Enquanto Bolsonaro cria crises, Guedes pede armistício

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Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena

Há momentos na história de uma nação em que diferenças políticas, ideológicas e de visões de mundo precisam ser colocadas de lado em nome do bem comum. Tal exercício de distensão costuma acontecer diante de situações graves como catástrofes naturais, ataques de inimigos externos, riscos à população ou à ordem econômica. Seja na Inglaterra durante os bombardeios nazistas em 1940, seja nos Estados Unidos depois do ataque de 11 de setembro de 2001, o enfrentamento das ameaças só foi possível com todas as instituições agindo em um único sentido.

Não estamos em guerra, mas o Brasil hoje se vê em meio a uma tempestade perfeita, uma imagem emprestada da meteorologia para definir um fenômeno em que surgem no horizonte frentes simultâneas de violenta instabilidade. E, ainda assim, de um lado, o Executivo, personalizado pelo presidente Jair Bolsonaro, segue com suas provocações erráticas e intempestivas em sua rota de confronto com os demais poderes. O Congresso, por sua vez, trata de não deixar nenhuma provocação sem resposta e de impingir toda e qualquer derrota ao Palácio do Planalto. Nesse mar de insensatez, uma única voz de bom-senso surgiu em meio à cacofonia de ataques mútuos: a do ministro da Economia, Paulo Guedes. Em entrevista a VEJA, ele verbalizou a preocupação que deveria ecoar como um mantra entre os servidores públicos e, de forma geral, os cidadãos no país. “Temos de nos unir. Precisamos proteger o Brasil”, disse ele

O apelo do ministro à razão se deu em meio a uma semana particularmente turbulenta. Na quarta-feira 11, após o esforço hercúleo de aprovação da reforma da Previdência no ano passado — e da economia de 800 bilhões de reais que dela decorrerá nos próximos dez anos —, o Parlamento impôs uma derrota ao Executivo (e ao Brasil) que custará cerca de 200 bilhões de reais na próxima década ao afrouxar as regras do pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A Advocacia-Geral da União se mobiliza agora para questionar no STF a decisão, sinal de mais desgaste em torno do assunto. O irresponsável movimento dos congressistas aconteceu após outro lance destrambelhado: a insistência do presidente e seus apoiadores em atiçar simpatizantes a ocupar as ruas em manifestações contra o Congresso. Com a briguinha infantil entre poderes e o cenário ficando cada vez mais nebuloso lá fora, o pânico venceu. Na quinta feira 12, a decisão do presidente Donald Trump de fechar seu país a todo e qualquer viajante proveniente da Europa, tomada na noite anterior, catapultou o dólar à casa dos 5 reais. Com todos os sinais apontando para uma retração econômica, a reação do mercado foi semelhante à que Dante Alighieri usou para descrever o purgatório: gritos e ranger de dentes. Meia hora depois da abertura, a bolsa bateu seu terceiro circuit breaker na semana, dispositivo de segurança nas transações, com queda de 11,6%. Com as operações reiniciadas, houve um novo circuit breaker por volta das 11 horas, quando as perdas chegaram a 15%. “O mercado tenta se antecipar ao que vai acontecer. Ou seja, em meio a tanta instabilidade, está uma loucura”, diz Luiz Fernando Figueiredo, fundador da Mauá Capital.

Exuberâncias irracionais à parte, a situação, de fato, exige cuidados e magnanimidade. Mas, se Bolsonaro finalmente entender o seu papel de presidente e as lideranças do Congresso, Rodrigo Maia à frente, pararem de tentar uma queda de braço com o Executivo, o país terá condições de navegar esses mares revoltos. Voz de bom-senso em meio ao caos, Guedes listou na noite da terça-feira 10 um conjunto de dezenove medidas que já tramitam no Congresso e que, caso aprovadas, ajudariam a estabelecer uma trajetória de recuperação, funcionando como sinalizador a investidores e empresários. Entre propostas de emendas constitucionais (PECs) e medidas provisórias, há projetos que modernizam o mercado de gás, dão autonomia ao Banco Central, permitem a privatização da Eletrobras, reestruturam o sistema tributário, abrem os setores de saneamento básico e ferroviário a investimentos privados e flexibilizam a legislação trabalhista. Uma, mais importante, impede que o país quebre em uma eventual frustração de receitas devido a um choque externo — a PEC Emergencial. Apenas essa proposta significa um alívio de 10 bilhões de reais. E a privatização da Eletrobras renderia outros 16 bilhões. “É um novo desafio. Por isso precisamos mais do que nunca das reformas. Para nos dar espaço fiscal”, diz Guedes.

