Nepotismo cruzado e roubo de medalhas no TJ da Bahia

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Foto: Emerson Leal / STJ

Interceptações telefônicas de desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), feitas com autorização judicial, revelam suspeitas de uma série de irregularidades dentro do tribunal, como a prática de nepotismo cruzado e até mesmo o roubo de medalhas comemorativas. As interceptações foram feitas entre março e novembro pela Polícia Federal, com aval do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes, nas investigações da Operação Faroeste, que mira um esquema de venda de decisões no TJ-BA.

O principal alvo dos grampos foi o então presidente do TJ-BA, Gesivaldo Britto. Em conversa com outro desembargador, Gesivaldo citou ter conhecimento da prática de “nepotismo cruzado” e outras suspeitas dentro do Judiciário baiano. As interceptações, em conjunto com outras provas produzidas na Operação Faroeste, foram enviadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para avaliar possíveis infrações dos magistrados envolvidos.

A Operação Faroeste investiga um esquema de decisões judiciais fraudulentas para permitir a grilagem de terras no oeste baiano. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a PF, decisões ilegais retiraram a posse de terras já ocupadas por produtores rurais no oeste baiano e, com isso, forçaram esses produtores a assinarem acordos judiciais milionários com os operadores financeiros do esquema, que dividiriam os valores com magistrados. Esses operadores teriam se tornado donos dos terrenos graças à grilagem e, por isso, passavam a exigir que os produtores pagassem indenização para ocupar as áreas.

Acusado de envolvimento nos fatos, Gesivaldo Britto foi afastado da presidência do tribunal e do cargo de desembargador por ordem do STJ. Outros três desembargadores e dois juízes também foram afastados.

O GLOBO teve acesso ao relatório da PF com a transcrição das conversas telefônicas produzidas na Operação Faroeste. Afirma a PF sobre uma das conversas: “Compartilham, outrossim, perspectivas até então desconhecidas da prática de condutas potencialmente típicas [jargão jurídico para definir delitos criminosos], como o furto de medalhas comemorativas havido nas dependências do tribunal, possível prática de nepotismo cruzado entre seus membros, além de questionáveis interesses de desembargadores no deslinde da questão possessória do oeste da Bahia”. Leia os trechos da conversa abaixo.

Um dos diálogos, de 12 de abril deste ano, mantido entre Gesivaldo e o desembargador Nilson Castelo Branco, tem início sobre a possibilidade de o tribunal pagar diárias internacionais para desembargadores viajarem a um evento. Gesivaldo defende que não havia ilegalidade na medida e que, por isso, os magistrados deveriam viajar. Em seguida, Gesivaldo Britto comenta um caso do furto de medalhas comemorativas por um desembargador — as medalhas teriam sumido após um evento. No diálogo, porém, ele não deixa claro qual desembargador estaria acusando de ter realizado o ato.

(…)

Gesivaldo: — É, agora, e tem uma coisa, e tem uma coisa, ele furtou duas medalhas lá.

Nilson: — Você me disse.

Gesivaldo: — Entendeu? Eu, eu, eu vou ter que instaurar sindicância pra ele responder. Isso que é, isso que é grave.

Nilson: É.

Gesivaldo: — Entendeu? O pessoal não tá dizendo, e coisa e tal, mas duas medalhas sumiram e ele saiu com a caixa na mão, entendeu?

(…)

Na mesma conversa, Gesivaldo volta ao tema da viagem internacional e insiste com o colega para que ele aceite viajar. Depois, cita desembargadores adversários e revela que mantém funcionários indicados por um deles como “nepotismo cruzado” com outro. A conversa sobre o nepotismo faz referência aos desembargadores Jatahy Junior e Salomão Resedá, do TJ-BA.

(…)

Gesivaldo: — Entendeu? Até porque se você não for vai ficar parecendo que a gente fez uma coisa ilegal.

Nilson: — É, é. E não há liminar nenhuma suspendendo diária, nem nada.

Gesivaldo: — É, é.

Nilson: — Não há.

Gesivaldo: — Entendeu? Aí eu, mas rapaz, será o benedito? Uma coisa dessa? Aí eu disse a ele, o que é a perseguição de Jatahy e Mário Alberto em cima da gente?

Nilson: — Agora não eram pessoas, pessoas até. Não sei não, rapaz. Jatahy é, é, é, não sei não viu? Deus que me livre.

Gesivaldo: — Rapaz, é uma obsessão pelo poder, ave maria.

Nilson: — E você fez uma homenagem tão bonita ao pai dele.

Gesivaldo: — Ôh rapaz! Não, e outras coisas, Nilson. Quantas vezes, quantas vezes? Olha, pra ele ser desembargador, é… Mário Alberto tá vivo, porque até no leito de morte ele vai ter que confirmar, porque eu lutei pra ele ser, porque ninguém, ninguém, ninguém queria que ele fosse. Ele ficava lá atrás, Silvio ajudava e coisa e tal.

Nilson: — Ele era perseguido, por causa do pai, do que o pai fez e ele fez.

Gesivaldo: — É, exatamente, é. Agora, meu amigo, faz isso. Oh, Nilson, eu tô mantendo, veja só, umas dez pessoas dele, nepotismo cruzado dele com Salomão, eu lhe falei, não já?

Nilson: — Já sim.

(…)

Procurado, Gesivaldo Britto afirmou que está sendo alvo de uma “armação política de grande proporção”, sobre a investigação da Operação Faroeste, e disse que não há provas do seu envolvimento no esquema de grilagem de terras do oeste baiano. Questionado sobre os fatos descritos na conversa interceptada, Gesivaldo afirmou que preferia se “manter distante”.

— Na minha gestão procurei não mexer com nenhum colega, porque é muito difícil presidir 60 iguais — disse.

A reportagem enviou questionamentos aos gabinetes dos desembargadores Jatahy Júnior e Salomão Resedá em 12 de dezembro e solicitou reiteradas vezes uma manifestação, mas não houve resposta. A assessoria de comunicação do TJ-BA afirmou que a demanda foi encaminhada aos desembargadores e que encaminhariam caso houvesse uma resposta.

O Globo