Justiça eleitoral não quer saber da Lava Jato

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Foto: Reprodução

“A Justiça Eleitoral não foi pensada para julgar crimes comuns”. A declaração é do chefe da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, Sérgio Monteiro Medeiros. Nesta área da Justiça, estão os mais relevantes desdobramentos da Operação Lava Jato paulista, que envolvem o alto escalão do tucanato, além de ex-prefeitos. Com as eleições, o prognóstico de Medeiros é de que haverá prejuízo aos inquéritos, já que o pleito é tido como prioridade. “O fato eleitoral é a grande vedete no momento. É quem merece toda a atenção”.

Duas decisões do Supremo Tribunal Federal contribuíram para concentrar todos os mais importantes casos da Operação Lava Jato de São Paulo nas mãos de um só promotor eleitoral. Em junho de 2018, os ministros decidiram restringir foro privilegiado para crimes cometidos durante o atual mandato. Em março de 2019, por um apertado 6 a 5, a Corte decidiu que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro devem ser julgados pelas Varas Eleitorais.

Com isso, casos que pertenceriam a uma força-tarefa de 11 procuradores no Ministério Público Federal de São Paulo, preparada para receber, por exemplo, as delações da Odebrecht, foram parar nas promotorias eleitorais. Em outra via, com as novas regras do foro, a maior parte dos casos desceu para o primeiro grau de jurisdição, e se concentrou na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, onde apenas um promotor é titular.

Delações da Odebrecht que citam R$ 52,4 milhões para campanhas do senador José Serra (PSDB), R$ 10,3 milhões a candidaturas do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), e R$ 10 milhões a Michel Temer e outros emedebistas, estão nas mãos da Promotoria Eleitoral.

Há também um inquérito envolvendo uma suposta mesada de R$ 350 mil da J&F ao ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) – casos envolvendo Kassab e a Odebrecht são alvo de investigação da PF e sua defesa briga para que fiquem sob competência da Justiça Eleitoral. O casal João Santana e Mônica Moura também delatou R$ 20 milhões para campanhas do ex-prefeito Fernando Haddad (PT).

Até o momento, apenas um caso da Lava Jato em São Paulo foi sentenciado, o de Fernando Haddad (PT). O petista foi condenado a 4 anos e 6 meses de prisão. A denúncia era de caixa dois de R$ 2,6 milhões da UTC. A Justiça considerou que o petista se omitiu ao permitir notas frias em sua campanha. Para o procurador regional eleitoral, que analisou a apelação de Haddad ao TRE, a falha não necessariamente configura crime.

Um caso eleitoral da Lava Jato de São Paulo já prescreveu. Trata-se da delação da Odebrecht envolvendo José Serra (PSDB). O inquérito trazia depoimentos de três empreiteiras, um banqueiro que admitia gastos com a campanha do tucano no exterior, além de informações sobre a conta de R$ 100 milhões atribuída ao ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza. Chegou natimorto à Justiça Eleitoral de São Paulo, após a Segunda Turma do STF enviar o caso com a prescrição decretada para fatos anteriores a 2010 – período mais abrangido pelas delações.

Além de concentrar todos estes casos em apenas uma zona eleitoral, o único promotor a cuidar do caso tem apenas dois anos de mandato, o que, segundo procuradores ouvidos pelo Estado, também atrasa as investigações.

No caso de São Paulo, o titular da 1ª Zona Eleitoral é Fábio Bechara. Ele assume a vaga até 2022. A escolha passa pelo crivo do Procurador-Geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, e também pelo procurador regional Eleitoral Sérgio Monteiro de Medeiros.

Dois promotores chegaram a representar ao Conselho Nacional do Ministério Público contra Bechara, pelo fato de ele ter sido assessor, entre 2013 e 2014, do então secretário de Segurança Pública Fernando Grella – que é procurador de Justiça -, durante o governo Alckmin (PSDB). O colegiado negou por entender que ‘não há indícios de parcialidade’ e que a representação dos promotores ‘não se amolda às hipóteses legais de impedimento para o exercício da função eleitoral’.

