Lula manda Fiesp colocar patinhos na rua

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Foto: Larissa Pereira/ IstoÉ

Em ato público na noite desta terça-feira (10/3), o ex-presidente Lula reuniu cerca de 500 pessoas no espaço de eventos Festsaal Kreuzberg na capital alemã. O encontro durou cerca de uma hora e meia, com o ex-presidente discursando por um hora. Ovacionado pela plateia, composta por brasileiros, alemães, chilenos e outros estrangeiros, o político abordou os desafios que se impõem à democracia atualmente e deu, inclusive, recomendações à gestão do presidente Jair Bolsonaro.

Para Lula, a recuperação econômica requer que o governo não aposte apenas em conter gastos e passe a investir no país. “Se essa gente que está governando o Brasil quiser resolver o problema do Brasil, só tem um jeito. Não adianta jogar a culpa em cima da China, não adianta jogar a culpa no coronavírus porque o Brasil é um país grande, com 210 milhões de habitantes e um mercado consumidor extraordinário”, afirmou.

“Se a gente quiser recuperar a economia brasileira, é preciso que o governo faça investimento, como eu fiz”, sugeriu, apontando a atitude que tomou frente à crise de 2008. “O governo que coloque investimento e infraestrutura porque, na hora que o governo investe, as pessoas podem começar a acreditar e podem começar a investir”, explicou. “Se o governo não acabar com a política de contenção de gastos que ele está fazendo, se o governo não parar de acumular dinheiro para pagar a taxa de juro, e se o governo não colocar dinheiro para investir no desenvolvimento, sobretudo com obra de infraestrutura, o Brasil não vai se recuperar tão cedo”, apontou.

Ele aproveitou também para “cutucar” o empresariado brasileiro. “Por que a Fiesp não vai agora colocar patinhos e cobrar o presidente Bolsonaro sobre quem vai pagar o pato?”, questionou. O ex-presidente cobrou também investimentos em educação, ressaltando que o Brasil demorou a dar atenção a essa temática, sendo o último país da América do Sul a passar a ter universidade. “Nós estamos vendo a política de destruição da democracia. Nunca a educação sofreu o que sofreu agora”, refletiu.

Durante os 580 dias em que ficou preso, Lula relatou que foi abordado com propostas para reduzir a pena ou para cumprir tempo em casa a partir de negociações. “Eu não aceito liberdade do jeito que vocês estão propondo, porque eu não troco minha dignidade pela minha liberdade”, disse.

Para os que acreditam que a democracia está sob ameaça no Brasil, ele disse que não há outra alternativa a não ser lutar por ela, saindo às ruas, por exemplo. “Eu ainda acho que o povo vai lutar muito pela democracia”, afirmou

Questionado sobre se tem planos para concorrer às eleições de 2022, Lula não respondeu. O petista relembrou glórias do passado e se declarou orgulhoso de ter contribuído com a eleição da primeira mulher “presidenta da República” do Brasil, referindo-se à Dilma Rousseff.

“Eu jamais imaginei que o Brasil fosse sofrer o retrocesso que o Brasil está vivendo. Eu não tenho noção de analisar corretamente o porquê de tudo isso. Eu não consigo compreender o ódio que está estabelecido entre a sociedade. Eu costumo dizer que os humanos estão virando desumanos”, afirmou sobre o atual clima político brasileiro.

“O ódio tomou conta do nosso país. E a gente, que nasceu querendo paz e democracia, passou a ter um candidato que tinha como símbolo distribuir arma para todo mundo”, lamentou. “E esse cidadão ganhou as eleições tendo como símbolo uma arma.” Lula ponderou que o radicalismo, porém, não surgiu agora, sendo, na verdade, um fenômeno bem mais antigo, pois, há muitos anos, já existiam pessoas e candidatos defendendo que “bandido bom é bandido morto” e que “moleque de 16 anos tem que ser preso, não tem que ser tratado como menor.”

Na opinião de Lula, agora, esse tipo de pensamento se aflora por ser compartilhado também por autoridades. “Essa gente já estava no Brasil antes do Bolsonaro. E finalmente essa gente chegou ao governo. E chegou ao governo com o discurso do ódio”, disse. Talvez um ponto em comum entre Lula e Bolsonaro sejam os comentários contra a imprensa. O ex-presidente não poupou críticas ao jornalismo brasileiro, atribuindo a ele parcela de culpa pelo discurso de ódio que impera atualmente.

