Proximidade com Bolsonaro era motivo de perseguição a miliciano

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Foto: Reprodução

Policiais militares de um grupamento que ficou conhecido como “guarnição do mal” em 2003, e que inclui o ex-capitão Adriano da Nóbrega, foram visitados na prisão mais de uma vez pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro quando respondiam criminalmente por homicídio, tortura e extorsão. A declaração foi feita ao GLOBO pelo vereador Ítalo Pereira Campos (Avante), conhecido como Ítalo Ciba, um dos integrantes do grupo acusado pela execução de um homem que havia denunciado os policiais à corregedoria da Polícia Militar, em Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio.

Segundo o vereador, o ex-capitão do Bope, morto há duas semanas na Bahia, frequentava o gabinete a convite de Fabrício Queiroz, ex-chefe da segurança de Flávio. Ciba também afirmou que concorda com a descrição feita pelo presidente Jair Bolsonaro, no último sábado, quando chamou Adriano de “herói”.

Por que o senhor e o capitão Adriano da Nóbrega foram homenageados pelo vereador Carlos Bolsonaro e pelo então deputado Flávio Bolsonaro em 2003?

Foi por bons serviços prestados ao Rio de Janeiro. (Homenagearam) a guarnição inteira porque já me conheciam. Não sei de quem foi a iniciativa. Não tenho só uma moção, não. Tenho mais de dez, até de deputados que não me conheciam. Eu sou uma lenda viva na polícia. Nunca me escondi do trabalho. E o capitão Adriano também trabalhou muito, deu muito de si pelo estado.

Alguma vez Adriano contou como conheceu os Bolsonaro?

Não. Mas eu conheci Jair, Flávio, Eduardo bem antes do Adriano. Jogando bola, de infância. Magalhães Bastos, Vila Militar (bairros da Zona Oeste do Rio). Joguei bola com Flávio, Carlos, Eduardo. Eduardo, eu vi criança. Logo depois que ele (Jair Bolsonaro), saiu (do Exército). Eu já era policial.

“Eu sou uma lenda viva na polícia”

O senhor conheceu o Fabrício Queiroz também?

Conheci. Vira e mexe eu via (Queiroz) no gabinete do Flávio, ou com o Jair. Eu tenho obra de saneamento com Jair Bolsonaro. Foi logo depois que caiu aquele Morro do Bumba.

“Joguei bola com Flávio, Carlos, Eduardo. Eduardo, eu vi criança”

Mas voltando ao futebol. O senhor disse que jogava bola com eles.

Quando ele (Jair Bolsonaro) separou da Rogéria, ficaram brigados. Eu que uni. Carlos, Flávio e o Eduardo, que moravam com a mãe. Eles não se davam. Eu fiz o futebol, um churrasco no meu terreno, chamei eles para um churrasco e para jogar bola. Quando acabou o futebol, o pai estava lá, eles chegaram. Voltaram a se falar a partir dali. Por que nós, amigos do presidente, vamos ser perseguidos? É o que Adriano falou uma vez pra mim. Estamos sendo perseguidos porque somos amigos do presidente.

Mas então isso é recente né?

Foi de passagem, esbarrei com ele no shopping. Ele falou assim mesmo pra mim: “Estamos sendo perseguidos porque somos amigos do presidente”. Não era presidente ainda não, devia ser deputado, candidato a presidente.

E o que mais ele disse?

Ele falou para mim que estava no recurso (para não ser expulso da PM). Na minha época, o secretário de Segurança não podia botar oficial na rua. Era outro órgão que julgava. Foi uma perseguição política comigo. Com o Adriano, já foi perseguição pessoal do (ex-secretário José Mariano) Beltrame. Ele estava preso, saiu, chamaram ele para conversar, não sei o que eles queriam. Acho que Adriano não fez o jogo deles, aí começou a perseguição. Colocaram o Adriano na rua. O estado perdeu, o povo perdeu.

“Colocaram o Adriano na rua. O estado perdeu, o povo perdeu”

Como Adriano conheceu Bolsonaro?

Aí não sei. Sei que ele se dava muito bem com o Flávio, devido ao (Fabrício) Queiroz. Queiroz trabalhou com Adriano lá atrás. Eu sei que o Queiroz, de vez em quando, chamava o Adriano para ir lá no gabinete. Ele (Adriano) ia no gabinete e, quando nós estivemos presos, o Flávio foi lá visitar a gente.

Flávio foi visitar lá?

Foi, foi.

Mais de uma vez?

Mais de uma vez. Ele bateu de frente quando nós dois fomos transferidos, naquela covardia que fizeram com a gente. A gente estava estava no (Batalhão de) Choque, o BEP (Batalhão Especial Prisional) não existia ainda. Depois criaram o BEP, fiquei três meses lá. A partir daí, o Flávio tomou a frente.

