MEC: bloqueio de contratações afeta universidades
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Em meio ao caos das falhas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que podem afetar o calendário acadêmico das universidades e institutos federais, o Ministério da Educação (MEC) dá mais um passo que ameaça a educação pública do país.
O órgão bloqueou a contratação de novos professores efetivos e substitutos e de técnicos administrativos – mesmo os que já estão com processo de seleção finalizado –, colocando em risco o ano letivo de 2020. A medida foi informada por ofício enviado pela Secretaria de Ensino Superior (Sesu) do MEC às instituições no dia 8 de janeiro. O MEC não deu nenhuma previsão de quando os profissionais poderão ser contratados ou se serão contratados.
A Universidade de Brasília (UnB) é uma das prejudicadas. A instituição prevê que, ao longo do ano, precisará repor, pelo menos, 207 vagas docentes e 355 de servidores técnico-administrativos. Em nota enviada ao Brasil de Fato, a UNB declara que a medida “é preocupante e dificulta sobremaneira a gestão e a execução do planejamento institucional, além de contrariar o princípio da autonomia universitária, previsto na Constituição”.
Além da espera de profissionais que já foram convocados pelos concursos, o grande problema é que com o início das aulas em vista as instituições federais ainda não sabem se terão professores para atender os alunos e disciplinas, uma vez que mesmo a contratação de professores substitutos está vedada. A UNB informa que já há discussões nos departamentos para reduzir a oferta de disciplinas.
Um exemplo dos problemas que o bloqueio da contratação de novos profissionais pode acarretar ocorre na Faculdade de Educação da UnB, onde a docente Catarina de Almeida está de licença acadêmica de pós-doutorado, prevista em lei, mas não sabe se o departamento terá um poderá contratar um profissional substituto para lecionar as suas disciplinas.
Isso gera um problema na instituição inteira, no fluxo na entrada e saída de diferentes cursos. Vai virando uma bola de neve
Ela estima que a universidade terá de cortar de sete a oito turmas da Faculdade de Educação.
“Esses alunos vão ser jogados para o próximo semestre, porque a gente não tem como oferecer, não tenho como um professor cobrir a carga horária de dois, três. Isso vai gerando uma demanda reprimida, os alunos não vão ser atendidos, eles saem do fluxo. E se isso continua, a cada semestre, a gente vai tendo mais acumulo de estudantes sem cursar as disciplinas e vai gerando atrasos na formação, na conclusão e na entrada de novos estudantes. Isso gera um problema na instituição inteira, no fluxo na entrada e saída de diferentes cursos. Vai virando uma bola de neve”, aponta Almeida.
Para a professora, o bloqueio é “muito grave” e faz parte do desmonte do governo na educação pública. “É uma irresponsabilidade, é um projeto de destruição. A sociedade precisa tomar atitude. As universidades precisam judicializar isso. O Congresso precisa tomar atitude.”
O argumento do MEC para a proibição da contratação era o atraso na aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2020, mas desde o dia 20 de janeiro a previsão de gastos foi sancionada e publicada no Diário Oficial.
“A gente já está receoso. Uma vez que ele já sancionou o orçamento, o governo tinha que ter liberado a contratação. Concursos, inclusive, que já tinham sido realizados, que as pessoas estão à espera de ser nomeadas para tomar posse. Já é a fase final dos concursos, são concursos que já foram realizados. É a suspensão de um processo em curso”, afirma a secretária-geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), Eblin Farage.
O Sindicato explica que a Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos (CGRH) do MEC afirmou que qualquer contratação poderia ser anulada ou ainda considerada irregular frente a Lei de Responsabilidade Fiscal e que as limitações vem da Portaria 1.469, de 22 de agosto de 2019, que obriga as instituições federais a contratar profissionais somente após a liberação dos órgãos do executivo.
“O impacto já é imediato para o semestre. As universidades começam as aulas em fevereiro, outras em março e elas estão com seus quadros de professores descobertos. Isso prejudica o cotidiano da universidade. Sobrecarregando os professores, porque as turmas precisaram atendidas por alguém, não dá para mandar o aluno de volta para casa”, reitera Farage.
A representante do sindicato esclarece ainda que a maioria das vagas bloqueadas não são novas, “como o governo tenta desinformar”, mas sim de professores que se aposentaram com medo da reforma da Previdência.
“Tem universidade que registrou em um mês mais solicitações de aposentadoria do que ela tinha registrado em todo o ano anterior, por exemplo. Por conta do receio dos professores de serem prejudicados com a reforma da Previdência”, explica Farage. “A maioria dos departamentos não trabalham com folga de professores ao contrário já trabalham com número mínimo ou insuficientes de professores. Então qualquer professor que não chegue tem impacto”.
Farage, que atua como docente da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), denuncia o problema aconteceu no seu próprio departamento. “Todos os concursos que nós tivemos nos últimos dois anos, nenhum é de vaga nova. São só vagas de pessoas que se aposentaram. Então não é que vai aumentar, na prática, vai reduzir o número de professores.”
Segundo o Andes ainda não é possível ter um levantamento nacional da quantidade de professores e técnicos que estão com a contratação suspensa, nem quantas instituições exatamente foram afetadas. Mas se o problema perdurar o Sindicato deve entrar com ação na justiça. “Nos estamos dando um tempo. Mas, certamente o Sindicato vai tentar alguma ação jurídica para tentar garantir a convocação”, anuncia.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) enviou um ofício à Sesu, no dia 22 de janeiro, reiterando a importância e necessidade das contratações. O órgão ainda não deu nenhum retorno à associação.
Até o fechamento da reportagem, o MEC também não retornou aos questionamentos enviados pelo Brasil de Fato sobre liberação da contratação dos professores.