Seis momentos para entender a mudança na política externa sob Bolsonaro

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Foto: Yukie Nishizawa/Reuters

Em 2019, o Brasil estampou com frequência a capa de jornais e revistas internacionais, em parte pelas notícias sobre o aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia, mas também pela forte guinada na política externa no primeiro ano de governo Bolsonaro.

O Brasil trocou seus principais aliados no cenário internacional, mudou o discurso sobre meio ambiente e entrou em atrito direto com líderes de países importantes, como França e Alemanha.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, os rumos tomados na área de relações exteriores do Brasil revelam uma ruptura com tradições diplomáticas do Itamaraty e com estratégias adotadas pelos governos anteriores, principalmente os do PT.

Além disso, as principais decisões de política externa tomadas em 2019 mostram uma disputa constante entre três grupos que integram o governo: militares, olavistas e a equipe econômica.

“É uma política externa marcada por uma tensão permanente entre ideologia e pragmatismo”, explica Fernanda Magnotta, professora de Relações Exteriores da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

“O Ministério de Relações Exteriores, comandado pelo chanceler Ernesto Araújo e o assessor especial da Presidência Felipe Martins seriam os representantes da ala ideológica ou olavista. Militares e a equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia, representam a ala pragmática.”

“Dependendo de qual dos grupos conquista mais espaço e consegue mais sucesso e mais êxito na hora de barganhar a sua agenda, o Brasil vai para uma linha mais pragmática ou mais ideológica.”

Alguns episódios marcantes revelam claramente que o Brasil tem adotado novos rumos na sua estratégia de política externa.

A BBC News Brasil reúne aqui seis momentos de 2019 que reposicionam o país no xadrez internacional — bem como as oportunidades e riscos que cada um desses episódios trazem para o Brasil.

A primeira grande guinada na política externa brasileira foi a tentativa de forte aproximação do Brasil com os Estados Unidos. Em março de 2018, Bolsonaro visitou Washington para se reunir pessoalmente com o presidente americano, Donald Trump.

Nos encontros e coletivas de imprensa na capital americana, os dois líderes trocaram elogios e declararam que a relação entre Brasil e Estados Unidos nunca esteve melhor.

Desde então, sempre que se encontraram em eventos internacionais, eles trocaram elogios — com Bolsonaro deixando sempre muito clara a admiração que sente pelo americano.

No encontro do G20, no Japão, o próprio Trump disse que Bolsonaro tem orgulho de ser amigo dele, Trump.

“Estamos com um cavalheiro que teve uma das maiores vitórias eleitorais do mundo. E ele estava muito orgulhoso de sua relação com o presidente Trump. Ele é um homem especial, que está se saindo muito bem e que é muito amado pelo povo brasileiro. E podemos dizer que Brasil e Estados Unidos estão mais próximos do que nunca”, declarou Trump em reunião bilateral com o presidente brasileiro durante a cúpula em Osaka que reuniu líderes das 20 maiores economias do mundo.

Mas para além de troca de palavras generosas, o Brasil pôs em prática uma série de concessões para conquistar a confiança dos Estados Unidos.

Uma das principais delas foi abrir mão do tratamento diferenciado que o nosso país recebia na Organização Mundial do Comércio, a OMC. Essa foi uma exigência do governo americano para que apoiasse o pleito do Brasil de entrada na OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

O tratamento diferenciado na OMC prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, prazos mais longos para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.

Por pressão dos Estados Unidos, o governo brasileiro voluntariamente abriu mão desses benefícios que favoreciam nosso país em negociações comerciais.

Em mais um gesto de generosidade a Trump, o Brasil recentemente ampliou as cotas de importação e as isenções tributárias para importação de etanol e trigo americanos.

Essas duas decisões preocuparam produtores brasileiros e outros parceiros comerciais do nosso país, como a Argentina, que temem não conseguir competir com os produtos americanos.

A expectativa era que o governo dos EUA liberasse, em troca, o seu mercado de açúcar, um dos mais protegidos do mundo, mas, por enquanto, essa contrapartida não aconteceu.

Outros acenos do Brasil aos EUA incluem o fim da exigência de visto para os americanos, a permissão para que o país lance foguetes da base espacial em Alcântara, no Maranhão, e o voto nas Nações Unidas contra uma resolução que condena o embargo do governo americano a Cuba — só Brasil e Israel se aliaram aos EUA nessa votação da ONU.

