Em Niterói, camelôs reclamam por não receberem auxílio

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

O freezer da cozinha de Leidemar Acarias de Almeida, de 39 anos, está quase vazio, e os espaços vazios na despensa já começaram a aparecer. A ambulante vende crepes doces e salgados em uma barraca na praia de Piratininga, em Niterói, mas está sem trabalhar desde que as primeiras medidas implementadas pela prefeitura da cidade para conter o avanço do novo coronavírus começaram a valer. Na última semana, o governo municipal anunciou que daria um auxílio de R$ 500 durante três meses aos microempreendedores, mas os ambulantes ficaram de fora do benefício.

De acordo com a Prefeitura de Niterói, o valor será fornecido mensalmente através de um cartão eletrônico. Para ter direito ao auxílio, os microempreendedores individuais (MEIs) da cidade precisam estar cadastrados e ter as inscrições ativas na Secretaria municipal de Fazenda. Até o momento, 5,5 mil microempreendedores já se cadastraram para receber o benefício. Ainda que sejam MEI, os ambulantes não foram contemplados porque são cadastrados na Secretaria municipal de Ordem Pública.

Leidemar é camelô licenciada há três anos, e mora com outros cinco familiares no mesmo bairro em que trabalha. O irmão é motoboy, e tem feito alguns serviços informais em um restaurante e uma pizzaria depois de ser demitido da farmácia onde trabalhava, há cerca de dez dias. A mãe dos dois tem uma lanchonete na frente da casa da família, mas o movimento tem sido cada dia mais fraco: nesta quarta-feira (1º) só conseguiu R$ 20.

— Desde dezembro o movimento estava muito ruim na praia, porque teve muita chuva. Estava fazendo faxina numa casa em Camboinhas três vezes na semana para reforçar a renda, mas com essa situação de coronavírus, fui dispensada. Agora estou totalmente de mãos atadas — conta a ambulante.

Com as dificuldades financeiras intensificadas pela crise gerada pela pandemia da COVID-19, a família tem contado com ajuda de familiares e amigos, através principalmente da doação de alimentos. A preocupação de Leidimar, no entanto, são os remédios que a filha Letícia, de 13 anos, usa diariamente no tratamento da bronquite.

— Na semana passada ela teve alguns sintomas do coronavírus e eu entrei em desespero. O pouco dinheiro que tinha guardado foi todo para os remédios dela. Nunca precisei pedir ajuda como estou precisando agora. É muito constrangedor. Com seis pessoas na casa, a gente tem economizado tudo por medo de acabar. Hoje mesmo eu fiz os legumes que tinha e deixei só para a Letícia, porque a imunidade dela é muito frágil — diz.

Fernando Carvalho, de 27 anos, vende hambúrguer e cachorro-quente há quatro anos em uma barraca no Centro. A mãe dele é diarista em um apartamento no Flamengo, na Zona Sul do Rio, e também está sem trabalhar por conta da pandemia, mas continua recebendo o salário.

— Tal como os artesãos e o pessoal da economia solidária, se nós não abrirmos a barraca, se não trabalhamos na rua, não comemos. Estando em casa, a despesa aumenta muito. Com o dinheiro que eu tinha, fiz uma compra maior para garantir alguma coisa, mas as coisas já estão acabando.

A costureira Duda Drummond, de 43 anos, trabalha há 9 como camelô licenciada no Campo de São Bento, em Icaraí. Bacharel em Segurança Pública e estudante de Relações Internacionais, ambos pela Uff, ela faz parte do grupo de extensão “Uff nas Ruas”, que tem mobilizado esforços para ajudar os cerca de 560 ambulantes da cidade que não estão tendo assistência do governo municipal. O grupo criou uma campanha de arrecadação de alimentos e dinheiro para distribuir cestas básicas aos profissionais.

— Quando o prefeito disse que daria um auxílio de R$ 500, ficamos um pouco mais aliviados, porque não perderíamos de 0, mas quando saiu o texto da lei, ficamos decepcionados. Ser MEI é uma prerrogativa para tirar a licença de camelô em Niterói, então pensamos que também seríamos beneficiados. Muitas famílias dependem de vender uma capinha de celular para no fim do dia passar no mercado e comprar um quilo de arroz e de feijão para levar para casa. Estavam todos esperançosos em ter esse auxílio para pelo menos conseguir fazer uma compra maior para dentro de casa — diz a costureira.

Procurada, a Prefeitura de Niterói não informou se os ambulantes serão contemplados pelo benefício. “Na última terça-feira, o prefeito Rodrigo Neves anunciou que a Prefeitura dará auxílio de R$ 500 por três meses a cerca de 35 mil famílias incluídas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal em Niterói. O projeto de lei que que permite a transferência de renda foi aprovado pela Câmara de Vereadores por unanimidade. A expectativa é beneficiar todas as famílias niteroienses com renda per capita de meio salário mínimo ou renda familiar de até três salários mínimos mensais”, diz a nota.

O Globo