Sobre Fundo Amazônia Noruega diz está ‘de saco cheio’
Foto: João Soares/DW
Embaixador da Alemanha no Brasil há três anos e meio, o diplomata Georg Witschel mostra desenvoltura no português coloquial ao comentar as conversações com o governo brasileiro sobre o Fundo Amazônia, das quais participa. “Tenho a impressão de que sobretudo a Noruega está de saco cheio”, afirmou durante uma mesa-redonda sobre economia e meio ambiente realizada no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) no Rio de Janeiro.
A Noruega, que é parceira da Alemanha no Fundo Amazônia, responde por 90% do aporte de 1,5 bilhão de reais à espera de destinação pelo Ministério do Meio Ambiente há mais de um ano. A iniciativa foi criada em 2008, majoritariamente com doações dos dois países europeus, que, juntos, são responsáveis por 99% dos 3,3 bilhões de reais que já foram repassados. A verba é administrada por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do BNDES. Os projetos financiados têm como objetivo a redução do desmatamento e da emissão de gases do efeito estufa.
Para Witschel, a inação do governo brasileiro pode afetar de forma decisiva o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE). “O fracasso do Fundo Amazônia será um torpedo no navio do acordo entre Mercosul e União Europeia, que está bem lento”, avaliou durante a mesa-redonda, realizada nesta terça-feira (03/03).
Antes de o acordo ser finalmente assinado, em junho de 2019, as negociações se arrastaram por duas décadas. A formalização do entendimento foi celebrada pelo presidente Jair Bolsonaro à época. “Será um dos acordos comerciais mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia”, escreveu ele numa rede social.
O governo brasileiro estima que possa haver um impacto positivo de 87,5 bilhões de dólares na economia nacional nos próximos 15 anos em decorrência do acordo de comércio entre os dois blocos, podendo chegar a 125 bilhões de dólares, incluindo aí as barreiras não tarifárias. Pelos cálculos da Confederação Nacional do Comércio (CNC), as projeções seriam de 79 bilhões de dólares e 112 bilhões de dólares, respectivamente.
Apesar da euforia, o tratado só entrará em vigor depois de validado pelos parlamentos dos 31 países-membros de ambos os blocos – 27 da UE e quatro do Mercosul. O grupo representa 25% do PIB mundial e um mercado consumidor de 750 milhões de pessoas. De acordo com Witschel, a questão ambiental é condição sine qua non para a aprovação dos termos nas casas legislativas europeias.
“Se o governo não conseguir lutar contra o desmatamento ilegal e reduzi-lo para os níveis de 2017, acho que não há nenhuma chance de o acordo ser ratificado na Alemanha. Macron e outros líderes ficarão bem felizes com isso”, afirmou.
O embaixador disse esperar que as negociações sejam bem-sucedidas, pois uma derrota beneficiaria segmentos ligados à agropecuária na França, Polônia e Irlanda, em detrimento do setor industrial e de serviços, que contribuem com muito maior peso para a economia. “É uma batalha sobre reservas de mercado e poder. O tratado não é perfeito, mas é um progresso maior nesse sentido. Sem ele, vamos voltar a uma situação bem conhecida: o ponto de onde saímos 20 anos atrás”, enfatizou.
Ao longo do segundo semestre do ano passado, a ministra do Meio Ambiente da França, Élisabeth Borne, e o presidente Emmanuel Macron sinalizaram que o país não assinaria o acordo nas condições atuais. No Parlamento austríaco, quatro dos cinco partidos votaram contra a resolução. O projeto também foi derrotado no Parlamento regional da Valônia, na Bélgica.
Na avaliação do embaixador Witschel, somente o Partido Verde apresenta maioria crítica ao acordo na Alemanha. O bloco governista, formado pela União Democrata Cristã (CDU), a União Social-Cristã (CSU) e o Partido Social-Democrata (SPD), tende a uma posição favorável. Entretanto, o mau desempenho da agenda ambiental brasileira estaria estimulando uma onda de rejeição ao tratado.
“A cada notícia negativa, perdemos dez votos no Parlamento, porque os deputados são questionados em seus distritos. É cada vez mais difícil convencê-los de que devem aprovar o acordo. Por isso, o Brasil tem de reduzir a taxa de desmatamento, de maneira rápida e significativa”, reiterou.
Ante as dificuldades de negociação com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a embaixada alemã vem tentando abrir canais de interlocução com diversas frentes do governo brasileiro. A lista inclui a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
“Estamos esperando uma proposta séria do Ministério do Meio Ambiente sobre como continuar”, explicou o embaixador em referência ao Fundo Amazônia. “Não queremos atuar contra o governo federal, mas tentamos abrir caminhos paralelos para resgatar a floresta e, talvez, o Fundo Amazônia. Não sou muito otimista, a situação é difícil”, declarou Witschel, que deve se reunir em abril com governadores da Amazônia Legal.
O diplomata também manifestou a intenção de estabelecer um diálogo com o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República e responsável por reativar o Conselho da Amazônia. Witschel ironizou as acusações de ameaça à soberania brasileira representada por países europeus na discussão sobre a Amazônia.
“Falo com frequência com os militares e faço uma piada com boa base histórica: mesmo que quiséssemos, não poderíamos atacar o Brasil, porque o nosso último porta-aviões está no fundo do Mar Báltico desde 1945. É impossível falar de uma ameaça militar vinda da parte de França e Alemanha”, disse o embaixador, para quem o verdadeiro risco à soberania brasileira na região se encontra em atividades criminosas, como o desmatamento e garimpo ilegais.
A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, que é senior fellow do Cebri, também participou do debate no Rio. Ela apontou um desmonte da estrutura de governança na área ambiental, que, em sua avaliação, possibilitou a captação de 6 bilhões de reais em cooperações internacionais durante o período em que esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente (2010 – 2016).
“Acho irônico que representantes do governo brasileiro cobrem, no exterior, recursos para combater o desmatamento, como se o mundo devesse dinheiro a nós. A credibilidade construída ao longo de anos por nossa estratégia de protagonismo foi quebrada. Essas incoerências políticas estão na mesa de negociação e levam ao descrédito do país”, criticou.