Para o americano Christopher Sabatini, professor de Relações Públicas Internacionais da Universidade Columbia, em Nova York, o governo brasileiro acerta na intenção de aumentar as relações com os Estados Unidos, corrigindo o que ele chama de uma política antiamericana implementada pelos governos do PT.

Mas, segundo ele, o presidente Jair Bolsonaro erra em focar na relação pessoal com Trump, não na relação entre governos, e em entregar demais aos Estados Unidos, sem exigir compensações.

“Eu acho que, de fato, havia uma necessidade de corrigir a política anti-Estados Unidos do governo do PT. Então, essa é uma mudança bem-vinda. O problema é que ela foi completamente para o extremo da outra direção. Abraçou-se não a agenda dos Estados Unidos, mas a agenda de um presidente. E um presidente que é muito inconstante e muito intempestiva”, avalia Sabatini, que também é consultor para América Latina da Chatham House, instituto de pesquisa mais prestigiado do Reino Unido.

“O que acontece é que, em vez de tentar se tornar um aliado dos EUA, Bolsonaro tentou se tornar um aliado de Trump. E Trump não é uma pessoa consistente. Nós vimos, na prática, Trump frustrar Bolsonaro repetidas vezes, em questões como a entrada do Brasil na OCDE e, mais recentemente, nas tarifas sobre aço e alumínio.”

Embora o presidente americano tenha anunciado apoio o pleito do Brasil de entrar na OCDE durante a visita de Bolsonaro a Washington, uma carta do secretário de Estado, Mike Pompeo, divulgada em outubro, deixou claro que o governo americano não está disposto a bancar, pelo menos agora, o ingresso do nosso país na organização.

No documento, ele defende abertamente apenas a entrada de Argentina e Romênia no grupo de 36 países que compõem a OCDE. O Brasil é um dos seis países na fila para entrar no organismo e o apoio expresso dos EUA à adesão poderia acelerar o processo, mas isso não ocorreu.

Além disso, mais recentemente, no início de dezembro, Trump acusou Brasil e Argentina de desvalorizarem suas moedas frente ao dólar e anunciou aumentos sobre as tarifas de aço e alumínio importados do nosso país.

Depois da ida a Washington, Bolsonaro fez uma visita de Estado a Israel, em abril, que quebrou alguns protocolos e tradições da diplomacia brasileira. A viagem atendeu a dois grupos da base eleitoral do presidente — parte da comunidade evangélica e da comunidade judaica — e agradou aos Estados Unidos, principal aliado do governo israelense.

Havia a grande expectativa de que Bolsonaro cumprisse a promessa feita na campanha de transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém. Isso atenderia a uma pressão dos Estados Unidos e a uma reivindicação de evangélicos brasileiros que, com base em interpretações da Bíblia, acreditam que Jerusalém é uma terra prometida aos judeus.

A questão é polêmica, porque Israel reivindica Jerusalém como sua capital, enquanto palestinos querem que a parte oriental da cidade seja capital de um futuro Estado palestino. A ONU e a comunidade internacional como um todo, com exceção de Estados Unidos e Guatemala, mantêm suas embaixadas em Tel Aviv e defendem que a propriedade de Jerusalém seja decidida em negociações de paz.

Apesar de ter dito que reconhece Jerusalém como capital israelense, o governo Bolsonaro acabou recuando da promessa de transferir a embaixada brasileira, após forte pressão da área econômica e militar do governo.

Representantes de países árabes, que são importantes parceiros comerciais do nosso país, ameaçaram retaliar caso o presidente seguisse adiante com o plano original.

A ameaça assustou: os países islâmicos são destino de 6% das nossas exportações. Mas é quando se olha para o setor agrícola que a importância desses parceiros fica mais clara. Nações de maioria muçulmana recebem cerca de 70% de todo o açúcar exportado pelo Brasil, 37% do nosso frango, e 27% da carne de boi.

Ou seja, esses setores produtivos brasileiros ficariam numa situação difícil se as nações árabes decidissem comprar de outros países. No final das contas, Bolsonaro acabou abrindo um escritório comercial em Jerusalém, sem representação diplomática.

Por outro lado, rompendo uma tradição internacional, o presidente brasileiro visitou, acompanhado do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o Muro das Lamentações, um dos locais mais sagrados do judaísmo.

