Conheça o miliciano morto ligado aos Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Filho de um comerciante e de uma dona de casa de classe média baixa da Zona Norte do Rio de Janeiro, Adriano Magalhães da Nóbrega desde criança tinha fascínio por armas de fogo. Passou a infância entre Sampaio, na Zona Norte do Rio, onde morava com os pais e duas irmãs, e Cachoeiras de Macacu, para onde o pai se mudou. Adriano cresceu andando a cavalo num haras onde seu pai, José, morava. Tratava-se de uma pequena casa na propriedade, numa área dominada por bicheiros — criminosos que ganham dinheiro com a exploração de jogos de azar, como bingos, máquinas caça-níquel e jogo do bicho. O haras pertencia a Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, um dos maiores contraventores do Rio à época. O local era administrado por seu melhor amigo e braço direito, Rogério Mesquita — que cuidava das propriedades do chefe e aliava o crime à pecuária. Adriano se referia a Mesquita como “padrinho” e por ele era tratado como “afilhado”.

Apesar da proximidade com a contravenção, Adriano, então com 21 anos, decidiu exercitar sua paixão por armas ingressando na Polícia Militar, onde logo ficou conhecido como Maromba, pelo porte atlético e pela energia para atividades físicas. Com apenas três anos de corporação, passou para o Curso de Operações Especiais (Coesp), entrando no batalhão de elite da corporação, o Bope, como o quadro mais promissor da unidade.

No batalhão, os feitos de Maromba ainda hoje são contados como lendas. Conseguia montar um fuzil inteiro em minutos. Sentia prazer em fazer investidas de madrugada nas favelas cariocas para apreender armas e bandidos. Um colega contou que, quando não havia alguma ação programada, o então tenente fazia incursões por conta própria. “Ele pegava uma kombi e poucos praças, enchia de armamento e entrava, sem fazer alarde, em comunidades do Rio no meio da madrugada. Essas ações quase sempre terminavam em apreensões e mortes”, relatou o policial. Ao treinar outros tenentes do grupo especial, tornou-se célebre pela crueldade e violência com que conduzia o programa. Mas, a despeito da truculência, era visto internamente como o maior de todos os caveiras. Um herói.

Com o passar dos anos, suas condecorações internas se empilharam. Foi premiado como oficial do mês, ganhou uma medalha depois de participar de uma operação no Morro da Coroa, no centro do Rio, que terminou com a apreensão de quatro fuzis, e recebeu honrarias em suas passagens pelos batalhões da Ilha do Governador e da Tijuca, entre 1999 e 2003. Em 2001, a PM do Rio investiu alto no profissional, custeando um curso em São Paulo para snipers e outro de Operações Táticas, da Secretaria Nacional de Justiça.

Os aplausos e honrarias, no entanto, não foram suficientes para impedir que Adriano desvirtuasse sua trajetória promissora na PM. Em 2003, com apenas sete anos na corporação, foi alvo de uma série de suspeitas de irregularidades nas operações que comandava, o que acarretou sua saída do Bope. Foi então transferido para o batalhão do bairro de Olaria, na Zona Norte, e lá seu currículo foi oficialmente manchado. O que antes eram apenas suspeitas de abusos e torturas contra moradores de comunidades se provaram reais. O Grupamento de Ações Táticas (GAT) da unidade que o capitão comandava ficou conhecido como “guarnição do mal” pelas favelas do bairro. Os policiais sequestravam, torturavam e extorquiam moradores em troca de dinheiro. Uma investigação da PM identificou pelo menos três vítimas do grupo chefiado por Adriano em 2003. Uma delas era Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, que foi executado logo depois de denunciar que havia sido agredido. O Maromba se tornara vilão.

Adriano chegou a ser preso e foi condenado, mas o júri popular foi anulado em segunda instância. Ainda encarcerado, ele deixou de receber aplausos da corporação, mas passou a ser homenageado na política, especificamente pela família Bolsonaro. Ganhou do então deputado estadual Flávio Bolsonaro a maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a Medalha Tiradentes, e foi elogiado pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, que o chamou, em discurso na Câmara, de “brilhante oficial” e prometeu agir para “reparar a injustiça” que havia sido cometida contra ele. Até aquele momento, nenhum PM despertara tanta devoção pública da família Bolsonaro.

Preso no Batalhão Especial Prisional, Nóbrega teve a certeza de que seu fascínio por armas não significava, automaticamente, vocação para a polícia. Foi ali que ele começou, de fato, a trabalhar para o crime. Com a morte do bicheiro Maninho, em 2004, deu-se uma briga entre suas filhas e seus genros pelo espólio da herança. Seu “padrinho”, Rogério Mesquita, que administrava parte dos bens do bicheiro, precisava de proteção. Da prisão, Adriano indicava policiais militares (quase todos do Bope) para desempenhar a função de seguranças para a quadrilha. Ganhava uma mesada de R$ 5 mil pelo trabalho. Foi nessa mesma época que Adriano pediu a seu colega de batalhão, Fabrício Queiroz, que desse cargos no gabinete de Flávio Bolsonaro a sua mãe, Raimunda, e sua mulher, Danielle. Segundo Queiroz, o oficial estaria passando por “dificuldades financeiras”. Soube-se, depois, que ambas não receberam seus salários por completo e tampouco trabalharam para o gabinete. As duas são investigadas por repassarem parte de seus salários para Queiroz, no esquema conhecido como “rachadinha”.