Em 2020, com as eleições municipais, Bechara também ficará dividido entre o trabalho de fiscalizar o pleito e tocar os desdobramentos do maior escândalo de corrupção do País.

Ao Estado, o procurador Sérgio Monteiro de Medeiros admite que há novos riscos de prescrição de processos e os atribui à carga trazida pelas eleições. “Sempre há. Como eu lhe digo, a Justiça Eleitoral trabalha dentro das suas possibilidades. Temos a eleição. O que você tem que fazer durante o período eleitoral? Você tem que garantir a realização da eleição”.

De outro lado, apesar de entender que a decisão do Supremo Tribunal Federal deve ser cumprida, Medeiros é convicto de que a Justiça Eleitoral não deveria julgar crimes comuns. “Então, quando é remetida toda essa matéria conexa à Justiça Eleitoral, que não é uma justiça que foi pensada para isso. Nós podemos, e entendo que nós podemos ter dificuldade para o andamento dessas ações”. Mesmo assim, afirma que a Promotoria será reforçada para atender a demanda.

O chefe da Procuradoria Eleitoral sai em defesa do promotor que vai conduzir os processos. “O fato é que ele desenvolveu um cargo técnico de assessoramento. Há essa possibilidade dentro da lei do MP e é isso que ele estava fazendo”.

LEIA A ENTREVISTA:

Estadão: O que vai acontecer com a Lava Jato na Justiça Eleitoral?

Sérgio Monteiro de Medeiros: Eu acredito que há uma vontade de cumprir a decisão do Supremo. Agora, a Justiça Eleitoral é uma Justiça voltada para os fatos da eleição. E, é preciso lembrar que nós temos eleição no Brasil a cada dois anos. E, quando ocorrem as eleições, como nós estamos na iminência de vivenciar uma nova, uma eleição municipal, nós temos que viver durante um determinado período que antecede as eleições e que vem após as eleições até a diplomação, nós temos que viver o fato eleitoral. Então, só por aí, já se vê que há um prejuízo para o andamento dos processos criminais.

Agora, do que Justiça Eleitoral basicamente se ocupa? Do fato eleitoral – aquele que tem uma relação direta com a eleição. É abuso de poder, influência de poder político, representações do artigo 30-A da lei 9.504 [Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos], doação acima do limite nas eleições, a prestação de contas.

E, tem aquele subproduto que é o crime eleitoral. Mas, crime eleitoral é muito voltado também ao fato eleitoral. O caixa dois, a boca de urna. Temos também a denunciação caluniosa, em matéria eleitoral 326-A. É tudo muito relacionado à matéria eleitoral. Então, quando é remetida toda essa matéria conexa à Justiça Eleitoral, que não é uma Justiça que foi pensada para isso… Nós podemos, e entendo que nós podemos ter dificuldade para o andamento dessas ações, mas decisão do Supremo não se discute, se cumpre. A Justiça Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral estão dando o seu melhor no sentido de dar cumprimento a isso. Agora, se é o melhor foro para tratar dessas matérias, a minha parece que não, mas nunca nem jamais, isso é nem de longe uma discussão sobre a decisão do Supremo. Decisão judicial se cumpre, ainda mais quando se trata de decisão do Supremo.

Estadão: O ano eleitoral divide a atenção da Promotoria com casos da Lava Jato?

Medeiros: Divide. Enquanto não estamos trabalhando exclusivamente na matéria relacionada às eleições, divide a atenção. Um processo que sobe, que tem um alto grau de complexidade em matéria criminal, você às vezes tem os melhores esforços do promotor, do procurador, da equipe que lhes assessora, para lidar com esse processo. Você vai ignorar o resto todo? Você não vai ignorar, mas se é de tal grau de complexidade, você tem que envolver sua melhor equipe nisso. Então, tem um reflexo grande sim. Tem sim um reflexo grande, né?

