Missionário americano planeja invadir terras indígenas na Amazônia
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Alvo de dois inquéritos por tentativa de invasão a terras indígenas no Vale do Javari, na Amazônia, entre 2014 e 2019, o missionário norte-americano Andrew Tonkin se prepara para mais uma tentativa de alcançar povos isolados na região, o que fere a política de não contato estabelecida pela Constituição de 1988.
Relatos de lideranças dos povos Marubo e Mayoruna (Matsés) apontam que o religioso reuniu índios convertidos e outros integrantes da organização “Frontier International” durante as últimas semanas para fazer uma expedição ao Igarapé Lambança, território habitado por indígenas não contatados, localizado no interior do Vale do Javari.
“Eles estão comprando lanterna e equipamentos para tentar entrar novamente. Andrew disse que já recebeu a autorização dos céus, lá em cima, e não tem lei maior que essa que possa proibir a sua entrada”, revela ao GLOBO um religioso indígena que teve acesso à reunião de missionário estrangeiro com outro pastor conhecido como Josiash Mcintyre.
A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) confirmou que foi avisada sobre os planos dos missionários liderados por Tonkin.
– Eles vêm promovendo reuniões com alguns indígenas em Atalaia do Norte, sobretudo, os catequizados, com a finalidade de organizar uma entrada ilegal na Terra Indígena Vale do Javari – afirma o coordenador da Univaja, Paulo Marubo.
– Já existe uma logística toda elaborada para acessar os isolados do Lambança – afirma Marubo . – Eles têm armas de fogo, drones, computadores, GPS e telefone por satélite.
O GLOBO apurou que eles pretendem utilizar o mesmo hidroavião monomotor com que já fizeram outras investidas para chegar ao povo Korubo, que habita o Igarapé Lambança. A aeronave pertenceria ao líder religioso Wilson Kannenberg.
Tonkin foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF), à Funai e à Polícia Federal (PF) em duas tentativas de entrar ilegalmente em terras indígenas. No ano passado, ele entrou sem autorização na região onde vivem os isolados perto do rio Itacoaí, oeste do Amazonas.
– Ele pretendia fazer contato com os isolados Korubo e foi visto em meados de setembro acompanhado de um pastor indígena Mayouruna — afirmou ao GLOBO o presidente da Univaja, Paulo Marubo.
Em fevereiro, O GLOBO mostrou que a investida de evangelizadores na região já atinge 13 dos 28 povos reconhecidos em situação de total isolamento. Além do Javari, com o registro de ameaça a 10 povos confirmados, há ainda outras ocorrências nas terras indígenas Mamoadate, na Cabeceira do Rio Acre, e Hi-Merimã, no Rio Purus (AM).
A lei brasileira determina que iniciativas de contato com os grupos de isolados devem partir deles próprios, cabendo ao governo federal proteger e demarcar suas terras.
A Funai confirma que Tonkin já foi chamado a prestar esclarecimentos em sua sede, em Brasília.
Ele, no entanto, nega que tenha ido a Brasília para isso.
– Fui conversar com lideranças da Funai sobre parcerias que podem ser feitas para trabalhar juntos, trazendo educação e esperança para aquelas comunidades que estão sofrendo por causa de alcoolismo, drogas, suicídio e abuso – disse ao GLOBO em fevereiro.
– Estive na capital no ano passado se não engano era a mês de novembro por aí, conversei com Dr. Badaró, Dr. Almeida, e Dr. Freitas. Eles me deram boas informações e orientações.
Badaró foi nomeado assessor direto do presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva. Formado em Antropologia, ele foi indicado para acompanhar estudos e pesquisas do órgão, incluindo as de demarcações de terras indígenas. Ele já disse em entrevista ser contra a delimitação dessas áreas.
“Ele esteve em nossa sede tão somente no âmbito da Ouvidoria do órgão e não foram encaminhadas ou estabelecidas quaisquer parcerias com o Sr. Andrew Tonkin”, diz a Funai.
No site Frontier International Mission que se intitula “um ministério batista de livre arbítrio”, cujo lema é “conhecê-lo é fazê-lo saber”, Tonkin aparece como líder missionário.
Procurados, Andrew Tonkin, a Funai e o MPF ainda não se manifestaram.
O MPF apura ao menos 21 denúncias envolvendo missões religiosas em Terras Indígena, entre elas casos envolvendo a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), onde atuou o ex-missionário e hoje coordenador da área de indígenas isolados da Funai, Ricardo Lopes Dias.
Também em fevereiro, a revista “Época” revelou que a MNTB adquiriu a compra de um helicóptero, avaliado em R$ 4 milhões, para auxiliá-los na evangelização de índios isolados.
A MNTB atua na evangelização de índios na Amazônia desde os anos 1950.
– A nossa preocupação é que em pleno contexto de pandemia do coronavirus ainda há a insistência de grupos proselitistas fundamentalistas atuando com esse fim, uma atitude irresponsável e criminosa – afirma Marubo.
Nesta segunda-feira, a Funai recuou da portaria que estabelecia medidas temporárias de combate ao novo coronavírus, que contrariava o próprio regimento do órgão ao tirar da Coordenação-Geral de Índios Isolados a atribuição de contatar esses povos.
Em sua publicação das medidas temporárias de prevenção à infecção e propagação da Covid-19, o artigo 4º da portaria determinava a suspensão de todas as atividades que implicassem no contato com comunidades indígenas isoladas, porém, estabeleceu que essa suspensão seria revista se tivesse autorização das coordenações regionais “caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado”.
A nova portaria devolve a atribuição de analisar situações de extrema urgência à coordenação-geral e anula as iniciativas de contato com as comunidades indígenas isoladas. “Ficam suspensas todas as atividades que impliquem o contato com comunidades indígenas isoladas”.