Golpe elimina estudos sobre trabalho infantil
Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Há dois anos, o Brasil não sabe quantas crianças e adolescentes estão trabalhando no Brasil. A última informação divulgada pelo IBGE, responsável pelo levantamento de uma das piores mazelas brasileiras, foi de 2016, divulgada no ano seguinte. Eram 2,3 milhões naquele ano. A divulgação dos dados de 2017 e 2018 estava programada para junho do ano passado, passou para novembro, depois março deste ano e agora, segundo o instituto, deve acontecer em junho, já trazendo os dados de 2019.
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Houve polêmica quando os números do trabalho infantil de 2016 foram divulgados. O IBGE mostrou que havia 1,8 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando, número 66% menor que os 2,7 milhões de 2015. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) foi modificada, estabelecendo outros parâmetros para o que é considerado trabalho e provocou reação das entidades que atuam no combate ao trabalho infantil. O IBGE excluíra da conta as crianças e adolescentes que trabalhavam para o próprio consumo. Com a inclusão, o número subiu para 2,3 milhões.
_ Precisamos saber o cenário de trabalho infantil para formular políticas públicas. Eles adiaram mais uma vez a divulgação. O trabalho infantil tornou-se uma questão menor e, sem os dados, o combate perde força. Há uma timidez em tratar o tema _ afirmou a procuradora do Trabalho Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, que vem participando das discussões sobre metodologia no IBGE.
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Em julho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro dissera em live no facebook que o trabalho dignifica “o homem e a mulher, não interessa a idade”. Afirmou que trabalhou colhendo milho aos 9, 10 anos e não teve problemas por isso, o que provocou reação dos que combatem o trabalho infantil. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2018, 261 crianças morreram trabalhando.
Segundo Maria Lúcia Vieira, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, as discussões são sobre como incluir o trabalho para o próprio consumo, os afazeres domésticos acima de determinada jornada por semana:
_ Como o debate acontece com quatro instituições (Ministério Público do Trabalho, Unicef, OIT e IBGE), está demorando um pouco. Mas os dados já foram coletados e estão previstos para serem divulgados no dia 12 de junho, no Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Vamos divulgar os números 2017, 2018 e 2019.
Outra discussão na mesa é a identificar os menores que estão nas piores formas de trabalho. Segundo Ana Maria, seria importante o IBGE conseguir identificar esse universo de menores, mas o instituto afirma que não é possível:
_ Com o questionário que temos hoje não é possível separar por piores trabalhos _ afirma Maria Lúcia.
Isa Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), afirma que a não divulgação dos dados já atrasa a formulação de políticas públicas para o combate ao trabalho infantil, principalmente os referentes ao período de crise econômica. Ela afirma que há dificuldade para empenhar recursos para ações de transferência de renda e políticas educacionais:
— As estatísticas servem não apenas para conhecer o universo pesquisado, mas subsidiar as decisões tomadas e ações, e estamos assistindo a uma paralisação das ações que eram implementadas no âmbito do Ministério da Cidadania. Há um total descaso e omissão no enfrentamento do problema. Esse (o combate ao trabalho infantil) é um compromisso maior — defende.
Segundo ela, apesar da impressão de crescimento do trabalho infantil nos últimos anos, somente as estatísticas podem mostrar o tamanho e as novas formas do problema público, muitas vezes oculto:
— Aquilo que é mais visível é que está crescendo, mas existem formas ocultas que só a estatística pode nos dar. Temos uma história construída de vanguarda no combate ao trabalho infantil e isso foi rompido. Esse cenário traz prejuízos para América Latina e Central. Cerca de 28% do trabalho infantil que ocorre na América Latina estão no Brasil.