Irã x EUA: entenda possíveis impactos do conflito no Oriente Médio
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Com o assassinato do general Qasem Soleimani, provocado pelos Estados Unidos, no último dia 3, os aliados do Irã tendem a “cerrar fileiras” em torno do país e a “repudiar tentativas de diálogo com forças regionais que sejam vistas como neutras ou alinhadas historicamente com os EUA”. A avaliação é do professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vinícius Rodrigues Vieira.
O Brasil de Fato conversou com três especialistas para analisar as repercussões geopolíticas e econômica a partir do possível acirramento do conflito.
Para Vieira, parte da tensão está ligada à tentativa do Irã de se consolidar como liderança regional. “A própria natureza da República Islâmica envolve projetar essa influência, principalmente junto à população xiita”, que se espalha pelo mundo árabe, explica Vieira. Depois da destituição do ditador iraquiano, sunita, Saddam Hussein, em 2003, promovida pelos EUA, o Irã aproveitou o vácuo de poder para exercer influência sobre a região.
Atualmente, um dos principais aliados do Irã é o Hezbollah, do Líbano, além de forças da Palestina, da Síria e do Iraque – o apoio deste último ficou mais explícito com a aprovação, no parlamento iraquiano, da expulsão de tropas estrangeiras do território. Por outro lado, o maior inimigo é Israel, que lidera a influência estadunidense no Oriente Médio junto com a Arábia Saudita, embora este último país tenha se posicionado de maneira cautelosa quanto a uma possível escalada de conflito.
O Irã exerce grande influência na região desde 1979, ano da Revolução Iraniana que derrubou a ditadura de Xá Mohammad Reza Pahlevi, apoiada pelos EUA. Na ocasião, o Irã instalou a República Islâmica no território e passou a sofrer com sanções econômicas impostas pelos EUA.
De acordo com o professor em Economia e Governança Internacional da Universidade Federal do ABC (UFABC), Giorgio Romano, a República foi uma “resposta islâmica à dominação dos Estados Unidos e de Israel”. O objetivo é fortalecer esse corredor do mapa: Líbano, Síria, Iraque e Irã.
Caso o país norte-americano venha a retaliar a reação iraniana, Vieira acredita que países europeus devem reforçar os panos quentes que vêm tentando impor ao conflito. Para o professor, dentre as possibilidades para encaminhamento do conflito a que parece melhor é um dialogo entre as partes, mediado pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, do lado iraniano, e pela primeira-ministra alemã, Angela Merkel, pelo lado dos Estados Unidos.
De acordo com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o ataque teve por objetivo impedir uma investida contra estadunidenses na região, que estaria sendo planejada por Soleimani.
Em Teerã, capital iraniana, milhares de pessoas foram às ruas de Teerã em protesto, desde a última sexta-feira (3) para se manifestar contra a ação dos EUA e acompanhar a chegada do corpo de Soleimani. Durante as manifestações, palavras de ordem como “Morte aos EUA” têm sido entoadas. Também foram registrados protestos em diversas cidades do mundo.
Nessa segunda-feira (6), o presidente do Irã, Hassan Rohani, deu um recado a Trump: “Nunca ameace a nação iraniana”. Um dia depois, o parlamento do país persa classificou o Pentágono, o comando militar estadunidense, como terrorista.
O presidente do Irã, Hassan Rohani, afirmou que o Irã se vingará desse “crime hediondo”, enquanto Trump, no Twitter, debocha do país dizendo, em caixa alta, que o Irã nunca terá uma arma nuclear.
Após o ataque, o Irã deixou o Acordo Nuclear de 2015, e afirmou que não se limitará mais às restrições até então impostas ao enriquecimento de urânio. O Conselho de Segurança Nacional iraniano declarou, no entanto, que pode retomar o acordo, caso as sanções econômicas impostas pelos EUA sejam inteiramente removidas.
O acordo garantia um afrouxamento de sanções econômicas ao Irã em troca de limitação ao enriquecimento de urânio. Uma das limitações é o nível de concentração de urânio na atividade. A variante do elemento usada para combustível e produção de armas é o U-235, em uma concentração de 90%. O pacto limita, no entanto, a 3,67%, que pode ser usado apenas para a produção de combustível de usinas nucleares.
Com a investida dos EUA, foram mobilizadas, de acordo com o professor da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, “as razões políticas mais profundas do Irã”. Para ele, “isso não vai terminar agora, vai ter um longo percurso, já que envolve outras questões geopolíticas também com China e Rússia, aliadas ao Irã” e que também contestam frontalmente Donald Trump.
O economista acredita que a instabilidade gerada pode refletir uma alta nos preços no mercado financeiro e do petróleo. Com uma reação iraniana, haverá “um colapso nas bolsas e uma subida na taxa de juros, que está baixa, porque todo mundo vai fugir do risco”.
Belluzzo explica: com um episódio político que signifique um aumento de risco no mercado financeiro, os investidores vão preferir os ativos tidos como os mais seguros, como atualmente são o dólar e o ouro. Isso acaba por aumentar a taxa de retorno exigida para aplicação em outros ativos. Em outras palavras, os rentistas cobrarão mais para investir, gerando um choque na taxa de juros e desestabilizando o mercado financeiro e a estrutura econômica contemporânea.
A preferência pelo dólar, tida como a moeda reserva mundial, traz sua valorização e uma desvalorização das moedas de países emergentes.
O aumento no valor do petróleo representa o preço que os atores de mercado estão fixando no conflito. Qualquer um que venha a estourar no Oriente Médio impacta diretamente o preço do barril de petróleo, uma vez que os países árabes da região são os principais produtos responsáveis por petróleo mundialmente.
Isso explica, em partes, o interesse dos EUA na região. Hoje se sabe, no entanto, explica o professor da FGV, Vinicius Rodrigues Vieira, que o país norteamericano está bastante confortável com a sua produção doméstica de petróleo. A longo prazo, entretanto, ter controle sobre mais reservas, como as do Oriente Médio, pode ser “interessante”.
A pressão da indústria militar sob o presidente Trump, no entanto, é mais factível como motivação para um ataque no Oriente Médio, segundo Vieira. “Vejo, na lógica econômica, muito mais uma pressão do chamado complexo militar industrial, no mesmo contexto no qual adotaram a guerra ao terror”, afirma Vieira, que também vê o desejo por uma demonstração de poder, ainda mais em um momento como o atual, de um processo de impeachment.
Ainda assim, após a intensificação do conflito entre Irã e EUA, a cotação do preço do petróleo brent – tipo de petróleo cru comum no Oriente Médio – chegou a subir 4% na sexta-feira (3), e fechou o dia com uma queda de 3,70%, ficando cotado o barril em US$ 68,70, o maior patamar em oito meses, quando bateu US$ 70,53. O maior valor desde janeiro de 2018, ainda é o de agosto daquele ano, quando bateu US$ 80,47. As informações são da Tendências Consultoria.
Metade do petróleo iraniano é exportado para China e Índia. “Também é importante destacar o papel das potências emergentes em manter a economia iraniana e, portanto, seu regime”, afirma Vieira. Apesar das sanções econômicas impostas pelos EUA a quem comprar petróleo iraniano, alguns países batem de frente e não aceitam as imposições.
No Brasil, o valor dos combustíveis já vem de uma alta desde o começo de 2019. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, afirmou que os preços não devem aumentar e que acredita que haverá uma estabilização da conjuntura internacional.