Judiciário acoberta Temer

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Foto: ISAC NOBREGA/PR

Um ano após ser preso na Lava Jato fluminense, o ex-presidente Michel Temer (MDB) tem se beneficiado de decisões da Justiça nas ações em que é réu e ainda não foi interrogado nos sete processos abertos contra ele no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal.

Em um desses casos, Temer já foi absolvido em primeira instância, embora ainda haja recurso da acusação pendente em segundo grau.

A defesa do ex-presidente também conseguiu “congelar” um dos processos graças a uma discussão no STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a vara responsável por esses casos na Justiça Federal no DF.

Também conta a favor dele a demora em procedimentos burocráticos de anexação de provas apresentadas pelo Ministério Público Federal no DF e no Rio.

Temer foi preso preventivamente em 21 de março de 2019 por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, em investigação relacionada à estatal Eletronuclear. Na época, o Ministério Público Federal havia pedido a detenção argumentando que o ex-presidente comandava uma organização criminosa com atuação por 40 anos.

O emedebista conseguiu habeas corpus depois de quatro dias, mas voltou a ser detido dois meses depois. Também nessa segunda ocasião ele obteve a soltura, dessa vez por ordem do STJ.

A operação que prendeu Temer, batizada de Descontaminação, resultou na abertura de duas ações penais no Rio, sob o comando de Bretas.

Além disso, no ano passado três denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República na época em que Temer era presidente foram enviadas para a Justiça Federal de primeira instância em Brasília. Duas dessas acusações tinham sido suspensas em 2017 por decisão da Câmara dos Deputados.

Após o emedebista deixar de ter foro especial, juízes do Distrito Federal determinaram a abertura de ação penal em relação a esses casos.

A absolvição já decidida ocorreu na mais emblemática das acusações, a que tratava do suposto aval para o empresário Joesley Batista, do grupo JBS, comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso na Lava Jato.

A denúncia se baseava em conversa gravada por Joesley em que Temer afirma “Tem que manter isso, viu?”, afirmação interpretada como um aval para os pagamentos ilegais do empresário a emissários do ex-deputado preso.

A frase virou símbolo da crise que quase custou o cargo do então presidente em maio de 2017. O juiz federal Marcus Vinicius Bastos, porém, em decisão de outubro passado, entendeu que a gravação trazia frases “monossilábicas e desconexas”, que não serviriam de prova para o crime de obstrução de Justiça.

Nesse caso, a absolvição foi sumária e Temer nem chegou a ser ouvido.

Entre as demais ações abertas, já houve um encaminhamento mais relevante em apenas uma, na qual Temer é acusado de corrupção no episódio em que seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures recebeu em 2017 uma mala com R$ 500 mil de um lobista que trabalhava para a JBS.

Nesse processo, que também corre na Justiça Federal no DF, as defesas já apresentaram suas primeiras manifestações, e o juiz Rodrigo Bentemuller marcou para 19 de maio audiências com os delatores do grupo empresarial.

Todos esses casos foram abertos de março a maio do ano passado. Para efeito de comparação, a sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Curitiba no caso do tríplex de Guarujá (SP) saiu depois de dez meses de tramitação, em 2017.

Na Lava Jato do Rio, Bretas também chegou a expedir sentenças, por exemplo, contra o ex-governador Sérgio Cabral, em prazo ainda mais curto.

Além do tempo de tramitação, também favorece Temer a decisão do ano passado do Supremo Tribunal Federal que barrou a prisão de condenados em segunda instância, o que adia a perspectiva de prisão até que todos os recursos sejam julgados em instâncias superiores.

No caso hoje congelado, o emedebista é acusado de lavar dinheiro de propina por meio da reforma da casa de uma de suas filhas, Maristela Temer, em São Paulo.

Inicialmente, decisão de segunda instância determinou a remessa do processo de São Paulo para Brasília.

Em janeiro, porém, o presidente do STJ, João Otávio de Noronha, ordenou a suspensão da ação penal após pedido da defesa para mantê-la em uma mesma vara no DF que inicialmente já era responsável por julgar outro dos processos conexos contra o ex-presidente. Ainda não há decisão definitiva sobre o assunto.

Em processo sobre o chamado “quadrilhão do MDB”, no qual Temer também foi incluído como réu, a Justiça determinou que os acusados só apresentassem suas primeiras manifestações após o Ministério Público providenciar arquivos de colaborações premiadas que não tinham sido anexados ao processo.

Problema burocrático parecido afetou caso que trata de corrupção no setor portuário, também em Brasília, e as duas ações penais no Rio.

“A falta de estrutura adequada vêm obstaculizando o andamento desta e de diversas outras ações penais”, escreveu Bretas, em despacho de janeiro. Também no Rio os réus ainda não terminaram de apresentar suas defesas iniciais por falta de acesso a arquivos digitais.

Temer deixou a prisão no ano passado com uma ordem de bloqueio de bens, expedida por Bretas, de mais de R$ 62,6 milhões. A defesa pediu a flexibilização da medida, afirmando que o sustento de sua família estava inviabilizado, argumentação que o juiz rejeitou.

Mais adiante, em maio, veio outra decisão de bloqueio de bens, por ordem do juiz Marcus Vinicius Bastos.

O ex-presidente ainda cumpre obrigações impostas no momento em que deixou a cadeia, como a retenção do passaporte. Por duas vezes, no ano passado, precisou recorrer a juízes de segunda instância para fazer viagens internacionais, já que Bretas não concorda com essa liberação.

A reportagem procurou a defesa de Temer, que informou que não se manifestaria sobre o atual estágio dos processos.

Em entrevista à Folha no ano passado, o ex-presidente negou ter cometido delitos e se disse vítima de um núcleo do Ministério Público que o quer na prisão como “um troféu”.

Também afirmou que não existe o “crime de amizade”, em referência a imputações feitas sobre seus vínculos com acusados de receber propina, como o ex-assessor Rocha Loures e o coronel reformado da PM paulista João Baptista Lima Filho.

Folha