Cerca de mil municípios são vulneráveis à pandemia

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Ao menos uma em cada cinco cidades com casos confirmados do novo coronavírus no Brasil é considerada socialmente vulnerável, segundo levantamento do GLOBO baseado em um estudo do Grupo de Métodos Analíticos de Vigilância Respiratória (Mave), formado por pesquisadores da Fiocruz e da FGV.

A pesquisa leva em consideração indicadores socioeconômicos e hospitalares, além do alcance de medidas de isolamento social, para estimar o risco de espalhamento da Covid-19 nos estados. Até a tarde de ontem, 939 municípios analisados pelo Mave já tinham casos de coronavírus, e 22,3% apresentavam características que indicavam maior vulnerabilidade.

Rumo ao interior: coronavírus já circula em 397 municípios além das capitais e regiões metropolitanas

Além de municípios do interior, o grupo de cidades vulneráveis inclui centros regionais com mais de 100 mil habitantes e uma capital, Rio Branco (AC). O estudo da Fiocruz e da FGV classificou mais de 5,5 mil municípios em uma escala de A até E, na qual as três últimas faixas — C, D e E — são consideradas as mais vulneráveis. Os pesquisadores também levaram em consideração a oferta de leitos de UTI na rede pública, os fluxos intermunicipais diários e a população idosa.

Quase todos os 210 municípios com confirmação de Covid-19 considerados vulneráveis estão nas regiões Norte e Nordeste. De acordo com o estudo, a tendência é que a proporção de casos em cidades vulneráveis aumente à medida que o vírus se espalhe a partir de centros urbanos dessas regiões.

— Este processo é crítico porque essas populações nesses municípios mais vulneráveis têm acesso mais limitado a sistemas de saúde e podem ter outras condições de saúde pré-existentes por carência de atenção primária que impactam nos efeitos da epidemia, como necessidade de hospitalização. É preciso fortalecer o SUS neste sentido para atendimento adequado para as populações dos municípios nos grupos C, D, e E — disse Daniel Villela, coordenador do estudo e do Programa de Computação Científica (Procc) da Fiocruz.

Com 57 casos confirmados e duas mortes em Rio Branco, a prefeita da capital acriana, Socorro Neri, criticou na última semana a resistência da população em seguir a determinação de isolamento social — isto é, o isolamento de quem trabalha em atividades consideradas não essenciais.

Na tentativa de evitar a sobrecarga do sistema de saúde, a prefeitura adotou medidas como suspensão de aulas e cancelamento da Feira do Peixe, que atrai milhares de pessoas na semana da Páscoa. Além disso, médicos da rede municipal atendem e monitoram casos suspeitos de Covid-19 também por telefone.

— Temos a teleconsulta, por exemplo, para orientar os pacientes sobre os sintomas antes de indicar a necessidade de ir ou não a uma unidade de saúde. Também verificamos o número de pessoas que tiveram contato com um possível caso e ligamos para elas — disse Rodrigo Pinheiro Silveira, médico de Rio Branco que coordena a iniciativa de telemonitoramento.

Das 161 cidades consideradas vulneráveis com casos de Covid-19 no Nordeste, 44 estão no Ceará, terceiro estado com mais confirmações no país. No interior, municípios como Crateús e Jaguaribe figuram entre os maiores percentuais de população idosa entre as cidades vulneráveis, com cerca de 15% dos moradores acima de 60 anos. Já no entorno de Fortaleza, que passou dos 1,4 mil casos, a preocupação em municípios como Aquiraz, com 29 casos confirmados, é o surgimento de focos por conta do fluxo de pessoas vindas da capital.

— É impossível bloquear totalmente o trânsito intermunicipal. Estamos trabalhando ao máximo na prevenção, inclusive distribuindo álcool em gel em estabelecimentos que precisam ficar abertos. Também compramos 60 mil máscaras — afirmou a secretária de Saúde de Aquiraz, Palloma Oliveira.

Mortalidade alta

Falhas de notificação e monitoramento de casos suspeitos também preocupam cidades mais vulneráveis. Em Santarém (PA), com 305 mil habitantes e quase na divisa com o Amazonas, a primeira morte por coronavírus ocorreu no dia 19, mas a divulgação foi feita quase duas semanas depois. A prefeitura, que diz não ter sido notificada da suspeita, informou só ter recebido o resultado do teste, feito num laboratório particular em Minas Gerais, no dia 25. A vítima, de 87 anos, era uma liderança indígena no distrito de Alter do Chão. O velório e o enterro, feitos sem medidas sanitárias, reuniram dezenas de pessoas. A prefeitura de Santarém, que tem 13 casos confirmados, informou que fez testes em parentes da vítima e monitora pessoas que foram ao velório.

No Amazonas, a região de saúde dos rios Negro e Solimões, do entorno da cidade Manacapuru, entrou no radar do Ministério da Saúde por ter a terceira maior taxa de mortalidade por Covid-19 para cada 100 mil habitantes, de 1,3 — atrás de São Paulo e Fortaleza. Manacapuru, a 70 km de Manaus, é considerada vulnerável. Até ontem foram registrados 64 casos e três mortes no município, que não dispõe de leitos de UTI.