Economistas discutem tamanho do tombo do Brasil
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Economistas costumam usar letras para descrever gráficos com projeções e, no atual momento, estão em dúvida sobre se a mais adequada é V ou U. Quem fala em V acredita que a economia global — e a brasileira junto — vai sofrer uma grande queda e, passado o pior momento da pandemia do novo coronavírus, voltará para perto do estágio em que estava numa velocidade alta. Isso se os governos trabalharem rápido para manter as empresas vivas pelo tempo em que não terão receitas, mas continuarão tendo custos. Esses são os otimistas. Um segundo grupo defende que a trajetória futura será em forma de U. Uma recaída forte, seguida de um período que pode ser mais curto ou mais longo de estagnação, para, somente mais tarde, voltar a crescer. Independentemente da letra que se escolha, o fato é que todos concordam em um ponto: a economia está engatando para ir ladeira abaixo.
Para entender o que deverá acontecer no Brasil, é importante lembrar que os três grandes motores da economia mundial estão comprometidos. A China, a segunda maior economia do mundo e onde a doença surgiu, deverá ver o crescimento anual cair do patamar de 6% para zero, a primeira queda desse tipo em mais de quatro décadas. O primeiro semestre vai ser de recessão e não se sabe se a recuperação no segundo semestre será suficiente para fazer o PIB andar em 2020. “Os dados anunciados do primeiro bimestre já foram muito ruins, piores que as estimativas. O confinamento lá começou no fim de fevereiro. O pior momento ainda não entrou nas contas. É pouco provável conseguir devolver o PIB para um patamar positivo”, disse Otaviano Canuto, que já foi diretor do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
Os Estados Unidos, a maior economia global, já estão em ritmo de desaceleração. O setor de serviços, o mais afetado nessa crise sanitária, é bem maior no país do que na China. A parada brusca significa uma freada do consumo de US$ 2,1 trilhões dos americanos com transporte, lazer, restaurantes e hotéis. O bloco europeu, fechado para o exterior por 30 dias, tem previsão de retração de 1% do PIB. À medida que o combate à doença aconteça, nas próximas semanas e nos próximos meses, não está descartada uma atualização da projeção, talvez para pior.
O Brasil tem uma economia fechada na comparação com os maiores PIBs globais. Importamos e exportamos pouco em relação a nosso tamanho. Mas com os principais países e blocos dando marcha à ré, a economia brasileira não teria como ficar imune — mesmo que não tivesse de lidar com os efeitos negativos do novo coronavírus internamente. Num primeiro momento, economistas brasileiros acreditaram que seríamos pouco afetados, mas a piora nas estimativas foi extremamente rápida. Hoje é dada como praticamente inevitável uma recessão, uma péssima notícia para uma economia que já não vinha entusiasmando. No primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro, o PIB cresceu apenas 1,1%. Para 2020, mesmo antes da pandemia, havia muitas dúvidas sobre se o Planalto pararia de guerrear com o Congresso e aprovaria uma série de reformas importantes para a economia, com a PEC Emergencial e a reforma administrativa. Agora, com o novo coronavírus, as projeções pioraram muito mais. O banco americano JP Morgan já prevê retração de -1%, praticamente a mesma do banco Goldman Sachs, de -0,9%.
“A ECONOMIA BRASILEIRA JÁ NÃO VINHA BEM ANTES DO NOVO CORONAVÍRUS, VAI FICAR PIOR E AINDA HÁ A DÚVIDA SOBRE SE O GOVERNO BOLSONARO VAI PARAR DE BRIGAR COM O CONGRESSO PARA CONSEGUIR APROVAR PROJETOS CRUCIAIS”
No momento, a paralisação da economia brasileira ainda está se aprofundando. Nas dez maiores companhias com capital aberto na Bolsa, home office virou regra para a maioria dos trabalhadores. Fusões e aquisições foram colocadas em banho-maria por, pelo menos, seis meses. Viagens estão limitadas, comércio de rua, shoppings, restaurantes, bares estão sendo obrigados a fechar nas principais cidades. Isso é um baque sem igual no comércio, setor que movimentou no ano passado quase R$ 1 trilhão. Nos cálculos de Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BNDES e chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o setor de serviços, que responde por 73% da economia, será o que mais vai sofrer: “Serviços são prestados às famílias, e as pessoas estão em casa”, disse.
As empresas brasileiras voltadas para o mercado externo também estão refazendo as contas. A mineradora Vale enfrenta um novo desafio sem ao menos ter superado a queda na produção após o desastre em Brumadinho, Minas Gerais, em janeiro do ano passado. Em 2019, 77% das receitas da empresa vieram de vendas para Ásia e Europa. “É impossível prever o impacto final que a pandemia poderá ter sobre o mercado financeiro e a economia global e, consequentemente, sobre nosso negócio”, disse a companhia em comunicado ao mercado na última semana. As restrições de viagens e transporte de equipamentos, resultado do surto do novo coronavírus, causou a paralisação das operações em uma mina de cobre no Canadá. A empresa estuda ainda rever planos para a paralisação de plantas de carvão em Moçambique.
“À MEDIDA QUE FOR PASSANDO A FASE PIOR DA PANDEMIA, PAÍSES VOLTARÃO A PRODUZIR, MAS SE SEUS MERCADOS EXTERNOS CONTINUAREM PARADOS, VÃO TER DE ESPERAR PARA RETOMAR AS VENDAS E O CRESCIMENTO”
Para o Brasil, o custo total dos efeitos econômicos da pandemia vai depender, primeiro, da eficácia das medidas do governo para ajudar empresas e famílias. Em segundo lugar está o comportamento do governo Bolsonaro em relação ao Congresso. Se continuar buscando atritos em vez de formar maiorias para as aprovações no plenário, deverá atrasar a recuperação da economia. “No Brasil, tivemos crises das quais saímos mais rápido ou mais devagar. O que me parece é que vamos sair bem devagar, uma saída bem lenta, e em parte é pela falta de harmonia na política brasileira, pois há muitos ruídos”, disse Cristiano Oliveira, economista-chefe do Fibra.
Um terceiro ponto que certamente vai influenciar será a trajetória da economia mundial. Embora o novo coronavírus esteja hoje impactando todos os cantos do planeta, cada país e região deverá sair do estágio pior da crise em momentos diferentes. Como a economia global é interconectada, a notícia de recuperações mais precoces não vai querer dizer que estará tudo resolvido. A China, por exemplo, deverá voltar a produzir mais perto de sua capacidade antes dos demais países por ter sido o primeiro a ter o vírus e a enfrentá-lo. Mas em nada vai adiantar os chineses terem os produtos para vender se os países compradores ainda estiverem parados. “Um dos problemas que existem para fazer uma previsão hoje é que essa pandemia está ocorrendo de uma maneira defasada”, disse Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda. Como argumentou Hildete Pereira de Melo, professora de história econômica na Universidade Federal Fluminense, “vivemos uma situação sem paralelo”.