Postagem falsa ataca senador por Lei de Abuso de Autoridade

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Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Desde a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, várias postagens nas redes sociais atacam o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor de um dos projetos que deu origem à legislação. Um desses posts, com mais de 22 mil compartilhamentos desde o dia 5 de janeiro, traz a informação falsa de que a nova norma proíbe que a pessoa que tiver sua casa invadida divulgue imagens do invasor capturadas por câmeras de vigilância.

Isso não é verdade, porque a Lei de Abuso de Autoridade se aplica apenas a agentes públicos. Se encaixam nessa definição servidores públicos e militares, integrantes do Poder Legislativo, do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de contas.

O primeiro artigo da legislação define que crimes de abuso de autoridade são cometidos pelo agente público que, “no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído”.

“O abuso de autoridade é um crime próprio, cometido somente por determinadas pessoas”, explica o professor de Direito Penal da FAAP Francisco de Paulo Bernardes Jr. “Não se aplica ao particular, como no caso das imagens de vigilância de uma casa”.

Se as imagens divulgadas ofenderem os direitos da pessoa exposta, ela pode ser reparada em processos cíveis, segundo o advogado criminalista Rogério Taffarello, sócio da Mattos Filhos Advogados. “Espalhar imagens que ofendem a honra de alguém pode configurar eventualmente em injúria“, afirma ele. “Se a gravação for compartilhada com legendas ofensivas, pode ser difamação“.

De acordo com Taffarelo, geralmente a pena aplicada a ofensas mais leves é o direito de indenização. A responsabilização criminal só ocorre em casos mais graves.

O que diz a Lei de Abuso de Autoridade sobre divulgação de imagens
Ainda que a divulgação da imagem de um invasor fosse feita por um agente público, ele não seria automaticamente punido pela Lei de Abuso de Autoridade. O artigo 28 da legislação define pena de 1 a 4 de detenção e multa àqueles que divulgarem “gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado”.

O professor Bernardes Jr. explica: “A lei permite a divulgação de imagens dentro da estrita legalidade. O que não pode é a divulgação dessas imagens com outra finalidade, como a de prejudicar alguém ou por um capricho pessoal. Respeitada a dignidade humana, essa divulgação é lícita”.

Isso também está na lei, no primeiro parágrafo do Art. 1º. O abuso de autoridade é praticado pelo agente “com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”.

O advogado Taffarelo oferece um exemplo que pode se encaixar nessa lei. “Se uma pessoa que for detida é ridicularizada em uma filmagem, e depois divulgarem o vídeo, é uma conduta abusiva”, disse ele. “É diferente do mero registro. O ato da autoridade pública deve ser registrado”.

Que tipos de imagem podem ser divulgados? “Cabe às autoridades somente dar publicidade, nos autos de investigação e processos respectivos, ao que tenha pertinência com o que se investigou, e não expor ou espetacularizar informações e conversas íntimas das pessoas investigadas somente para constrangê-las”, diz Taffarelo. “Esse tipo de ato a legislação brasileira nunca permitiu, e continua não permitindo”.

De qualquer forma, ao menos 10 polícias deixaram de divulgar nomes e imagens de presos em redes sociais, segundo reportagem publicada pelo portal G1. As corporações de São Paulo, Espírito Santo, Distrito Federal, Bahia, Mato Grosso do Sul, Acre, Paraíba, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul fizeram mudanças para atender à nova Lei de Abuso de Autoridade no início de janeiro.

A Lei de Abuso de Autoridade foi considerada uma reação da classe política às recentes operações contra corrupção, como a Lava Jato e uma derrota para o governo e um revés para o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro.

Procurada, a assessoria de imprensa de Randolfe Rodrigues informou, por telefone, que durante o processo de tramitação, o projeto original do senador foi “desvirtuado”. Segundo a assessoria, Randolfe votou contra a aprovação da proposta por não concordar com as mudanças feitas ao texto inicial.

Em 2017, o senador apresentou o Projeto de Lei do Senado 85, que definia crimes de abuso de autoridades. O texto original já continha a proibição de “constranger o preso ou detento, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe ter reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência” a “exibir-se, ou ter seu corpo ou parte dele exibido, à curiosidade pública”.

A proposta original também vetava constranger o detento a participar em “ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social ou ser fotografado ou filmado com essa finalidade”. Essa parte, no entanto, não está na lei promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro em setembro do ano passado.

A proposição do senador da Rede foi combinada com o Projeto de Lei do Senado 280, de 2016, de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL), em um substitutivo do ex-senador Roberto Requião (MDB-PR). A proposta de Calheiros vetava “ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de pessoa indiciada em inquérito policial”, “constrangendo-a a participar de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social ou serem fotografadas ou filmadas com essa finalidade”.

O texto final enviado pelo Congresso Nacional ao presidente Jair Bolsonaro definia 53 condutas como abuso de autoridade. Dessas, 23 foram vetadas pelo presidente, mas os legisladores restauraram 15 delas. Veja abaixo o que ficou de fora da lei, segundo a Agência Senado.

Estadão