Ala moderada vê governo Bolsonaro na UTI

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A mudança no Ministério da Saúde, que deverá ser consumada nesta semana, é considerada por aliados mais moderados do presidente Jair Bolsonaro um ponto de inflexão para o governo.

Para um deles, sem assento no governo mas com trânsito amplo nos meios bolsonaristas, a crise do coronavírus ameaça existencialmente o presidente, mas pode ser uma oportunidade.

Na sua visão, que é compartilhada em parte por integrantes da ala militar no governo, Bolsonaro tem três frentes para tentar sair da UTI. A opção seria ver a gestão sair dos trilhos, talvez com um processo de impeachment à frente.

Primeiro, escolher um substituto para Luiz Henrique Mandetta na Saúde que evite as críticas que uma escolha ideológica traria. Daí a especulação sobre nomes de médicos estrelados de São Paulo, de resto a terra do seu hoje arquiinimigo João Doria (PSDB).

Não que uma escolha exógena esteja fora do quadro, já que os círculos mais moderados em torno do presidente sabem que tolerância à defesa da hidroxicloroquina feita por Bolsonaro é pré-requisito. Mas, argumentam, bastaria ao escolhido adotar o discurso de que a droga está em testes e tocar o trabalho para o chefe não reclamar.

Sobre isolamento social, rompido por Bolsonaro sempre que possível, a solução seria vender a ideia de que o governo quer uma “saída controlada” das quarentenas. Como se vê, está longe de ser um trabalho simples.

O mesmo se pode dizer da segunda frente: o necessário remendo de relações entre Executivo e outros Poderes.

A sucessão de decisões contrárias a Bolsonaro no Supremo e o fato de o ministro Abraham Weintraub (Educação) ter entrado na mira de procuradores deu uma certeza ao Planalto: não haverá vida fácil no campo judicial.

A crise do vírus rompeu tecidos já esgarçados pelo embate com o Legislativo acerca do manejo do Orçamento.

Bolsonaro tem recebido políticos do centrão, mas a possibilidade de que tenha de engolir a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) no Senado cresce com o clima de excepcionalidade legal que o vírus proporciona.

A saída, vislumbrada aí por um dos raros defensores do governo no Parlamento, seria uma nova mexida na articulação política. Aí surge o nome do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

Ele é visto por parlamentares ligados ao agronegócio que ainda não abandonaram Bolsonaro pelos embates com a China como uma opção para integrar o que chama de “quartel do Planalto”.

A referência aos três generais de quatro estrelas no centro do poder vem acompanhada por críticas a um deles, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), justamente o mais bolsonarista da turma.

Cristo Redentor iluminado em verde-oliva, nesta quarta (15), em homenagem aos militares que atuam no combate ao coronavírus
Cristo Redentor iluminado em verde-oliva, nesta quarta (15), em homenagem aos militares que atuam no combate ao coronavírus – Pilar Olivares/Reuters
O problema é o espírito de corpo dos militares.

Eles têm no ministro Fernando Azevedo (Defesa) seu ponto de apoio e no vice Hamilton Mourão, igualmente um general, seu símbolo institucional —não menos por ser indemissível.

Há duas semanas, quando Bolsonaro pediu ajuda aos militares e os rumores de renúncia cresceram, o nome de Mourão esteve em todas as discussões acerca de cenários futuros para o governo.

Demitir um militar não foi problema no passado recente, mas o isolamento político de Bolsonaro instilou a certeza entre aliados de que é preciso alguma ordem unida ante os arroubos da família do presidente.

Os fardados ora de terno vivem à turras com os filhos presidenciais, em especial o vereador carioca Carlos (Republicanos), que comanda a guerrilha digital do pai e já acusou Mourão de conspirar pela cadeira de Bolsonaro.

Na avaliação deles, amparada em pesquisas qualitativas feitas por governistas, as bravatas do presidente não seriam um problema quando feitas nas ruas ou redes sociais.

O nó, com a crise do coronavírus, é que elas foram incorporadas à figura presidencial em pronunciamentos de TV, o que levou ao enquadramento parcial de Bolsonaro nas duas últimas semanas.

O óbice à queixa é óbvio: Bolsonaro sempre vai ouvir os filhos, principalmente Carlos, que exerce influência desproporcional sobre o pai na avaliação dos militares.

E o vereador disse a uma pessoa que não tem intenção de mudar o rumo escolhido até aqui no enfrentamento das redes sociais.

A lógica adotada é simples. Bolsonaro foi eleito por ter atraído o antipetismo à sua base antipolítica.

Hoje, a condução do presidente na crise do coronavírus só é aprovada por esses fiéis, que devem ser preservados, mas em 2022 os antipetistas voltariam —considerando nessa conta que a centro-direita hoje focada em Doria não ganhe corpo.

A tática desconsidera muitas coisas, a começar pelos caixões que o coronavírus deixar para trás, mas é aceita pelos moderados como inevitável, o que demonstra a precariedade de qualquer operação para estabilizar o governo.

A mesma dificuldade se vê na terceira frente especulada: a comunicação de governo, que precisaria trabalhar uma marca dissociada das polêmicas do presidente. Isso seria feito dando status de ministério à Secretaria de Comunicação, mas removendo o titular, Fabio Wajngarten.

Bolsonaro foi aconselhado a buscar um “João Santana na direita”, em referência ao ex-marqueteiro do PT que, sem cargo, tinha mais poder que muito ministro no governo de Dilma Rousseff.

Bolsonaro pediu sugestões ao publicitário Roberto Justus, segundo relato de aliados. Nenhum nome que topasse surgiu, o que abriu as portas para que políticos ligados à montagem do partido bolsonarista Aliança pelo Brasil ventilassem o marqueteiro da sigla, Sérgio Lima.