“Nós temos uma imprensa que disseminou o ódio e a mentira durante todo o tempo em que o PT governou o nosso país”, alegou. Para além disso, ele acredita que o Brasil, que tradicionalmente era governado pela elite e marcado por desigualdades sociais, enfrenta fortes problemas de aceitação de garantias, melhorias e benefícios para as pessoas de baixa renda. Ele citou como exemplo a ocasião em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não lastimou tanto a alta do dólar, pois, com a moeda americana valorizada, menos empregadas domésticas poderiam ir para os Estados Unidos.

“Vocês viram o que o Guedes falou esses dias? O incômodo da inclusão social sempre foi uma história grave. O pobre não poderia frequentar o mesmo teatro, o mesmo restaurante e muito menos pensar em ter acesso à universidade. Era impensável”, analisou.

Apesar das críticas a Bolsonaro, Lula, que já tinha afirmado que é contra o impeachment dele, disse não torcer para que a gestão atual dê errado. “Nem o Bolsonaro acreditava que se tornaria presidente da República. E a gente tem que amargar quatro anos… Mas eu não torço para dar errado porque eu acho que quem paga o pato quando dá errado é o povo mais humilde do país, é o povo mais pobre, é o povo trabalhador.”

O político também reprovou a atitude de paíse como a Alemanha de reconhecer o governo de Juan Guaidó em vez do de Maduro na Venezuela: se alguém quer o governo, que vá e concorra às eleições democraticamente, sugeriu Lula. Ainda sobre a Alemanha, ele ressaltou que trata-se de um país que enfrenta 30 anos de governo conservador. Na Europa, ele comemora o fato de partidos de esquerda terem chegado ao poder em Portugal e na Espanha.

Ao falar do meio ambiente e da importância de preservar e cuidar da biodiversidade brasileira, ele ressaltou que essa é uma riqueza nacional. Independente do que digam pessoas como o presidente da França, Emmanuel Macron, “a Amazônia é do Brasil”, defendeu Lula. Um pensamento que ele e Bolsonaro compartilham.

A entrada no ato público em Berlim foi disputada, com pessoas aguardando até uma hora na fila embaixo de chuva para ter a chance ver o ex-metalúrgico. O número de presentes superou a capacidade do espaço, feito para 500 pessoas. “Há mais do que isso, pois o ambiente já está supercheio e, se tivéssemos um lugar maior, com certeza haveria mais participantes”, comenta o alemão Peter Steiniger. O jornalista é um dos organizadores do ato público com a presença do petista em Berlim.

Ele informa que representantes de diversas instituições culturais, políticas e humanitárias trabalharam para tornar o encontro possível. “São brasileiros, alemães e outras pessoas que se engajam pelo Brasil, pela América Latina, pela solidariedade e contra o fascismo”, explica. “Eu acho que o evento de hoje é um sinal de que, na Europa e na Alemanha, as pessoas observam o que está acontecendo no Brasil, o que desperta muita preocupação.”

O arquiteto alemão Henning Pöpel, 48 anos, veio prestigiar Lula na capital do país pela segunda vez; da primeira, encontrou-o em evento promovido pelo SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha). “Ele é um cara muito carismático, eu gosto dele. Então, eu vim”, diz. “Eu acho que o Lula, em geral, é bem visto na Alemanha, apesar de que as pessoas aqui não acompanharem muito de perto a política brasileira”, percebe.

“Ele é simpático, e as pessoas o respeitam por ter feito uma política para o povo brasileiro inteiro, não só para uma elite”, aponta. Já a imagem de Bolsonaro, destaca Henning, está em baixa pela sua percepção. “Pior (do que ele) só o Trump. Todo mundo aqui acha que ele é um fracasso e não entende por que foi eleito”, comenta o alemão que morou no Brasil entre 2009 e 2014.

A brasileira Patrícia Westermann, 47, vive na Alemanha há mais de 22 anos, mas não se distancia de suas raízes e continua preocupada com o que acontece no cenário político de sua terra natal. A fisioterapia saiu da cidade onde mora, Colônia, distante cerca de 572km de Berlim, para poder participar do ato público com Lula nesta terça-feira.

“Eu integro um grupo de ativistas que trabalha em prol da democracia brasileira chamado Brasil em Debate, que foi iniciado na época do impeachment da Dilma. Fazem parte dele tanto brasileiros quanto alemães”, explica. “Estamos aqui mostrando nossa resistência”, afirma. Para Patrícia, esta foi a primeira oportunidade de ver Lula de perto e significou um momento de grande emoção.

Correio Braziliense