Manifestante relata brutalidade da ação da PM de SP
A atuação da Polícia Militar nos atos promovidos pelo Movimento Passe Livre (MPL) teve, na noite desta quinta-feira, 16, sua marca mais truculenta neste ano. O protesto foi impedido de realizar a passeata programada pelas ruas da região central e teve de driblar barreiras até ser completamente bloqueado após um trajeto de 750 metros. Na Praça da República, onde a manifestação se encerrou e dez pessoas foram detidas, chamou a atenção a imagem de um policial puxando pelos cabelos uma jovem: “Fui jogada no chão e começaram a me puxar pelos cabelos, enquanto eu pedia para parar. Foram diversos puxões, me bateram com o cassetete na barriga, fui pisada”, disse a produtora cultural Andreza Delgado, de 24 anos.
Ao Estado nesta sexta-feira, 17, ela relatou o momento em que foi detida. O movimento que havia saído do Teatro Municipal com poucas centenas de manifestantes chegou à Praça da República com ainda menos apoiadores. Cercados dos dois lados pela PM na Avenida Ipiranga, e com os acessos à estação do metrô fechados, os integrantes do ato seguiram por cerca de uma hora no local sem aparentar saber o que fazer diante do cerco. Tentaram seguir com os cantos em que reivindicam melhor qualidade do serviço de transporte e continuaram segurando uma longa faixa em que se lia: Por uma vida sem catracas.
A @andrezadelgado ajudava pessoas agredidas pela PM, quando a polícia A PUXOU PELO CABELO, JOGOU NO CHAO E ARRASTOU, além de golpes diversos dados nela e em mais pessoas que estavam protestando por direitos. #ProtestoNãoÉCrime
Vídeo #MairaPinheiro (FB) pic.twitter.com/0ojWjNHasn — Santiago, Raull. (@raullsantiago) January 17, 2020
A confusão no local começou quando policiais militares prenderam duas manifestantes que compunham a linha de frente e estavam mais próximas à primeira linha formada pelos agentes. Não ficou claro o que motivou a detenção. Golpes do tipo mata-leão foram usados para imobilizar as mulheres e levá-las até a viatura. Na praça, em frente à sede da Secretaria da Educação do Estado, a confusão se seguiu. Foi nesse momento que Andreza foi detida.
Ela disse que estava afastada da manifestação, mas viu um amigo sendo abordado. “Vi um amigo sendo enforcado e quase desfalecendo e fui tentar entender”, contou. Imagens compartilhadas nas redes sociais mostram quando ela tem os cabelos puxados por um policial, que repete o movimento até imobilizá-la no chão. Ela criticou a ação e disse que os agentes agiram de forma desproporcional.
Segundo ela, após a detenção, os policiais falaram “o quanto gostavam de jogar bomba e atacar a manifestação”. “Em 2013 era melhor”, disseram, segundo ela, em referência aos protestos de 2013 que ganharam uma massa de adesão e resultaram nas jornadas de junho, com efeitos sobre o preço da passagem, que baixou, e para os políticos, que se viram obrigados a responder as demandas difusas apresentadas nas manifestações. “Existe um sadismo de determinados policiais em atacar as manifestação e os manifestantes”, acrescentou Andreza.
Segundo o advogado Leandro Raca, que está representando Andreza como integrante do Projeto Aliança, o boletim de ocorrência lavrado aponta suposta desobediência e resistência por parte dos manifestantes. “Mas também indica para apuração de abuso de autoridade por parte dos policiais”, disse. Para ele, a abordagem foi “extremamente violenta”. O exame de corpo de delito em Andreza apontou ferimentos leves.
A correria se intensificou após as primeiras prisões e policiais e viaturas foram alvos de objetos lançados pelos manifestantes. Os agentes reagiram com mais bombas e uso de balas de borracha. O movimento se dispersou pelas ruas adjacentes, forçando estabelecimentos a fechar as portas às pressas. Uma agência bancária foi depredada na Rua 7 de Abril.
A integrante do MPL Gabriela Dantas disse ao Estado nesta sexta que a PM tentou impedir o ato de sair pelas ruas e realizou bloqueios nas ruas. A reportagem presenciou quando um cordão de policiais foi posicionado no cruzamento das avenidas São João e Ipiranga, onde se iniciou uma confusão. Com escudos, os agentes tentavam impedir que o ato seguisse. Os integrantes driblaram o bloqueio e chegaram até a Praça da República, perto dali.
“Ali aconteceram as detenções de forma completamente arbitrária e extremamente violenta. Policiais enforcando adolescentes com mata-leão, sufocando e levando algumas pessoas a desmaiar. A Andreza mesmo foi pega e arrastada pelos cabelos quando tentava socorrer uma moça que desmaiava”, disse Gabriela. Ela disse que uma adolescente detida relatou ter sofrido violência sexual por parte de um policial. O agente teria encoxado a jovem com uma ereção.
“Acreditamos ser especialmente importante expor o absurdo que foi a ação da PM ontem, considerando que o governador continua dando declarações que criminalizam as manifestações e defendem um endurecimento ainda maior da repressão”, completou a manifestante. Ela disse que o comportamento da polícia não irá afetar o movimento, que já marcou um novo ato para a próxima quinta-feira, 23, no Terminal Parque Dom Pedro II.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que a Polícia Militar atuou para “garantir o direito à livre expressão e a segurança de todos”. “Após o deslocamento para a região da Praça da República, houve um princípio de tumulto que foi contido pelos policiais. Uma policial militar foi ferida durante a ação. Dez pessoas, sendo oito adultos e dois adolescentes, foram detidas por desacato e lesão corporal. Todos foram encaminhados ao 2º DP e liberados após o registro da ocorrência”, informou.
A pasta disse que o 3.º Distrito Policial (Campos Elíseos) investiga “todas as circunstâncias relatadas durante o registro de ocorrência”. “Os vídeos e relatos são analisados e as medidas cabíveis serão adotadas.”