Como o muro fica em Jerusalém Oriental — ocupada por Israel em 1967, na Guerra dos Seis Dias, e desde então reivindicada pelos palestinos como capital de seu futuro Estado —, líderes internacionais preferem visitá-lo sem o acompanhamento de governantes israelenses, dando à visita um caráter mais pessoal do que de Estado.

Para muitos observadores, o fato de Bolsonaro ter ido ao local com Netanyahu sinaliza uma espécie de reconhecimento tácito da soberania de Israel sobre Jerusalém Oriental e, novamente, uma mudança na postura até agora equidistante no conflito entre israelenses e palestinos.

É, nesse sentido, uma guinada significativa na política externa brasileira.

Acordo entre Mercosul e União Europeia foi anunciado como grande vitória do governo Bolsonaro, mas ratificação pelos parlamentos europeus pode ser prejudicada pela política ambiental do governo
Esse foi um momento de destaque para o governo brasileiro e visto por analistas como uma conquista importante. O acordo entre Mercosul e União Europeia derruba uma série de tarifas e barreiras comerciais entre o bloco sul-americano e o europeu.

Segundo estimativas do Ministério da Economia do Brasil, ele vai representar um aumento no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro equivalente a R$ 336 bilhões em 15 anos, com potencial de chegar a R$ 480 bilhões, se forem levados em conta aspectos como a redução de barreiras não tarifárias.

É um acordo que vinha sendo negociado havia 20 anos, sem ser assinado.

“A negociação do acordo entre Mercosul e a União Europeia, acho que isso é importante. A ratificação desse acordo está no limbo, mas essa negociação foi relevante e provavelmente (o acordo) não seria concretizado no governo do PT”, avalia Christopher Sabatini, Universidade de Columbia

“O governo interino (de Michel Temer) e o governo Bolsonaro se comprometeram com a abertura internacional e com reformas econômicas de maneiras que o PT nunca fez.”

Mas esse acordo ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos europeus e pelos Legislativos dos países que integram o Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).

E o próximo ponto que a BBC News Brasil aborda nesta reportagem pode representar um empecilho para essa aprovação — a mudança na política ambiental do governo brasileiro.

Desde que tomou posse, Bolsonaro deixou claro que a política ambiental do Brasil mudou e que a Amazônia não deve ser tratada como um “santuário”. Ele passou a defender mineração em terras indígenas, redução de multas ambientais e a expansão das atividades econômicas na maior floresta do mundo.

Essa mudança na política externa foi destaque na imprensa internacional e gerou reações de líderes internacionais. A chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a dizer que considera “dramática” a atuação do governo brasileiro na área ambiental.

“Pode ter certeza de que eu, assim como você, vejo com preocupação muito grande a questão da atuação do novo presidente brasileiro. E, na medida do possível, vou usar a oportunidade durante a cúpula do G20 para falar diretamente sobre o tema, porque vejo como dramático o que está acontecendo no Brasil”, disse Merkel ao ser questionada durante sessão do Parlamento alemão sobre se seria oportuno levar adiante o acordo do Mercosul com a União Europeia num momento em que o comprometimento do governo brasileiro com o meio ambiente era questionado.

Mas foi a enorme repercussão do alto número de incêndios florestais no Brasil em agosto que colocou a política ambiental do governo no centro das atenções internacionais. Bolsonaro reagiu, inicialmente, minimizando as queimadas e sugerindo que ONGs internacionais estavam por traz do fogo. O governo só enviou tropas do Exército para combater as chamas na Amazônia depois que o caso gerou protestos em várias cidades do Brasil e críticas internacionais.

O assunto proteção da Amazônia foi levado pelo presidente Francês, Emmanuel Macron, para ser discutido na cúpula do G7 em Paris, sem a participação do Brasil. Naquele momento, o problema das queimadas ganhou outra dimensão.

Bolsonaro reagiu afirmando que isso representava um ataque à soberania brasileira sobre a floresta. E a situação escalou depois que o presidente brasileiro reforçou uma piada machista sobre a primeira-dama francesa.

“É triste, triste. Mas triste sobretudo para o povo brasileiro”, respondeu Macron, numa coletiva de imprensa.

Além do mal-estar internacional, houve repercussões nos setores produtivos do Brasil, que começaram a sofrer perdas comerciais por causa de um boicote a produtos brasileiros. Marcas como Timberland e a gigante de roupas H&M chegaram a suspender a compra de couro brasileiro.

