Mais dois ministros abusaram de aviões da FAB
Foto: Paulo Rezende/FAB/Flickr
Na manhã de 7 de novembro de 2019, uma quinta-feira, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e sua mulher, Denise, embarcaram em Brasília numa aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB). Duas horas depois, às 9h30, o casal aterrissou em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Do aeroporto, a dupla foi para a prefeitura da cidade e depois para a Câmara de Vereadores. Lá, o ministro gaúcho tratou de assuntos locais como obras na quadra de uma escola e o reconhecimento de um curso de medicina na região. Na sequência, deu uma palestra a empresários na Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agronegócios. No dia seguinte, Onyx se encontrou com o prefeito de Ijuí e discutiu a concessão ao município do título de capital nacional das etnias. Esse foi o único compromisso oficial do ministro naquela sexta-feira. No domingo, às 7h35, Onyx pegou novamente um avião da FAB em Canoas com destino a Santo Ângelo, onde ocorreu um evento promovido pela comunidade italiana. Às 13 horas, o jato decolou com o casal de volta a Brasília.
Dos treze voos nacionais realizados pelo ministro com aeronaves da FAB em 2019, oito foram para o estado gaúcho. O chefe da Casa Civil visitou sua base eleitoral ao menos uma vez por mês entre julho e dezembro. Embora oficialmente tenha ido a serviço do governo, Onyx cumpriu agendas de olho em seu eleitorado. Em 27 de setembro, uma sexta-feira, por exemplo, o ministro embarcou, novamente ao lado de sua mulher, rumo à Serra Gaúcha. Visitou hospitais, uma universidade e participou de um jantar em comemoração dos trinta anos de uma vinícola. No dia seguinte, visitou uma segunda vinícola na companhia da mulher. Em 18 de outubro, de novo numa sexta-feira, o ministro viajou para Novo Hamburgo. O compromisso de trabalho que justificava o uso do avião era uma palestra na associação comercial do município. Ele voltou para Brasília no sábado à noite.
A postura do chefe da Casa Civil contrasta com a de seus colegas de governo. Para participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu passagens da classe econômica e tirou dinheiro do próprio bolso para mudar seu assento para a classe executiva. E foi exatamente a partir de Davos que surgiu o primeiro quiproquó mais sério envolvendo o uso de jatinhos no atual governo. Por sua conta, o secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, subordinado a Onyx Lorenzoni, requisitou um avião para ir ao fórum. Ao tomar conhecimento disso, o presidente pediu explicações. Santini, que estava comandando interinamente a Casa Civil durante as férias do titular, justificou-se dizendo que fora autorizado… pelo presidente. Acabou sendo demitido por Bolsonaro. Se esse rigor for aplicável aos ministros, Onyx poderá estar em maus lençóis — e não apenas ele. Seu colega de ministério Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, também andou driblando os radares da legislação. O ministro utilizou aeronave da FAB como transporte para sua casa, o que é proibido desde 2015, pelo menos três vezes. Em 20 de dezembro, uma sexta-feira, Mandetta viajou para Jacobina, no interior da Bahia, onde participou da reinauguração de um hospital. Esse era o compromisso oficial. No meio da tarde, o avião decolou em direção a Campo Grande (MS), onde o ministro mora. Em outras duas ocasiões, em junho e agosto, ele havia feito a mesma coisa: uma viagem para casa em conexão com uma agenda de trabalho. As aeronaves da FAB estão à disposição das autoridades da República para ser utilizadas exclusivamente em agendas de trabalho ou por questões de segurança. O Ministério da Saúde informou que o ministro tinha agenda oficial em Campo Grande em quase todas as suas viagens. Quase. Em relação à viagem do dia 20 de dezembro, a pasta reconhece que o deslocamento ocorreu por “inviabilidade de voo comercial”. Onyx não respondeu até o fechamento da edição.
Criado em 1941, o Grupo de Transporte Especial coloca quinze aeronaves à disposição dos chefes dos três poderes, ministros e comandantes das Forças Armadas. No governo Fernando Henrique, quando ainda não havia muita regulamentação sobre o uso, ministros foram pilhados voando às vésperas de fim de semana e feriado para cidades turísticas como Fernando de Noronha. Na era Lula, os jatos foram utilizados para transportar de São Paulo a Brasília e vice-versa os amigos dos filhos do presidente para churrascos nos fins de semana à beira da piscina do Palácio da Alvorada. Nos tempos de Dilma, sempre alegando questões de segurança, os ministros usaram e abusaram dos jatos para deslocamentos de caráter pessoal. No Congresso, a mordomia não era menor. O ex-presidente do Senado Renan Calheiros foi flagrado utilizando um jatinho para levá-lo ao Recife, onde fazia implante capilar. Na Copa das Confederações, em 2013, foi a vez de o então presidente da Câmara, Henrique Alves, usar um avião para levá-lo com a noiva e alguns parentes dela ao Rio de Janeiro, onde assistiram a um jogo no Maracanã. Sempre que um caso assim aparece, cria-se um grupo de trabalho, aperta-se um pouco a legislação, mas novos escândalos apresentam-se tempos depois. No mais recente deles, o presidente demitiu sumariamente o assessor da Casa Civil que viajou à Índia. Amigo do deputado Eduardo Bolsonaro, o filho Zero Três, ele foi recontratado para outro cargo na mesma Casa Civil um dia depois e, na sequência, demitido de novo. Os jatinhos podem continuar derrubando autoridades, mas a mordomia tem tudo para seguir em velocidade de cruzeiro.