Governo Bolsonaro instalou “merdocracia” diz juiz
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O juiz do trabalho Jerônimo Azambuja Franco Neto chamou o atual momento do Brasil de “merdocracia neoliberal neofascista” ao proferir sentença de um processo trabalhista, publicada na quinta-feira, 16.
“A merdocracia neoliberal neofascista está aí para quem quiser ou puder ver”, escreveu o juiz substituto 18ª Vara do Trabalho de São Paulo, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Azambuja condenou o restaurante Recanto da XV a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais e a demonstrar o pagamento do piso salarial, seguro de vida e de acidentes e assistência funerária aos funcionários. A decisão foi dada após ação movida pelo Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de São Paulo. Ainda cabe recurso da sentença.
Na sentença, o magistrado faz críticas a ministros do governo Bolsonaro, como Abraham Weintraub, da Educação; Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública; Paulo Guedes, da Economia; e Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, além do próprio presidente Jair Bolsonaro.
“O ser humano Weintraub no cargo de Ministro da Educação escreve ‘imprecionante’. O ser humano Moro no cargo de Ministro da Justiça foi chamado de ‘juizeco fascista’ e abominável pela neta do coronel Alexandrino. O ser humano Guedes no cargo de Ministro da Economia ameaça com AI-5 (perseguição, desaparecimentos, torturas, assassinatos) e disse que ‘gostaria de vender tudo’. O ser humano Damares no cargo de Ministro da Família defende ‘abstinência sexual como política pública’. O ser humano Bolsonaro no cargo de Presidente da República é acusado de ‘incitação ao genocídio indígena’ no Tribunal Penal Internacional.”
O termo “merdocracia”, afirma Azambuja, “vem a sintetizar o poder que se atribui aos seres humanos que fazem merdas e/ou perpetuam as merdas feitas. E tudo isso em nome de uma pauta que se convencionou chamar neoliberal, ou seja, libertinar a economia para que as merdas sejam feitas”.
Além do presidente e de alguns ministros, a sentença faz críticas ao procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, à Reforma Trabalhista aprovada no governo de Michel Temer e à Lei da Liberdade Econômica, sancionada em setembro de 2019 por Bolsonaro. O magistrado ainda se refere ao que chama de “destruição da Seguridade Social”, em alusão à Reforma da Previdência aprovada no ano passado.
A decisão também menciona o assassinato da vereadora Marielle Franco e diz que o atual momento gerou “exilados políticos”, citando o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL) e a filósofa Márcia Tiburi – que foi candidata pelo PT ao governo do Rio –, que deixaram o Brasil após a eleição de Bolsonaro.
Ao final da “fundamentação” da sentença, Azambuja diz que sua decisão visa contribuir para a “derrocada” do que chama de “merdocracia neoliberal neofascista”. “O lugar de fala da presente decisão, portanto, não é voltado ao mercado nem ao lucro, os quais já têm seus bilionários, sabujos e asseclas de estimação. O lugar de fala da presente decisão é o trabalho humano digno voltado à igualdade e aos direitos humanos fundamentais.”
O Código de Ética da Magistratura prevê, em seu artigo 22, que o magistrado deve utilizar uma linguagem “polida, respeitosa e compreensível”.
O Estado não conseguiu contato com Azambuja, com o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e com o CNJ para comentarem o caso.
O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, disse no Twitter que o “linguajar utilizado na sentença – característico de um militante partidário, não de um juiz – foge da técnica jurídica e claramente viola o Código de Ética da Magistratura”. “A AGU representará perante o Conselho Nacional de Justiça”, escreveu o ministro.
Jerônimo Azambuja Franco Neto, de 35 anos, é natural de Bagé, no Rio Grande do Sul. Foi técnico e analista no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região (RS) antes de ter sido aprovado em primeiro lugar no 40º concurso para juízes do TRT paulista, em 2014. Ele foi o orador de sua turma na posse, em 2016 e, segundo informações da página do TRT-2, em seu discurso disse que a Justiça trabalhista vivia uma crise que terminaria por fortificá-la.
Em agosto de 2018, o juiz Jerônimo Azambuja Franco Neto protagonizou uma “discussão”, por meio de artigos publicados no site Consultor Jurídico, com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau.
Junto com outro autor, o jurista Lenio Streck, Azambuja publicou um artigo na qual criticava a terceirização da força de trabalho e ao modo como a Justiça vinha lidando com os direitos trabalhistas. Em resposta ao texto, Eros Grau publicou um artigo no mesmo site no qual critica as ideias de Azambuja e Streck, classificando seu texto como “complexo e confuso” e dizendo que este “aparentemente” pretendia ser “mais divertido do que jurídico”. Ao falar sobre os autores, Grau diz conhecer e ter boa consideração por Streck, mas em relação a Azambuja diz “não saber quem é”.
Azambuja e Streck, então, escreveram um novo artigo no qual se defendem das críticas do ex-ministro, dizendo que Grau demonstrava “nítido desprezo ao ‘outro’” – no caso, o juiz Jerônimo Azambuja.. “Esse modo de se dirigir a alguém (um dos articulistas, juiz Jerônimo) é fenômeno inerente ao fechamento ético dos indivíduos pela ideologia mercantilizante que prepondera numa espécie de Análise Econômica da Moral”, dizia a “tréplica”.