Quando foi a primeira vez que o senhor viu Bolsonaro?

Se não me engano foi na primeira campanha dele para deputado. Ele ia nos quartéis, batalhões e na Vila Militar. Jogamos (futebol) no campo do coronel Garcia e também dentro da Polícia Militar, lá no Cefap (Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças). Queiroz também jogou. Eu não tinha amizade com ele, só o encontrava no futebol, quando estava com Jair ou Flávio. Eu vi o Carlos moleque. Foi antes, ele não era vereador ainda.

O processo que o senhor respondeu com o Adriano terminou com o primeiro júri anulado. O que aconteceu?

Eu fui absolvido. Eu era o acusado direto, eles eram partícipes, estavam junto. Só que entraram no julgamento antes de mim. Foram condenados. Só que aí quando chegou a minha vez, como autor, eu fui absolvido. Como é que existem pessoas condenadas se a autoria da execução está absolvida? Fui acusado de ser o autor do tiro contra o flanelinha. Pilantra, vagabundo.

E depois?

Tomamos pressão de tudo que é lado. Dois promotores que iam me julgar faziam questão de dar 30 anos em mim. Em troca, (Anthony) Garotinho (então secretário de Segurança) disse que indicaria os dois para desembargador. Só que o autor do disparo apareceu. Estava do meu lado. Era o (Alexander) Duarte (outro colega do GAT).

A corregedoria investigou e acusou o senhor e seus colegas de torturar, extorquir R$ 1.000 e matar o guardador de carros…

Ele (o guardador de carros) fez a queixa, mas não apontava quem eram os responsáveis. Aí colocaram na nossa conta isso. Conheço o processo de cabo a rabo. Como já disse, o Duarte admitiu que foi ele que deu o tiro. Estavam cercando a gente, Duarte adiantou e pegou o cara correndo. Só atravessei pra ver se ele estava vindo ainda e pedi pra vir uma viatura para socorrer.

Mas o relatório da Corregedoria diz que ele morreu na hora.

Eu não sou médico. A gente ainda estava na ocorrência. Havia uma perseguição a outros baleados. Não podíamos preservar o local porque tinha gente baleada ainda, estávamos numa troca de tiros.

“Se eu tiver de frente para o Garotinho, vou quebrar os dentes dele. Pode gravar isso”

Mas também não tem registro de troca de tiros.

Tem bom corregedor e ruim corregedor. Quando foi fazer a ocorrência, já entramos como acusados, e a ocorrência foi feita como o delegado quis. Não fizeram auto de resistência, fizeram execução. Se você pegar o processo, vai ver que lá na frente a perícia constatou que houve tiros dos dois lados. Parede furada, carro furado. Foi muito tiro. Se eu tiver de frente para o Garotinho, vou quebrar os dentes dele. Pode gravar isso.

O que Adriano falou quando saiu da prisão?

Ele falou que estava sendo perseguido pelo (José Mariano) Beltrame (ex-secretário de Segurança do Rio). Não passou pra mim qual foi a conversa, mas falou: “Ítalo, vou chegar a coronel. Ele não vai me prejudicar. O que ele quer, não vou fazer. Vou mostrar que sou homem, não sou moleque”.

“Ele (Ronnie Lessa) importava, montava (o fuzil), isso é dinheiro, pô”

Adriano foi expulso da PM por envolvimento na máfia de caça-níqueis. O senhor sabia?

Estão dizendo isso, mas para mim ele nunca falou, nunca vi Adriano envolvido nisso. O que sei do Adriano era que trabalhava com uma empresária, e agora sabemos que ela era do jogo do bicho. Eu não sabia. Ele até chegou a dizer para mim que tinha encontrado uma pessoa do mesmo ramo que ele. Aí passou a fazer segurança dela, não sei se ele se envolveu ou não (com o crime).

O senhor conheceu Ronnie Lessa?

Conheci. Quando entrei no 9º BPM, ele estava saindo. Aí logo depois teve o acidente (que resultou na amputação de uma de suas pernas). Não tive relação de amizade. Mas era sempre elogiado, (diziam que era) moleque bom. Existem os caras homens, existem os pilantras.

O senhor acredita no envolvimento dele com a morte da vereadora Marielle Franco?

Tem que provar. Não acredito (que matou Marielle).

Lessa era da milícia? Por que acredita que ele tinha fuzis desmontados?

Ele tinha 200 de peças fuzis. Ele importava, montava (o fuzil), isso é dinheiro, pô. Não sei para quem ele vendia. Tem que perguntar para ele. Podia estar vendendo esses fuzis para a milícia. Aí tem que perguntar para ele. Esse papo de “disseram, falaram”, é vago.

O Globo