Bolsonaro deixa famoso vendedor de churrasquinho que se expõe

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Foto: Reprodução

Edvaldo Almeida dos Santos, 51, era até o último domingo (29) um ambulante anônimo de Ceilândia (DF), na periferia de Brasília. Desde então, ele virou o “amigo do Bolsonaro”.

Seus colegas e clientes na região são rápidos ao comentar que Edvaldo está famoso e perguntam quando o presidente vai voltar para um novo bate-papo com o vendedor de churrasquinho. Ao que ele responde: “Famoso é quando tem dinheiro. Mas seria bom ele voltar para eu vender mais churrasquinho”.

A fama do “velho do churrasquinho” ou “baixinho”, como o chamam seus amigos, começou após o presidente Jair Bolsonaro ter feito um giro pelo comércio na região da capital federal, contrariando orientação do Ministério da Saúde, que recomenda isolamento social para conter o avanço do novo coronavírus.

Bolsonaro fez um tour de algumas horas na região. Na feira central de Ceilândia, fechada após decisão do Governo do Distrito Federal para restringir a circulação de pessoas, o presidente conversou com Edvaldo e o apresentou em suas redes sociais como um exemplo de brasileiro que precisa sair para trabalhar e sobreviver.

Nesta quarta-feira, o vendedor disse à Folha que preferiria ficar em casa e que tem medo do coronavírus, por ser algo que “não consegue ver; vem e mata mesmo”. No entanto, ele ressalta que não teria como sustentar sua família sem a renda com as vendas diárias.

Antes da crise provocada pela pandemia, costumava ter uma receita de R$ 3.000 por mês, mas agora teme não ter dinheiro para pagar o aluguel, que custa R$ 900.

“Dia 12 [data de vencimento do aluguel] está aí e eu não vou ter dinheiro pra pagar. Se eu ficar em casa, não terei dinheiro nem para comer. Não precisa ser todo mundo, mas alguns têm de sair de casa”, afirma.

Natural de Parnaíba (PI), Edvaldo se mudou há 25 anos para Ceilândia para tentar ganhar a vida. Trabalhou por anos na construção civil, quando conseguiu melhorar o padrão de vida da família que hoje vive com ele: sua esposa, um dos filhos e a neta —a outra filha mora em Belo Horizonte.

Um infarto há dez anos, porém, o impediu de continuar na atividade. Assim, comprou um carrinho e segue todos os dias para a região central de Ceilândia, vendendo churrasquinhos por R$ 4, além de bebidas alcoólicas, normalmente para quem está saindo do trabalho no fim do dia.

Edvaldo conta que não ficou ofendido pelo fato de o presidente ter chamado seu produto de “churrasquinho de gato”. “Ele falou brincando. Mas que fique claro que é de boi mesmo e que as pessoas gostam.”

Ele diz que votou em Bolsonaro e que ficou mais confiante para trabalhar com a visita do presidente, com o fato de ele “entender os que precisam trabalhar”. Mas admite que não ficará em casa, caso o candidato que elegeu na última eleição mude de posição.

“Eu vi o discurso ontem [terça-feira] e foi muito bom. Mostra que ele se preocupa com a população. Mas ele disse pra mim que entende que eu preciso trabalhar pra viver. Ele me entende”, relata o vendedor, que disse nem considerar a possibilidade de o Estado repassar dinheiro aos cidadãos para mantê-los em casa.

Edvaldo afirmou também que não tinha conhecimento dos projetos aprovados e em discussão no Congresso para destinar verba aos trabalhadores parados.

Ao seu lado no centro de Ceilândia, seu filho Luiz Fernando dos Reis Santos, 32, conta que a visita do presidente deu “mais coragem” àqueles que precisam sair do confinamento para garantir o sustento. E mesmo assim as condições pioraram com as lojas fechadas e parte da população em casa.

“Em um dia normal eu tirava R$ 300. Agora não tiro nem metade disso”, diz Luiz Fernando. Ele acrescenta que até o perfil das vendas mudou. Antes os produtos mais procurados eram salgadinhos industrializados, para os trabalhadores matarem a fome até chegarem em casa. “Agora é pinga mesmo.”

No domingo, Bolsonaro passou também por outros pontos do Distrito Federal e visitou mercados, padarias, postos de gasolina, sempre provocando aglomerações por onde passava. No bairro Setor Ó, também em Ceilândia, uma padaria ficou tomada por clientes querendo tirar selfies e chegar perto do presidente.

O proprietário José Humberto de Souza, 57, eleitor de Bolsonaro, afirma que as pessoas ficaram mais curiosas com a passagem do presidente, que perguntam como ele é, com quem conversou. Mas esse interesse não se traduziu em mais vendas.

Souza defende a reabertura do comércio para os estabelecimentos não quebrarem. “A padaria não fecha porque é essencial. Mas eu também tenho uma sorveteria e precisei fechar, sem perspectiva de abrir. Vai ser difícil manter”, diz o empresário, que cita queda no faturamento porque muitos de seus clientes eram alunos das escolas da região, agora fechadas.

O dono da padaria também questiona se o isolamento social está produzindo resultados. “Eu vou falar pela minha região. A quarentena pode estar funcionando em outros lugares do país, mas aqui está todo mundo nas ruas. Se já estão nas ruas, então por que não trabalhar?”

Uma funcionária, que pediu para não ser identificada, diverge. Ela conta que tem medo de ser infectada pelo vírus e que preferia ficar em casa. “Saindo, eu posso levar esse vírus para dentro de casa.”

Em uma casa de carnes de Taguatinga, o gerente tenta tratar a visita do presidente como algo normal. Com certo receio de falar com a imprensa, Wellington Silva, 36, lembra que Bolsonaro apenas questionou “como estava o movimento” e que sua visita não teve efeito prático nas vendas.

“Foi uma visita de celebridade e não um ato político”, afirmou Silva. Segundo ele, a casa quis oferecer um pacote de carne de sol ao chefe da nação, mas os jornalistas aglomerados no local atrapalharam.

A Folha tentou conversar com funcionários de um supermercado visitado por Bolsonaro no domingo, mas não foi autorizada a entrevistá-los.

Folha