Em setembro, na estreia de Bolsonaro na Assembleia-Geral das Nações Unidas, havia uma grande expectativa de que ele usasse aquele momento para apresentar dados que comprovassem que o Brasil estava comprometido com o combate aos incêndios. Em vez disso, o presidente adotou um tom belicoso e acusou a imprensa internacional e países europeus de “alimentarem o sensacionalismo”.

Em discurso na ONU, em vez de adotar tom conciliador, Bolsonaro criticou países europeus e falou que houve ‘sensacionalismo’ da imprensa internacional sobre os incêndios na Amazônia
Mais recentemente, o presidente acusou o ator de Hollywood Leonardo Di Caprio de participação nos incêndios da Amazônia.

Segundo especialistas, tudo isso representa uma grande guinada da política externa brasileira, já que, desde 1992, quando sediou a primeira conferência da ONU sobre clima, o Brasil tem se posicionado como líder internacional em questões ambientais.

A preocupação agora é que a atual política sobre meio ambiente seja usada por países europeus que competem com o Brasil no setor agrícola, como França e Irlanda, para barrar o acordo do Mercosul com a União Europeia.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, disse à BBC News Brasil que a “comunicação falha” do governo quando surgiram as primeiras notícias sobre os incêndios na Amazônia serviu de combustível para que países concorrentes se utilizassem das queimadas para atacar as exportações brasileiras.

“A gente vê que a comunicação do governo brasileiro nesse caso não foi das melhores. Se tivesse tomado medidas anteriormente, não estaríamos na situação de hoje. A gente tem que admitir que a comunicação falhou”, disse Castro.

Procurado pela BBC News Brasil, o Ministério de Relações Exteriores disse que “versões” sobre a política ambiental do governo “que circularam por veículos da imprensa nacional e internacional desinformaram o público”.

“O Brasil manteve em 2019 todos os seus compromissos internacionais no campo ambiental, tendo sido um dos países que apresentou maior avanço no cumprimento de metas do Acordo de Paris e da Agenda 2030”.

Sobre as queimadas, o Itamaraty disse que “várias iniciativas do governo, como a Operação Verde Brasil, aumentaram o nível de combate a queimadas e a crimes ambientais no Brasil”.

Perguntado se as ameaças de boicote a produtos brasileiros preocupam, o ministério respondeu que “não houve, nem há, qualquer boicote a produtos brasileiros.”

Em outubro, Bolsonaro fez uma viagem a Pequim, capital da China, onde manteve reuniões com empresários, com o presidente chinês, Xi Jinping, e outros políticos do Partido Comunista.

Dessa vez o governo demonstrou, segundo analistas internacionais, pragmatismo e colocou o interesse comercial brasileiro acima das posições ideológicas. Teria sido uma vitória da chamada ala pragmática do governo Bolsonaro, formada pelos militares e a área econômica.

Há 10 anos, a China é o principal parceiro comercial do Brasil no mundo. E mais: as trocas com os chineses é superavitária para o lado brasileiro. Isso significa que o Brasil tem exportado mais para a China do que importa de lá. Ou seja, mais dinheiro entra do que sai.

Mas, em outubro de 2018, um discurso de campanha de Bolsonaro virou manchete no mundo todo, quando ele disse que a “China está comprando o Brasil”. Houve uma preocupação de que o governo, com Bolsonaro presidente, fosse romper ou reduzir as relações com os chineses.

Esse temor se reforçou com a aproximação de Bolsonaro com Trump logo no início de 2019. Será que o Brasil tomaria partido na guerra comercial entre China e Estados Unidos?

Apesar da retórica inicial do presidente, o que se viu na prática foi diferente. O vice-presidente, Hamilton Mourão, visitou a China em maio para assegurar que o Brasil tem interesse em manter relações comerciais próximas com o país asiático. Em outubro, foi a vez de Bolsonaro, que foi recebido por Xi Jinping com honrarias máximas em Pequim.

No encontro, os dois líderes assinaram 11 acordos comerciais, entre eles, o que libera a carne processada brasileira para a China. E, em vez de declarações de desconfiança sobre a China, Bolsonaro defendeu uma presença maior de investimentos e empresas chinesas no Brasil.

“É do interesse da China e nosso também (aumentar investimentos). Faremos contatos necessários para que seja ampliado o nosso comércio. (A guerra comercial) não é briga nossa. Nós queremos nos inserir, sem qualquer viés ideológico, nas economias do mundo”, disse o presidente em coletiva, na capital chinesa.

