Por inveja, Bolsonaro planeja expurgar ministro da Saúde

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Foto: Wilton Júnior/ Estadão Conteúdo

Em momentos de pânico, de instabilidade ou de ameaça social iminente, a população procura líderes que tomem as decisões corretas, confiáveis e que tragam esperança de soluções na maior brevidade possível. Confrontado com uma crise global gerada pela pandemia de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro apostou no discurso político e na retórica criada para negar a dimensão do problema. Diante da receita falha adotada pelo chefe do Executivo, as decisões técnicas do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobressaíram e fizeram dele uma figura com boa aceitação não só por apoiadores do governo como pela população e até por opositores. Não demorou, porém, para que o comandante do Planalto percebesse o protagonismo do integrante da sua equipe e passasse por cima de orientações do ministro.

Enquanto Mandetta menciona as “20 semanas muito complicadas” no enfrentamento ao coronavírus, Bolsonaro critica decisões nos estados motivadas pelo agravamento do problema, como o fechamento de comércio, a proibição de serviços e de aglomerações de pessoas. O ministro fala em alongar a curva, ou seja, reduzir a velocidade das taxas de infecção para que o sistema de saúde, tanto público quanto privado, suporte a carga de pacientes. Já o presidente, em um ato extremamente simbólico, positivo ou não, saiu às ruas em 15 de março, apertou a mão de eleitores em atos contra o Congresso e contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e fez selfies com apoiadores. A atitude provocou uma reação imediata no Legislativo e no Judiciário.

No Supremo, instância máxima da Justiça, a avaliação é de que Mandetta vem sendo fundamental para o Brasil passar pela crise gerada pela pandemia. Nos bastidores, ministros identificam uma tentativa do presidente de enfraquecê-lo e de abrir caminho para que ele saia do governo. Em uma sessão administrativa realizada pelo tribunal para tratar da disseminação do coronavírus e suas consequências, o presidente da Corte, Dias Toffoli, mandou um recado claro ao governo. “Se há uma pessoa inamovível hoje na República é o ministro Luiz Henrique Mandetta”, declarou, horas antes de se encontrar com Bolsonaro e com o ministro para anunciar medidas para amenizar a amplitude do problema.

Na frente de Mandetta, Bolsonaro não poupou indiretas e fez questão de chamar para si o enfrentamento da crise. “Se o time não está ganhando, demite-se o técnico. Nosso time está ganhando, e muito. Se nosso time está ganhando, se deve ao técnico, que se chama Jair Messias Bolsonaro”, disse o presidente em uma coletiva de imprensa no Planalto, onde reuniu o corpo de ministros para avaliar a situação.

Na sexta-feira, o discurso foi um pouco diferente. Em uma live pelo Facebook, Bolsonaro comentou sobre seus atos quando a doença começou a se espalhar e negou que esteja incomodado com o protagonismo do ministro da Saúde, um médico ortopedista que teve longa carreira na medicina antes de ingressar na política. “O problema viria, sabíamos disso. O sinal amarelo foi muito forte para nós na questão de como buscar os nossos irmãos lá na China. E começamos a nos preparar. Vocês têm um ministério que todos conversam entre si”, ressaltou. “Mandetta, por exemplo, estava um ministro normal. De repente, ele apareceu, precisou e está mostrando sua competência. Já vem fofoca dizendo que estou preocupado com a competência dele.”

O presidente afirmou ainda que quando toma uma decisão leva em consideração a avaliação de toda a sua equipe.

“Eu já falei que quem trabalha são os ministros. Eu coordeno, cobro, sugiro, veto algumas coisas. Outras coisas, eles seguem a minha orientação, porque não é apenas a minha cabeça, tudo o que eu faço, converso com muita gente”, emendou.

O cientista político Enrico Monteiro, da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical, destacou que o ministro tem uma unanimidade na opinião positiva dos atores que envolvem o comando da República. “O Mandetta tem recebido elogios de todos os lados políticos. Então, ele (Bolsonaro) passa a fazer a fritura como sempre fez. Mas fazer isso em um estado de pandemia, em que haverá perda de empregos, é diferente. Se ele continuar fritando seu principal ministro no momento, a sociedade vai se afastar cada vez mais do governo dele”, argumentou.

Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o também cientista político Rodrigo Prando acredita que quem prejudica o trabalho de Mandetta são os integrantes mais políticos do Executivo. Para ele, o ministro passa por um processo que já ocorreu com outros nomes da equipe do governo. “Todo o conhecimento técnico e toda a competência política e de liderança incomodam a ala mais ideológica do bolsonarismo”, enfatizou. “Todos os ministros que se afastaram de um discurso ideológico e buscaram exercer as suas funções de maneira mais orientada sofreram pressões e foram defenestrados pelo Palácio do Planalto após um bom tempo sendo fritados em público pelo presidente e por pessoas próximas a ele.”

Bolsonaro

10 de março

“Obviamente temos no momento uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”

16 de março

“Se eu me contaminei, tá certo? Olha, isso é esponsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso”

17 de março

“Esse vírus trouxe uma certa histeria e alguns governadores estão tomando medidas que vão prejudicar demais a economia”

Mandetta

17 de março

“Cuidem dos idosos. É hora de filho e filha cuidarem dos pais”

18 de março

“Teremos dias duros, teremos semanas cansativas onde o assunto nos trará extremo estresse. O momento é de calma. O Brasil já passou por momentos mais dramáticos do que este em sua história”

20 de março

“No fim de abril, o sistema entra em colapso. O colapso é quando você pode ter o dinheiro, o plano de saúde, a ordem judicial, mas não há o sistema para entrar”

Correio Braziliense