo Rais, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, prevê que os partidos serão obrigados a buscar mais celebridades e semi-celebridades para atingir o quociente eleitoral. “É o pastor, o influencer digital de uma região específica. Essas semi-celebridades podem povoar a política”, aponta. Se antes, com as coligações proporcionais, um único nome forte e popular, como o Tiririca, era suficiente para assegurar uma vaga a vários outros candidatos da coligação com poucos votos, esse fenômeno acaba agora em 2020.
Tiririca elegeu-se com mais de 1 milhão e 300 mil votos em 2010, pelo PR, em coligação com o PT. A votação permitiu que “puxasse” três candidatos da coligação. O caso, segundo Fernando Neisser, presidente da comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de SP (Iasp), foi exemplo grosseiro das distorções do sistema: “Sem dúvida quem votou no Tiririca não imaginou que puxaria para a Câmara o [José] Genoíno, do PT”.
“Antes precisava de uma celebridade só para povoar o Legislativo. Agora o partido vai precisar de dez. Vai ser o segundo escalão das celebridades”, diz Rais. Fenômeno eleitoral de 2018, a deputada estadual Janaína Paschoal, do PSL, conseguiu, com seus 2 milhões de votos, o recorde nacional, dar a seu partido a maior bancada da Assembleia Legislativa de São Paulo. O PSL, até então um nanico, não se coligou com outras legendas, mas foi graças a Janaína- que alcançou popularidade nacional no processo de impeachment de Dilma Rousseff- que a sigla levou 15 cadeiras no Legislativo paulista. “O puxador de voto pode se manter em 2020, mas no partido, e não na coligação”, explica Rais.
O pleito de 2020, para Lavareda, vai realinhar o sistema partidário. Ele salienta que sempre há ligação entre eleições municipais e a formação das bancadas na Câmara na eleição majoritária seguinte. Ou seja, 2020 vai mapear o fôlego que a esquerda e a extrema-direita poderão ter no Congresso em 2022.
“A eleição de 2020 vai ter papel importante na reconfiguração do sistema partidário, bastante alterado em 2018. Alguns partidos perderam 50%, 40% de representação na Câmara (como MDB, PSDB, PT, etc) e um partido como o PSL, que surgiu do nada, elegeu a segunda maior bancada. Há relação estreita entre prefeituras obtidas e as cadeiras na Câmara”, atesta Lavareda. “A eleição de deputado federal de 2022 começa agora.” O cientista político observa, porém, que 2018 foi uma eleição totalmente atípica e, por isso, 2016 falou pouco sobre as probabilidades da batalha dois anos depois.
Teixeira endossa que a disputa eleitoral deste ano “será um teste para saber se aquela conjuntura de 2018 mudou”. Ele acredita, ainda, que será “o teste de sobrevivência dos partidos”, já bastante afetados pela cláusula de barreira em vigor desde 2018.
As novas regras podem coibir efeitos perniciosos do sistema proporcional e põem um ponto final em distorções, concordam os especialistas. Porém, há alertas sobre a perda da identidade partidária com o fim de legendas. “A cláusula de desempenho criou um filtro numérico que não vai facilitar a identidade partidária. Vai piorar. O risco é termos partidos maiores, mas totalmente sem identidade”, opina Rais. Já a redução da pulverização partidária nas Câmaras Municipais, afirma Neisser, será extremamente positiva. “O Brasil é o país mais pulverizado do mundo.”