Para o professor Marcus Vinicius de Freitas, da Universidade de Relações Exteriores da China, em Pequim, o governo deveria ter priorizado, desde o princípio, as relações com a China e não com os Estados Unidos. Na avaliação dele, o Brasil tem muito mais a ganhar com os chineses em termos de comércio e atração de investimentos do que com americanos e europeus.

‘O governo brasileiro descobriu tardiamente que o parceiro que o Brasil deveria ter afagado desde o primeiro momento e que corresponde às suas necessidades é a China’, diz o professor Marcus Vinicius de Freitas
Isso porque os produtos que o Brasil exporta, commodities em particular, encontram na China um mercado mais receptivo. Além disso, o gigante asiático continua em expansão e tem interesse em investir em infraestrutura e petróleo no mundo todo. Poderia ser, portanto, potencial fonte de investimentos diretos no Brasil.

“O governo brasileiro, ao concentrar sua política nessa aproximação de cunho ideológico com os EUA, abandonou o princípio fundamental das relações internacionais, que é a preservação do interesse nacional. Em matéria de política externa, você não tem amigo nem inimigo, somente interesses”, disse à BBC News Brasil.

“Nesse sentido, o governo brasileiro descobriu tardiamente que o parceiro que o Brasil deveria ter afagado desde o primeiro momento e que corresponde às suas necessidades é a China.”

Na mesma época da viagem à China, Bolsonaro passou pela Arábia Saudita, um dos países mais poderosos do Oriente Médio e grande aliado dos Estados Unidos. A viagem foi vista, também, como um sinal de pragmatismo, mas também foi alvo de críticas já que o país árabe está envolvido em uma série de polêmicas ligadas a violações aos direitos humanos, como perseguição a oponentes políticos e execuções.

Também chamou a atenção o fato de o Brasil ter votado junto com alguns países de maioria islâmica na ONU em questões relacionadas a família e sexo. O Brasil não tem aceitado mais, por exemplo, termos como “gênero” e “direito reprodutivo”, em resoluções das Nações Unidas.

Após cogitar que Brasil fosse representado apenas por embaixador brasileiro, Bolsonaro enviou o vice-presidente, Hamilton Mourão, para a posse de Alberto Fernandez na Argentina
Outro episódio que deu o que falar na política externa brasileira foi a ausência do presidente Jair Bolsonaro na posse do peronista Alberto Fernández como presidente da Argentina e de Cristina Kirchner como vice. Durante o processo eleitoral, Bolsonaro fez repetidas críticas públicas a Fernández, o que foge da tradição brasileira de se manter neutro nas disputas eleitorais dos países vizinhos.

Ele chegou a dizer que uma eventual vitória do candidato de esquerda colocaria a Argentina em risco de “virar Venezuela”.

“Povo gaúcho, se essa ‘esquerdalha’ voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter, sim, no Rio Grande do Sul, um novo Estado de Roraima. E não queremos isso: irmãos argentinos fugindo pra cá”, disse.

O peronista foi eleito em primeiro turno, derrotando Mauricio Macri, aliado do presidente brasileiro. Bolsonaro inicialmente pretendia mandar somente o embaixador brasileiro em Buenos Aires para a cerimônia de posse. Após pressão do setor militar e econômico do governo, decidiu enviar o vice-presidente, Hamilton Mourão.

De qualquer fora, é a primeira vez em 17 anos que um presidente brasileiro não comparece à posse de um presidente argentino.

Mas será que isso vai afetar a nossa relação com a Argentina, que está entre os cinco maiores parceiros comerciais do Brasil e é o maior comprador das nossas commodities?

Para a professora Fernanda Magnotta, da FAAP, interesses econômicos devem prevalecer sobre a retórica.

“Muita gente aposta que, apesar dessa retórica contestatória, vai haver uma moderação desse discurso e um enquadramento do governo Bolsonaro pela dinâmica econômica que se impõe. A Argentina está no top 5 do comércio com o Brasil e tem papel importante no Mercosul”, diz.

“Com Fernández ou sem Fernández, a Argentina continua impactando muito nossa economia. Então, num momento em que a gente não está podendo se dar ao luxo de escolher parceiros, a gente vai ter que se adequar. Acho que deve acontecer um processo progressivo de normalização.”

BBC