Quando foi solto, em 2006, Adriano virou homem de confiança da turma do falecido Maninho. Tinha, portanto, uma vida dupla: trabalhava oficialmente na PM e, por fora, cuidava pessoalmente da segurança de um dos genros do criminoso, que era conhecido como Zé Personal. “Cuidar da segurança” significava matar adversários de seu chefe. Ao detectar o talento de Adriano para o crime, Zé Personal ofereceu-lhe muito mais do que os R$ 5 mil que ganhava na cadeia de seu “padrinho”, Mesquita. O policial passou a ter não só dinheiro, como também prestígio no bando — algo que Mesquita nunca lhe oferecera. Após 2007, a mando de Zé Personal, Adriano foi apontado como autor de mais de uma dezena de homicídios ligados a disputas entre contraventores. Apesar dos depoimentos que o acusavam de assassino, sua conduta não era investigada em nenhuma instância. Em 2008, foi promovido a capitão.

Em um dos relatos feitos à Justiça, uma testemunha afirmou que Adriano tinha um modus operandi para cometer “crimes perfeitos”: “Ele usa um fuzil com a coronha cortada e se coloca no banco de trás do veículo, de forma que posiciona somente o cano da arma para o lado de fora, evitando assim que as cápsulas deflagradas sejam ejetadas para fora do veículo e tirando a materialidade de um confronto de balística”, explicou o comparsa de Adriano à polícia.

Com poder e dinheiro, Adriano foi escalado por Zé Personal para matar seu “padrinho”, Rogério Mesquita. Aceitou a missão. O atentado ocorreu num haras, no interior do Rio, em junho de 2008. Na ocasião, um grupo de policiais chefiados por Adriano interceptou o carro de Mesquita e disparou em direção ao veículo, onde também havia mulheres e crianças. Os alvos não foram mortos. À polícia, uma testemunha afirmou que chegou a perguntar a Adriano por que eles haviam exposto mulheres e crianças ao risco — coisa incomum no modus operandi do grupo. O capitão então respondeu: “No Iraque, quando se quer matar uma pessoa, explode-se um quarteirão inteiro. É a lei do cão”.

Depois da tentativa, Mesquita foi à polícia contar o que sabia sobre Adriano e todo o seu grupo. A partir do relato do criminoso seguiu-se uma investigação que prosperou. No entanto, já durante o julgamento, várias testemunhas-chave voltaram atrás em seus depoimentos e o capitão não foi responsabilizado. Em Cachoeiras de Macacu, o pai de Adriano havia se apossado das terras do amigo Mesquita e avisava a quem se aproximasse que, se não o deixassem em paz, chamaria o filho matador. Mesquita terminou assassinado em 2009. A pilha de crimes e a repercussão interna do julgamento não serviram para condenar Adriano, mas tornaram sua permanência na PM insustentável. Foi aberto um processo administrativo para expulsá-lo e, em 2014, o matador foi excluído da corporação e caiu na clandestinidade.

Como sua fama já havia extrapolado a contravenção e todos sabiam se tratar de um pistoleiro, o agora ex-PM passou a fazer fortuna como assassino de aluguel: Adriano transformou a atividade de pistolagem num negócio, arregimentando matadores para executarem os “serviços”. Cobrava R$ 200 mil por cada operação bem-sucedida. Assim foi criado o Escritório do Crime, formado, inicialmente por ele e outros dois ex-PMs que trabalharam para contraventores. A quadrilha foi batizada em referência ao local onde os integrantes se encontravam: um bar na favela de Rio das Pedras, chamado de “escritório” pelos matadores.

O grupo cresceu e é investigado por uma série de execuções, entre elas a do então presidente da Portela Marcos Vieira de Souza, o Falcon, em 2016, e a do PM reformado Geraldo Antonio Pereira, em 2015 — ambas à luz do dia, com uma série de disparos. Se nenhuma das mortes levou Adriano ao banco dos réus, uma descoberta feita pelo Ministério Público colocou o ex-PM sob os holofotes novamente: em janeiro de 2019, o ex-capitão foi alvo da Operação Intocáveis, que investigou a milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio. A apuração revelou que Adriano explorava a grilagem de terras e a venda de apartamentos em áreas invadidas por milícias.

Foragido, o ex-PM saiu do Rio e passou a viver em fazendas que comprou no Nordeste, onde criava gado e cavalos de raça — reproduzindo o ofício de Mesquita, o “padrinho” cuja morte ele encomendou. Nesse período, Adriano dizia a parentes que tinha medo de ser morto como “queima de arquivo”. Mesmo assim, não cogitou se entregar. Adriano leva para o túmulo informações que poderiam desvendar uma série de crimes. Três dias depois de sua morte, o hoje senador Flávio Bolsonaro fez uma postagem em uma rede social pedindo que se investigue a hipótese de o ex-PM, o maior matador de aluguel do Rio de Janeiro, ter sido “brutalmente assassinado”.

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