Se a epidemia de coronavírus é um fenômeno com o qual Guedes — ou qualquer outra pessoa — não contava, aquilo que em economês se chama de “cisne negro”, uma segunda ave de plumas pretas surgiu na segunda-feira 9, com a crise do petróleo provocada pela Arábia Saudita. A semana se iniciou com o príncipe Mohammed bin Salman determinando a abertura das torneiras dos poços de petróleo de seu país, o que derrubou o preço do produto da modalidade Brent em 27% no mercado internacional — uma queda comparável apenas aos dias da Guerra do Golfo, de 29 anos atrás. A decisão foi motivada por uma disputa com a Rússia, que não aceitava diminuir sua produção e com isso elevar os preços no mercado internacional. Dono de reservas colossais e com dinheiro suficiente para bancar um enfrentamento bilionário com qualquer outro produtor da matéria-prima no planeta, o príncipe saudita optou por jogar pesado e inundar o mercado de petróleo para derrubar os preços. Com isso, provocou uma confusão planetária que atingiu tanto companhias petrolíferas de todas as bandeiras quanto fábricas de carros elétricos e empresas de combustíveis alternativos e energia limpa. No Brasil, o reflexo imediato da decisão foi uma corrosão de 30% nas ações da Petrobras, que fez a estatal perder 61 bilhões de reais em valor de mercado e obrigou ao acionamento do primeiro circuit breaker na Bolsa de São Paulo. Ao todo, as perdas chegaram a 12% naquele dia. As ondas de choque atingiram todo o mercado financeiro e o pessimismo levou à revisão das expectativas de crescimento para o país em 2020 — pelo governo e pelos analistas do mercado financeiro. A equipe econômica baixou seu índice de 2,4% para 2,1%. Já os bancos mantiveram a projeção em 1,9%. “Em um cenário como esse, o governo precisa dar clareza sobre a sua agenda, apoiar e articular as reformas. Mesmo que elas surtam efeito em cinco anos, ou sete, isso criaria uma previsibilidade para o investimento privado”, avalia o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper.

O papel que Brasília tem a cumprir no enfrentamento da crise é crucial — e o tempo, bastante curto. Guedes estabeleceu como meta deslanchar as reformas nas próximas quinze semanas, prazo estipulado para conseguir aprovar no Congresso projetos econômicos antes do recesso parlamentar. Um dos principais desafios do ministro será tirar da gaveta a reforma administrativa, que encontra resistência não apenas de parlamentares e servidores públicos como também do próprio presidente. De acordo com os cálculos de Bolsonaro, aqueles que só seu raciocínio consegue elaborar, cerca de 10 milhões de pessoas em todo o país seriam afetadas pela medida, o que representaria um número expressivo de eleitores. No Congresso, onde as corporações afetadas usufruem grande articulação, a resistência também é grande. “Por um lado, o Executivo tem de fazer sua parte. Por outro, o Congresso tem de desentupir o que está sentado em cima. Agora é a hora de cobrarmos uns aos outros. Temos de transformar a crise em reformas”, destaca Guedes. O ministro está certo. O desafio para fazer frente à tempestade perfeita em que o país se enroscou é colossal. E o risco de naufrágio será imenso se não remarmos todos no mesmo ritmo e direção. Este, portanto, é o timing ideal para que as pessoas que estão sentadas nos altos postos revelem sua grandeza.

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