Coronavírus já afeta calendários eleitoral

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Foto: Rosinei Coutinho/STF

O avanço do coronavírus no país já começou a afetar o calendário eleitoral deste ano. Ontem, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, decidiu adiar a realização da eleição suplementar no Mato Grosso para substituir a senadora Juíza Selma Arruda (Podemos-MT), que teve o mandato cassado em dezembro. O pleito estava marcado para 26 de abril. A decisão do TSE sobre a disputa no Mato Grosso, apesar de ser um caso isolado, fez com que dirigentes partidários começassem a discutir a possibilidade de adiar, em todo o país, as eleições municipais de outubro se os casos de coronavírus não forem controlados até meados do ano.

Reservadamente, ministros do TSE já demonstram preocupação com o fato de a pandemia atrapalhar a realização das eleições. Um dos temores diz respeito à licitação para a compra de novas urnas, que ainda não foi concluída. Um ministro afirmou ao Valor que muitas peças vêm de fora, inclusive da China, onde a pandemia começou. Outro magistrado ponderou, no entanto, que ainda há muito tempo até outubro: “Estamos longe”.

Em nota, o TSE afirmou que “está atento e analisa o cenário atual com cuidado e atenção”, mas que “até o momento, o calendário eleitoral não sofreu alterações”. “Qualquer mudança nesse cenário será imediatamente informada”, diz o texto. Em relação à licitação das novas urnas, o tribunal afirma que “o processo licitatório das urnas corre normalmente, conforme estabelecido pela legislação vigente”.

A decisão de ontem, de adiar a eleição suplementar, atendeu a um pedido do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT). Não há nova data para o pleito. Em seu despacho, a presidente do TSE afirma que não descarta a possibilidade de que a escolha do novo senador aconteça somente em outubro, junto com as eleições municipais. Segundo Rosa Weber, a pandemia da nova doença exige, “além da adoção de medidas higiênicas, providências tendentes a restringir a aglomeração de pessoas, como ocorre durante a realização de eleições”. Selma Arruda foi cassada por abuso de poder econômico e caixa dois na campanha de 2018.

Lideranças políticas e candidatos temem que as determinações de isolamento social e quarentenas, com o cancelamento de eventos públicos, afetem as campanhas para prefeitos e vereadores, além das convenções e atos partidários.

Um dirigente de uma grande sigla comentou ontem, sob reserva, que o pleito poderá não acontecer. “Temos três cenários. O benigno, da pandemia virar a curva em julho. O intermediário, que é o da doença provocar uma eleição sem campanha. E o extremo, que é o da pandemia persistir até outubro e as eleições forçosamente terão que ser canceladas.” Segundo esse dirigente, os desdobramentos desta hipótese são completamente imprevisíveis. Nunca houve adiamento de eleição por este motivo no País. Não há como dizer, por falta de qualquer previsão legal, se nesta hipótese os mandatos de vereadores e prefeitos poderiam ou não ser prorrogados.

Ontem, o deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC) protocolou um ofício no TSE em que pede à ministra Rosa Weber a prorrogação, por 30 dias, do prazo final para filiações partidárias, que se encerraria em 4 de abril. “O momento exige cautela. Prorrogar o prazo de filiações seria decisão democrática e responsável”, afirmou o parlamentar, que acabara de receber o teste de coronavírus positivo. Freitas viajou para os Estados Unidos em comitiva com o presidente Jair Bolsonaro. O resultado do primeiro teste foi negativo. “Resolvi fazer outro, particular, porque apareceram sintomas leves”, disse ao Valor. Em função da quarentena e da obrigatoriedade de isolamento, Freitas avalia o impacto que o coronavírus pode ter no pleito: “Acho que todo o calendário eleitoral pode ser prorrogado por pelo menos por 30 dias, pelo menos até que a gente tenha a realidade do quanto o vírus se alastrou, o quanto prejudicou as atividades do Brasil. Talvez tenhamos que prorrogar tudo”, disse.

O governo brasileiro prevê que o país terá um pico de casos da Covid-19 até junho. Ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o número de pessoas afetadas pelo vírus aumentará entre 60 e 90 dias, no período entre abril e junho, e passará a atingir a estabilidade a partir de julho (leia mais na página A2).

Para o professor Diogo Rais, coordenador do Instituto Liberdade Digital e especialista em direito eleitoral digital, de fato a pandemia de coronavírus abre uma série de questionamentos, inclusive sobre o período da pré-campanha eleitoral, já que todos estarão reclusos e a comunicação entre as pessoas deverá ficar restrita à internet. “Embora a propaganda na internet seja desejável, nem todos estão incluídos no cyberespaço.” Rais pondera, ainda, que “eventos anormais podem tirar a legitimidade de eleições, tornando-se um problema jurídico e político”. “Com toda sinceridade, ninguém quer adiar eleições, isso seria um problema gigante. Mas ter eleição com legitimidade conturbada é muito complicado. Tudo dependerá do tempo em que a pandemia persista.” A decisão da ministra Rosa Weber, acrescenta o especialista, mostra que o TSE está atento e já abriu um precedente.

A evolução da pandemia já provoca impacto direto nas articulações partidárias para filiações de novos quadros que poderão disputar as eleições. A menos de 20 dias do prazo final, dirigentes cancelaram viagens e atos partidários para atender à recomendação do Ministério da Saúde de evitar aglomerações. O presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), cancelou a agenda que teria em municípios do ABC paulista neste final de semana. “O MDB não fará eventos”, diz comunicado do partido. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, que estava visitando Estados em todo o país, cancelou as visitas que faria ao Ceará e Piauí nos próximos dias. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), gravou um vídeo desculpando-se com os apoiadores de sua base eleitoral e informando que cancelou agendas em 30 municípios por causa da pandemia. O presidente do Republicanos (antigo PRB), Marcos Pereira (SP), divulgou nota orientando que os eventos políticos das próximas duas semanas “sejam de preferência em locais abertos, com poucas pessoas”.

Valor Econômico