Após ter sido “bolsodoria”, governador de SP quer ser “anti Bolsonaro”

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Foto: Governo de SP/Divulgação

A crise do coronavírus antecipou em dois anos a estratégia do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de se apresentar ao Brasil como o anti-Bolsonaro.

Pelo planejamento do tucano, a oposição aberta ao presidente seria deflagrada mais perto da eleição de 2022.

A pandemia atropelou essa previsão, e o governador abraçou com gosto a oportunidade de ser um contraponto de Bolsonaro desde já.

Defesa da transparência, menções elogiosas à imprensa, chamados por cooperação e exaltação da ciência têm sido pontos frequentes no receituário do governador.

A comparação com o presidente ríspido com jornalistas, que ataca governadores e ignora a orientação de especialistas é inevitável.

Doria orientou sua agenda 100% em função da pandemia, com o controle obsessivo que é sua marca registrada.

Das 9h às 10h, ele se reúne no Bandeirantes com o comitê que lida com a doença.

Diariamente, recebe um relatório da consultoria americana Deloitte, com uma análise sobre o número de casos no mundo e cenários futuros. Segundo um auxiliar, o estudo é uma doação da consultoria para o governo.

Depois ele se dedica a contatos com outros governadores e autoridades federais —excluindo, claro, o presidente.

Na segunda (23), participou de videoconferência dos governadores do Sul e Sudeste com o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), em que defendeu que as divisas entre os estados têm de ficar abertas, entre outros motivos para que suprimentos médicos sejam distribuídos a partir de Rio e São Paulo.

O grande momento do dia é a entrevista coletiva das 12h30, no salão principal do palácio, à qual Doria é sempre o primeiro a chegar, sem atrasar. No sábado (21), apareceu até antes e avisou jornalistas impacientes que os demais participantes estavam a caminho.

O horário não é fortuito. Coincide com o SP1, da Rede Globo, que em geral mostra imagens ao vivo da entrevista e áudio de Doria falando.

A audiência do telejornal registrou crescimento expressivo na crise. Na semana de 16 a 21 de março, deu 17 pontos medidos pelo Kantar Ibope na Grande SP (cada ponto equivale a 75 mil domicílios). Antes, a média era de 12 pontos.

Doria fala de um púlpito, que desde o último dia 19 tem uma inscrição com o site do governo sobre o coronavírus.

A ideia foi copiada das coletivas do premiê britânico, Boris Johnson, que tem uma plaquinha no seu púlpito defendendo o National Health Service, o SUS local.

Entre 9 e 18 de março, a audiência do site do governo estadual sobre o vírus foi multiplicada por quase dez, chegando a 340 mil acessos.

Ao lado do governador postavam-se em geral o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, o secretário de Saúde, José Henrique Germann, e o médico David Uip, que coordena o comitê contra o vírus, além de convidados que se revezam.

Em tratamento de câncer, Covas deve se isolar a partir de agora, e Uip pegou a doença e também se afastou.

Na segunda (23), Doria abriu a coletiva falando de transparência duas vezes: a primeira quando anunciou que Uip estava se testando para a doença e depois quando disse que ele próprio poderia fazer o teste.

“Assim que se faz, de forma clara, objetiva e transparente”, anunciou, numa mal-disfarçada estocada no presidente. Nesta terça (24), Doria divulgou o resultado negativo do seu exame, outro contraste com Bolsonaro, que não mostra seu laudo médico.

Doria também fez questão na coletiva de dizer que todos ali estavam num ambiente “arejado, espacejado e dentro das regras sanitárias”. Álcool em gel era borrifado nos microfones usados pelas autoridades e pela imprensa.

Agradeceu aos jornalistas pelo trabalho “sério e isento”.

O grande trunfo até o momento e que deixou Doria mais satisfeito, segundo assessores, foi ter conseguido no Supremo a suspensão do pagamento da dívida do estado com a União por seis meses, para usar os recursos no combate ao coronavírus.

A estratégia foi pensada silenciosamente no último dia 16 e ficou a cargo da procuradora-geral do Estado, Lia Porto.

No domingo veio a decisão favorável do ministro Alexandre de Moraes, poupando R$ 1,2 bilhão mensal aos cofres do estado.

Mais do que isso, gerou precedente para todo o país, dando a Doria um papel de destaque nacional. Bolsonaro acabou estendendo a medida para os demais estados.

“O momento de crise é o que define o governante. O governador está se mostrando uma pessoa com liderança”, diz Marco Vinholi, secretário estadual de Desenvolvimento Regional.

Para o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Eduardo Tuma (PSDB), o contraste é evidente entre a condução da crise por Doria e por Bolsonaro.

“Na crise, para onde vai o governo federal? Depende de com quem você está falando, se com [Luiz Henrique] Mandetta [Saúde], [Paulo] Guedes ou outro ministro. Em São Paulo está tudo concentrado no Doria, ele dá todas as informações numa única direção”, afirma.

Tanto protagonismo, dizem críticos, é sinal claro de que para Doria a corrida eleitoral já começou.

“Ele fica tentando se promover para criar um ponto de antagonismo com o presidente, está na disputa eleitoral desde que sentou na cadeira”, diz o deputado estadual Frederico D’Avila (PSL), aliado de Bolsonaro.

As coletivas bem ensaiadas, afirma o deputado, são exemplo dessa estratégia. “É evento que ele está acostumado a fazer, vender fumaça. Mas governo não vive de evento, vive de ação”, afirma.

Segundo um auxiliar, o próximo desafio de Doria é equilibrar-se no comando do estado e na oposição a Bolsonaro até 2022, agora que os laços foram rompidos.Terminada a crise do coronavírus, será preciso repensar a estratégia política, já que o tucano entrou de vez na linha de tiro do presidente.

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Folha de S. Paulo