Você acaba, porque infelizmente os meios são sempre aquém do desejado, você começa a viver em função do processo, e isso não é bom, porque tem às vezes que sair na frente, pensar o que eu posso trabalhar em termos de inclusão de mulheres, deficiente, só que essas pautas que são pautas de interesse da sociedade, elas ocorrem dentro do período que você tem disponível e que você não estiver preso e atrelado ao processo. É fatal, não há como. O tempo é limitado. É sempre muito curto, então temos que atuar dessa forma. Tentando avançar mas trabalhar sempre os processos. Processo para o MP, que é parte, tem prazo.

Estadão: Há risco de prescrição?

Medeiros: Sempre há. Como eu lhe digo, a Justiça Eleitoral trabalha dentro das suas possibilidades. Porque nós temos a eleição. O que você tem que fazer durante o período eleitoral? Você tem que garantir a realização da eleição. Um controle do abuso do poder político, de fake news, propaganda irregular. Você tem que priorizar isso. Porque o foco ali é a eleição. Então, você vai atuar no resto na medida das possibilidades. O fato eleitoral é a grande vedete no momento. É quem merece toda a atenção.

Estadão: Há reforço das zonas eleitorais?

Medeiros: O que a gente espera, por exemplo, em termos de capital, qual é a primeira preocupação sempre?A primeira zona. A zona registradora, para onde desceram muitos processos da Lava Jato. Há um olhar especial da Procuradoria Regional Eleitoral, da Procuradoria-geral de Justiça para esta zona. O promotor está há pouco, entrou em dezembro na 1ª zona. Mas é um promotor com larga expertise. Estamos absolutamente tranquilos. O Dr. Fabio está recebendo apoio da PGJ no sentido de pessoal. E a equipe vai se reforçar com a vinda de outros promotores eleitorais para reforçar o time da primeira zona e isso vai garantir o bom funcionamento da eleição. Vai funcionar bem.

Estadão: O promotor Fábio Bechara foi questionado por colegas no Conselho Nacional do Ministério Público por ter atuado em governos do ex-governador Geraldo Alckmin. Como o senhor vê essa questão?

Medeiros: O DR Fábio foi impugnado perante mim por um promotor, não lembro o nome. Eu rejeitei a impugnação porque o que nós entendemos é que ele [promotor] dizia que ele [Fábio Bechara] tinha sido um cargo político, por que seria substituto do secretário, e ele não era isso, ele era um cargo técnico de assessoramento. Então, nessa condição de estar ocupando uma função técnica, não nos pareceu que houvesse qualquer impacto no exercício da função eleitoral. Você não pode, a priori, considerar que a pessoa está suspeita. Já que ele desenvolvia um cargo técnico de assessoramento e inclusive a um ex-membro do Ministério Público Estadual.

Estadão: Ele foi escolhido pelo secretário?

Medeiros: Sempre é. O fato é que ele desenvolveu um cargo técnico de assessoramento. Há essa possibilidade dentro da lei do MP Estadual de São Paulo e é isso que ele estava fazendo.

Estadão: Mas, ao voltar ao Ministério Público e investigar pessoas de um governo do qual ele fez parte não ficaria suspeito?

Medeiros: Não, porque aí teríamos de fazer um filtro ideológico, entendeu? E nós não podemos realizar filtro ideológico. A premissa que o promotor, o juiz, eles têm sempre que agir com isenção. Agora, se você tem manifestações, e hoje as redes sociais são um grande campo de investigação disso, e aí o promotor vai pra rede e qualifica A, B, e C, assim e assado. Isso é filtro ideológico? Não! Isso o promotor quando faz ele está demonstrando um viés político indesejável para a função.

E nós tivemos casos aqui e que o Dr. Luiz Carlos recusou a indicação de promotores, eles entraram com mandado de segurança e perderam. Isso é possível. No caso do Dr Fábio, eu não vi nada, ele tem um currículo invejável, e eu não vou estabelecer a priori que o Dr Fábio está de alguma forma maculada a imparcialidade dele. Eu não tenho nenhum elemento pra isso. Acho que foi adequada a indicação e a designação.

Estadão