Bolsonaro imita discurso inicial de Trump sobre pandemia

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Foto: Alan Santos / AFP

O presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu sua admiração pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Durante a pandemia do coronavírus, o brasileiro tem praticamente copiado os passos do americano. Desde o início da crise, ainda no início de março, Bolsonaro tem repetido e ecoado discursos que aparecem primeiro na boca de Trump. Da minimização da doença à briga com os governadores, o manual seguido parece ser o mesmo.

Na segunda-feira, em cadeia nacional, Bolsonaro classificou a Covid-19 como um dos maiores desafios da nossa geração, um movimento que emula o recuo que Trump também deu nas duas últimas semanas. Antes da explosão de casos nos Estados Unidos, essa não era a visão que o presidente americano tinha da doença. No dia 9 de março, em suas redes sociais, Trump comparou o número de mortes pela gripe comum com a do novo coronavírus.

— Ano passado, 37 mil americanos morreram da gripe comum. A média é de 27 mil a 70 mil por ano, mas nada é fechado, a vida e a economia continuam. Até o momento, há 546 casos confirmados e 22 mortes. Pense nisso! — escreveu Trump.

Dois dias depois, na frente do Palácio do Alvorada, foi a vez do presidente brasileiro fazer a mesma comparação.

— Eu acho… eu não sou médico, não sou infectologista. Do que eu vi até o momento, outras gripes mataram mais do que essa — disse o brasileiro.

As semelhanças, contudo, não pararam por aí. Em 21 de março, ambos, em questão de horas, deram publicidade para a cloroquina, medicamento que está sendo pesquisado para seu potencial uso contra a Covid-19. Em 23 de março, nos Estados Unidos, Trump começou a atacar as medidas de isolamento social, colocando em dúvida os efeitos que teria para todo o país. Nesse caso, Trump e Bolsonaro adotaram até mesmo discursos parecidos. Na madrugada, o americano foi às redes sociais e afirmou que “a cura não pode ser pior do que o problema”, prometendo rever a quarentena após o período de 15 dias. No final do dia, foi a vez de Bolsonaro ir às redes sociais com um discurso similar:

— A epidemia afeta diretamente a todos, mas medidas extremas sem planejamento e racionalidade podem ser ainda mais nocivas do que a própria doença no longo prazo — escreveu o presidente.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos, Felipe Loureiro, Bolsonaro e Trump não estão sozinhos no rol de líderes que, a princípio, minimizaram o risco da Covid-19. O professor destaca, contudo, que com o peso dos fatos, Trump mudou de posição, o que ainda não aconteceu completamente com Bolsonaro, apesar do pronunciamento desta segunda-feira. Para ele, as semelhanças são consequência de suas estratégias políticas.

— Tanto Trump quanto Bolsonaro são políticos que têm como estratégia manter suas bases sob permanente mobilização. A postura negacionista é importante por impedir o colapso imediato da economia e, principalmente, porque uma crise de pandemia demanda um tipo de união nacional que não cai tão bem na estratégia de polarização que ambos possuem — afirma.

Em determinado momento, tanto as redes do presidente Trump como aliados de Bolsonaro tentaram promover a ligação do vírus a um plano conspiracionista ligado à China. A afirmação gerou problemas para os dois países, mas o constrangimento levou uma reação forte da China no Brasil, fugindo dos padrões diplomáticos, após o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, atacar o país asiático.

— Aqui me parece que o alinhamento Brasil-EUA tem mais peso. Para que criar rusgas com a China se o Brasil, economicamente, nada tem a ganhar com isso e se o próprio Bolsonaro vem minimizando os efeitos do coronavírus? — diz Loureiro.

Além da China, tanto Bolsonaro quanto o presidente Trump começaram a atacar alguns governadores. No caso de Bolsonaro, os alvos preferidos têm sido o tucano João Doria e o governador fluminense Wilson Witzel. Nos Estados Unidos, o republicano tem atacado principalmente a governadora Gretchen Whitmer, considerada uma das políticas jovens com maior potencial no Partido Democrata.

A explosão de casos nos Estados Unidos, uma diferença em relação ao Brasil, contudo, apontou uma diferença nas declarações de Bolsonaro e Trump. Com as mortes, sobretudo em Nova York, crescendo, Trump passou a defender uma obediência total à política de isolamento social. Bolsonaro, contudo, se mostra mais reticente a adotar esse tipo de medida. Após convocar um pacto nacional em seu pronunciamento na televisão, o presidente brasileiro voltou a criticar governadores e propagar temor quanto ao desabastecimento. Horas depois, apagou a publicação.

Apesar da estratégia comum, o resultado tem sido diferente para Bolsonaro e Trump. Enquanto o brasileiro tem enfrentado protestos diários, o americano percebeu um aumento nos seus índices de aprovação, que esteve abaixo da reprovação ao seu governo durante quase todo seu primeiro mandato. Nos Estados Unidos, apesar de idas e vindas, políticos republicanos e democratas firmaram um acordo que permitiu a aprovação de uma lei de incentivo de US$ 2 trilhões, enquanto no Brasil a reação ainda tem sido lenta. O professor Felipe Loureiro, entretanto, destaca que o crescimento da aprovação de Trump ainda é menor que a de alguns governadores.

— Além disso, historicamente, a sociedade norte-americana tende a apoiar seu chefe de governo em momentos de crise e comoção nacional. Isso aconteceu em diferentes momentos da história norte-americana e para diferentes presidentes. A cultura política brasileira é bem diferente da norte-americana. Aqui, apoio está muito mais relacionado a contextos domésticos favoráveis, especialmente no plano econômico. Some-se a isso, óbvio, a liderança polarizadora de Bolsonaro, uma força menor do seu aparato digital-midiático alternativo e a manutenção de uma linha negacionista radical, apesar de todas as lideranças políticas, mídia, cientistas apontarem exatamente a necessidade do contrário, inclusive o Ministério da Saúde.

Em 9 de março, Trump escreveu que a gripe comum matou 37 mil americanos em 2019. Em 11 de março, Bolsonaro disse que “outras gripes mataram mais do que essa”.

 

Em 21 de março, Trump anunciou que a hidrocloriquina tinha chance de curar a Covid-19.No mesmo dia, Bolsonaro fez um vídeo sobre a cura de pacientes com o mesmo remédio.

 

 

Em 22 de março, Trump disse que “um pequeno grupo de governadores” não deveria culpar seu governo pelas dificuldades enfrentadas. No dia 31, Bolsonaro fez crítica parecida.

 

Em 23 de março, Trump afirmou que “a cura não poderia ser pior que o problema”. No mesmo dia, Bolsonaro disse que medidas podem ser “ainda mais nocivas que a própria doença”.

 

O Globo