Governo criminaliza quem se opõe a Moro e à Lava-Jato
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A ocupação do triplex do Guarujá atribuído ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2018, por aproximadamente 50 militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foi – queiram ou não – um ato político. Serviu para mostrar que o imóvel, cuja propriedade ou uso pelo ex-presidente jamais foi provada, era bem mais simples que o imaginário popular fazia crer, diante da insistência da Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba de relacioná-lo como resultado de propinas e negociatas, em torno de vantagens ofertadas às empreiteiras contratadas pela Petrobras.
Foi ato político em resposta a um processo altamente politizado. Afinal, até o então juiz Sérgio Moro viu-se obrigado a admitir, após um Agravo Interno da defesa do ex-presidente, que jamais se provou nos autos do processo que o dinheiro ali investido em reformas tinha qualquer relação com verbas repassadas em contratos com a petrolífera. Tanto assim que, como mostrou o The Intercept, em 9 de Junho de 2019, na reportagem ‘ATÉ AGORA TENHO RECEIO’, o chefe da Força Tarefa no Ministério Público Federal do Paraná, Deltan Dallagnol, poucos dias antes de apresentar a denúncia contra Lula tinha dúvidas da “solidez da história que contaria ao juiz Sergio Moro”. Na reportagem, reproduziram diálogos de Dallagnol com seus colegas pelo aplicativo Telegram
“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”. (sic)
Não há como, portanto, não enxergar a mais nova denúncia do Ministério Público Federal (MPF) – desta feita, em Santos (SP) – contra o ex-presidente Lula, atingindo também Guilherme Boulos, um dos coordenadores do MTST, como um ato político. Como definiu o advogado Cristiano Zanin, defensor de Lula, a denúncia “é mais um capítulo do lawfare praticado contra Lula, que consiste no uso estratégico do direito para fins de perseguição política”.
O movimento político do MPF transparece ainda na própria divulgação dessa nova denúncia. Por motivos misteriosos, contrariando o princípio da transparência que norteia as ações judiciais, o procurador Ronaldo Bartolomazil manteve o caso “em segredo de justiça”, impedindo o acesso à íntegra de sua denúncia.
Como sempre ocorreu em processos e ações da Lava Jato, sua iniciativa foi tornada pública por dois veículos que se confundem como porta-vozes da Força Tarefa de Curitiba. Tudo devidamente registrado na revista eletrônica Consultor Jurídico, na postagem MPF-SP denuncia Lula e Boulos por invasão do tríplex do Guarujá:
“A informação foi noticiada pelo site O Antagonista, e, depois, também pelo jornalista Fausto Macedo, no Estadão, e pelo Valor Econômico. No entanto, assessores de imprensa do MPF informaram a jornalistas, em um grupo de WhatsApp, que “o procedimento está sob sigilo, portanto não temos como fornecer nenhum tipo de informação” (…) Segundo noticiado pelos sites, Lula e Boulos foram denunciados, junto com outras três pessoas, com base no artigo 346 do Código Penal, que criminaliza os atos de “tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial””.
A “perseguição política” também transparece no tipo penal atribuído aos denunciados pelo procurador. Ao que consta, após as quatro horas de ocupação do imóvel no dia 19 de abril, não ficou caracterizado que os manifestantes “tiraram, suprimiram, destruíram ou danificaram” alguma coisa do imóvel. A não ser que isso tenha sido constatado pela Polícia Federal, em perícia, inserida nos autos que tramitam em segredo. Algo que dificulta o debate público em torno do assunto, tal como deveria ocorrer.
No dia em que os militantes do MTST ocuparam o imóvel, Lula já estava preso há mais de uma semana. Boulos não estava no Guarujá. Mas ainda assim foram denunciados. O ex-presidente, por conta do discurso que fez ao despedir-se dos militantes e sindicalistas na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, no sábado, dia 7 de abril, quando decidiu se entregar à Polícia Federal, acatando à ordem de prisão.
Repetindo que não tinha a propriedade que lhe atribuíam sobre o triplex, ironizou. “Se me condenaram, me deem o apartamento. Já pedi ao Boulos mandar o pessoal dele ocupá-lo. Já que é meu, ocupem”. Posteriormente, ainda preso, ao ser ouvido pela Polícia Federal no inquérito, explicou que usou “uma força de expressão” por estar indignado com a condenação em segunda instância no caso daquele apartamento.
Também em junho de 2018, após depor na Polícia Federal, Boulos disse aos jornalistas ter relatado à PF que não participou da ação, mas que a apoiava e considerava legítima. O objetivo, segundo Boulos, era denunciar a condenação de Lula pelo juiz Sergio Moro por esse apartamento —e não permanecer no imóvel. Na ocasião, já bateu na mesma tecla que repetiu agora após saber desta denúncia: “Ação de movimento social tem que ser tratada num debate político, não com criminalização”. Para ele, criminalizar lutas sociais “é uma ameaça à democracia”, disse à época. Nesta quarta-feira (29/01), ao comentar a denúncia do MPF, explicou: “É a nova farsa do tríplex (…) Que fique claro: a criminalização das lutas não vai nos intimidar, nem nos calar”.
Não apenas os movimentos sociais estão sendo criminalizados por conta de ações e fala políticas. As denúncias contra o presidente do Conselho Nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, e do jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, demonstram que dentro do Ministério Público Federal, netre alguns procuradores – nem todos, esclareça-se – tem se tornado praxe criminalizar quem se opõem ao ex-juiz Sérgio Moro e às práticas adotadas pela Força Tarefa da Lava Jato. Tal como a condenação, sem provas, do ex-presidente Lula. Que serviu para impulsionar a eleição de Jair Bolsonaro, premiar Moro e gerar este estado de coisas que vivenciamos.