Ataques de Bolsonaro uniram STF

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Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Nos últimos dias, decisões tomadas por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) evidenciaram um alinhamento do qual se fala nos bastidores. Diante de ações que avaliam como “desmandos” do presidente Jair Bolsonaro, integrantes da corte consideram que o Supremo pode e precisa se colocar como uma “barreira de contenção”.

Exemplos mais recentes são a suspensão, pelo ministro Alexandre de Moraes, da nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal diante da suspeita de interferência política de Bolsonaro no órgão; a abertura de inquérito autorizada pelo ministro Celso de Mello para apurar as acusações contra o presidente feitas pelo ex-ministro Sergio Moro; e a decisão do STF de que cabe a governadores e prefeitos definir políticas de isolamento social – e não ao governo federal – em meio à pandemia de coronavírus.

Fontes do tribunal ouvidas pelo HuffPost dizem que condutas do presidente desde o início da pandemia têm sido motivo de “alerta” e uniram os magistrados. Entre elas estão os sequentes incentivos para que a população rompa o isolamento enquanto o Brasil perde centenas de pessoas diariamente por covid, a participação do presidente em atos que defendem fechamento do Congresso e do STF, intervenção militar e reedição do AI-5, e as acusações de querer interferir politicamente na PF, cobrando relatórios de inteligência da corporação.

Segundo essas mesmas fontes, apesar de ver gravidade de forma geral, os ministros do Supremo não acreditam haver nas provas apresentadas por Moro até o momento – como reproduções de tela de celular exibidas no Jornal Nacional da TV Globo – material suficiente que caracterize crime do presidente.

No pedido de investigação aceito pelo decano do STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, mencionou a possibilidade de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada nos atos de Bolsonaro.

O papel do STF e ‘poderes independentes’
Em cerimônia no Palácio do Planalto na tarde de quarta, horas após a decisão de Alexandre de Moraes, Bolsonaro sugeriu que o ministro do STF foi de encontro à Constituição ao suspender uma nomeação sua. O presidente leu o trecho da Constituição que determina que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário” e repetiu várias vezes a palavra “independentes”.

“Um pequeno parênteses. Eu respeito o poder Judiciário. Respeito suas decisões. Mas nós, com toda certeza, respeitamos antes de tudo a nossa Constituição. O senhor Ramagem tomaria posse hoje e foi impedido por uma decisão monocrática de um ministro do STF”, disse Bolsonaro.

A professora da FGV Direito Patrícia Pinheiro Sampaio, no entanto, aponta que a Constituição é clara ao estabelecer um sistema de “freios e contrapesos” entre os poderes da República, “independentes e harmônicos entre si”.

“O STF é o guardião da Constituição e faz esse controle da legalidade dos atos de pessoas que têm a prerrogativa de função, chamadas de foro privilegiado. Então são dois os papéis de desempenha: prima pela guarda da Constituição e por essa legalidade”, disse a professora ao HuffPost.

Ramagem é próximo à família Bolsonaro. O delegado da PF, ex-diretor da Abin (Agência Brasileira da Inteligência), coordenou a segurança da campanha do então candidato à Presidência da República em 2018, e, em dezembro daquele ano, passou o Réveillon ao lado de Carlos Bolsonaro.

Na Polícia Federal, estão em andamento duas investigações que podem ter impacto no clã bolsonarista: a que apura um esquema criminoso de fake news, em especial nas redes sociais, e outra que trata das manifestações pró-ditadura militar que ocorreram no dia 19 de abril. De acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo do último domingo (26), as investigações estariam chegando a Carlos Bolsonaro.

Para Sampaio, o grande ponto em análise é o “desvio de finalidade”, a “busca da finalidade privada”. “O poder de nomeação encontra limites em que o exercício dele não viole outros princípios da Constituição: a moralidade, a busca pela finalidade pública e a noção de impessoalidade. Isso não pode ser subvertido para a busca de interesses pessoais”.

No documento em que suspendeu a posse de Ramagem, Alexandre de Moraes abordou a questão: “A finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante às nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.

Destacou que ao Poder Judiciário cabe a “verificação de exatidão do exercício da discricionariedade administrativa perante os princípios da administração pública”.

E cita ainda o constitucionalista Celso Bastos: “Então, ao Poder Judiciário cabe também anular atos administrativos, por desvio de poder, por abuso de poder, que atacam exatamente não uma irregularidade formal explícita do ato administrativo, mas ataca o seu âmago, a sua finalidade, apresentando-se essa irregularidade de forma velada, camuflada.”

A decisão do ministro Alexandre de Moraes desta quarta não foi a primeira na qual o STF impediu uma nomeação feita por um presidente da República alegando desvio de finalidade.

Em 18 de março de 2016, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação feita pela então presidente Dilma Rousseff do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Civil horas após ele tomar posse no cargo.

Além do primeiro argumento do desvio de função, o magistrado disse ter visto intenção de “fraudar investigações” sobre o petista na Operação Lava Jato.

Na época, o então deputado federal Jair Bolsonaro, que hoje sugere que o STF extrapolou sua função e foi contra a Constituição no caso Ramagem, comemorou, em frente ao Congresso a decisão da corte barrando a nomeação de Lula.

“Lula liminarmente já não é ministro. Mas os problemas do Brasil são enormes. Logicamente não merece essa facção petista que está no poder. É questão familiar, é questão da inflação, desemprego, descaso com a saúde, corrupção generalizada e corrupção ideológica”, disse Bolsonaro à época, segundo O Globo.

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