MPF ia indiciar jornalistas no caso do triplex

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Foto: Ricardo Stuckert

Dois repórteres da Folha de S. Paulo foram investigados durante a fase de inquérito que gerou uma nova denúncia contra o ex-presidente Lula. O petista, juntamente com Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), foi denunciado pelo Ministério Público Federal em São Paulo por supostamente ter instigado a ocupação do tríplex do Guarujá, imóvel que lhe é atribuído.

Lula, Boulos e outras três pessoas ligadas a movimentos sociais são acusadas com base no artigo 346 do Código Penal. O documento é assinado pelo procurador Ronaldo Ruffo Bartolomazi.

O trecho prevê detenção de seis meses a dois anos para quem “tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção”.

Uma repórter e um fotógrafo da Folha entraram no imóvel junto com os militantes para fazer a cobertura jornalística da ocupação, que ocorreu no dia 16 de abril de 2018, nove dias após Lula ter sido preso.

De acordo com os autos, os repórteres “teriam participado da invasão do edifício Solaris e do tríplex”. No entanto, “a conduta deles não se amolda ao tipo penal do artigo 346 do Código Penal”, continua o procurador.

“Assim, por ausência de indícios de autoria criminosa, o Ministério Público Federal requer o arquivamento do presente inquérito policial em relação aos [jornalistas] investigados, com as cautelas de praxe e sem prejuízo do artigo 18 do Código de Processo Penal e na Súmula número 524 do Supremo Tribunal Federal”, afirma.

Como Lula estava preso na data em que ocorreu a ocupação, a denúncia do MPF-SP afirma que ele “convocou, estimulou e instigou todos os manifestantes a ocuparem o apartamento 164-A do edifício Solaris (conhecido como tríplex do Guarujá), cuja titularidade de fato havia sido reconhecida como sua pelo Juízo da 13º Vara Federal de Curitiba/PR, e motivado sua condenação nos autos da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000”.

De acordo com a denúncia, Lula teria poder sobre os manifestantes partidários a ele. Dessa forma, suas declarações possuíam valor de ordem.

“No momento em que Lula conclamou os manifestantes a ocuparem o imóvel, ele foi ovacionado, o que demonstra que, na qualidade de líder político e possuidor de um carisma diferenciado perante movimentos sociais de tal natureza, a convocação feita por Lula foi recebida pelos manifestantes como uma ordem”, diz o documento.

A “ordem” dada pelo ex-presidente se refere a uma fala dele no dia 24 de janeiro de 2018, pouco mais de dois mês antes de ser preso, durante um ato na praça da República, no centro de São Paulo. “Eu até pedi pro Guilherme Boulos mandar o pessoal dele ocupar aquele apartamento. Já que é meu, ocupem”, disse Lula na ocasião.

A denúncia se valeu do artigo 29 do Código Penal, referente a concurso de pessoas. O dispositivo determina que o agente que “de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

O artigo é o único elemento da denúncia que liga Lula e Boulos à ocupação. Como não estiveram presentes no apartamento, essa foi a maneira de a denúncia tentar criminalizá-los pela conduta prevista pelo artigo 346.

“Segundo o artigo 29 do CP, mesmo alguém que eventualmente não realizou os verbos do tipo penal (crime) pode ser responsabilizado também na qualidade de partícipe (porque instigou outro a fazer)”, explica Raquel Lima Scalcon, advogada e professora de Direito Penal na Fundação Getúlio Vargas.

“A questão é a relevância dessa instigação para o cometimento do fato e o contexto em que isso foi dito, afinal, ele fala politicamente. Poderia ser mais simbólico e retórico do que realmente uma determinação. Ele é um político, é natural que faça falas um pouco mais provocadoras. Mas daí dizer que ele instigou e é responsável, tem um longo caminho no processo”, diz a professora.

De acordo com Cristiano Zanin, advogado de Lula, a denúncia é inepta, “pois o ex-presidente jamais foi proprietário do triplex do Guarujá”. “A denúncia é mais um capítulo do lawfare praticado contra Lula, que consiste no uso estratégico do Direito para fins de perseguição política e outros fins ilegítimos”.

Já a defesa de Boulos, feita pelo advogado Alexandre Martins, diz que “a denúncia é um exemplo de uma narrativa típica dos tempos atuais em que se aceita como plausível que até mesmo um representante de um órgão tão importante como o MPF passe a criar e elucubrar histórias sem qualquer amparo no realismo mínimo”. Ainda de acordo com ele, a atitude por parte do procurador do MPF foi tomada “apenas e tão somente para ganhar os holofotes, ainda que, para isso, seja necessário manipular os fatos para transformar o absurdo em verdade, bem como vilipendiar a honra alheia”.

Conjur