MP do Rio investiga Crivella

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Foto: Marcos Corrêa/PR/Flickr

No momento em que passa por seguidos reveses – como o apoio mais improvável do presidente Jair Bolsonaro e a proliferação de candidaturas no campo conservador – o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), teve sua imagem abalada ontem com a deflagração de uma operação do Ministério Público fluminense (MP-RJ) em que a Polícia Civil cumpriu 17 mandados de busca e apreensão, em investigação que apura a suposta montagem de um balcão de negócios na sua gestão.

De acordo com as suspeitas, a prefeitura liberaria o pagamento atrasado a empresas com contratos com o município em troca de propina. Entre elas estaria a Locanty, que atua em serviços como limpeza, coleta de lixo e locação de veículos. A investigação se baseia na delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, preso pela operação Câmbio, Desligo, no ano passado.

Segundo o doleiro, o esquema de cobrança de propina em troca do pagamento de faturas antigas devidas pela prefeitura teria como operador o empresário Rafael Alves. Homem de confiança de Crivella, ele já havia sido doador de campanhas anteriores antes de atuar como arrecadador de doações na eleição do prefeito em 2016. Com isso, teve força para indicar o irmão, Marcelo Alves, à presidência da Riotur, a empresa de turismo do município. As residências dos dois irmãos foram alvo de busca e apreensão pela Polícia Civil – além da sede da Riotur, que fica na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, zona oeste carioca.

O local é o mesmo onde Crivella despacha diariamente, embora a prefeitura tenha duas sedes administrativas, a da Cidade Nova, e o Palácio da Cidade, em Botafogo. De acordo com Mizrahy, a Cidade das Artes – construção voltada para espetáculos e eventos culturais – teria se transformado no “QG da propina”. E Rafael Alves, mesmo sem ter um cargo no governo, frequentaria a Riotur como se nomeado e presidente de fato fosse. Como Crivella também é investigado, a operação precisou ser autorizada pela segunda instância da Justiça do Rio, pela desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita.

Num vídeo de pouco mais de dois minutos, publicado em suas redes sociais, Crivella negou a existência do “QG da propina”. “O delator diz que não me conhece e nem me deu dinheiro. E outra coisa: a tal propina seria para que eu pagasse dívidas do governo do [ex-prefeito] Eduardo Paes para uma empresa chamada Locanty. Não paguei um tostão para essa empresa, nem sequer tem contratos no meu governo”, rebateu Crivella, que voltou a fazer acusações contra o jornal “O Globo”.

Durante a fala, o prefeito mostrou a manchete em que o jornal, na página de seu site, na manhã de ontem, anunciou a operação, a carimbando como “fake news”. Mas não deu maiores explicações sobre o caso, nem mencionou as acusações contra os irmãos Marcelo e Rafael Alves, a quem convidou para viagem a Israel, após a vitória em 2016.

O prefeito fez uma digressão, enfatizando o seu passado religioso e caridoso, numa tentativa de afastar as suspeitas de corrupção. Lembrou que passou dez anos na África como missionário da Igreja Universal do Reino de Deus e, ao voltar, teria investido, cerca de R$ 20 milhões na criação do projeto beneficente Nova Canaã, no sertão da Bahia. “Ora, se eu quisesse dinheiro, eu teria ficado com o meu”, afirmou. “A única coisa de que podem me acusar é de empobrecimento ilícito”, disse Crivella.

Procurado, Marcelo Alves se manifestou por meio de nota enviada pela assessoria: “A Riotur, na figura do presidente Marcelo Alves, se coloca inteiramente à disposição dos órgãos fiscalizadores para esclarecer qualquer dúvida que possa existir durante este processo investigativo. Certamente a conclusão da investigação trará luz a esta gestão, que é regida pela dedicação absoluta, responsabilidade, transparência e honestidade, características imprescindíveis para um cargo público e como a Riotur é conduzida”. Sobre Rafael Alves, a assessoria disse que não o representa e não teria autorização para passar outros contatos dele, mas que o celular do irmão de Marcelo havia sido apreendido pela polícia. A Locanty não atendeu às ligações da reportagem.

As diligências da operação, segundo informou o MP-RJ, foram cumpridas em três bairros da capital e no município de Angra dos Reis, região sul do Estado. Na mesma nota, o MP-RJ acrescentou que, “em razão do sigilo das investigações não é possível fornecer mais informações para não prejudicar o andamento da fase apuratória”.

No meio político, apurou o Valor, a avaliação é a de que o impacto da operação sobre as chances de reeleição de Crivella ainda é uma incógnita, pois não teria trazido elementos cabais da participação, nem o levado à prisão. “Não dá para dizer: ‘Ah, acabou o Crivella’. Mas ele não se reelegerá pelos mesmos motivos alegados pelos eleitores que já não queriam votar mesmo nele”, afirma um interlocutor ligado ao governo estadual, numa referência à má avaliação do prefeito, apontada em pesquisas.

A operação de ontem, no entanto, se soma aos recentes reveses de Crivella. No fim de semana, Bolsonaro afirmou que não dará apoio a candidatos no primeiro turno, exceto para alguns vereadores. Com baixa popularidade, o prefeito do Rio vinha se esforçando para atrair o presidente para sua campanha, o que deve ficar mais difícil agora.

Além disso, Crivella viu um antigo aliado e hoje desafeto, o ex-secretário da Casa Civil e vereador Paulo Messina, anunciar que concorrerá pelo MDB. Messina era considerado o “primeiro-ministro” do governo Crivella e, “embora não seja carismático”, pode cumprir “o papel de devastar” a reeleição do ex-chefe, com uma anticandidatura, aponta outro observador. Fragmentado, o campo conservador tem pelo menos mais cinco pré-candidaturas: Paes (DEM), o ex-ministro Gustavo Bebianno (PSDB), o deputado federal Hugo Leal (PSD), o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) e Glória Heloiza, que largou a carreira de juíza para concorrer pelo PSC com o apoio do governador Wilson Witzel. Pela esquerda, o deputado federal Marcelo Freixo (Psol) é apontado como favorito a uma das vagas ao segundo turno, enquanto a estadual Martha Rocha (PDT) corre por fora.

Valor Econômico