Exército tira do ar discordância contra Bolsonaro

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Foto: Marcos Corrêa/PR

O Exército resolveu tirar do ar a análise, de autoria do Centro de Estudos Estratégicos da instituição, sobre a crise da covid-19. O estudo, intitulado “Estratégias de transição para a normalidade”, estava no site do Exército desde o dia 2. Foi divulgado pelo colunista do UOL, Rubens Valente.

Segundo o Centro de Comunicação do Exército, o texto voltará ao ar depois de passar por um ajuste. Teria havido uma leitura “inadequada” de que se tratava de uma postura do Exército contrária ao Comandante Supremo das Forças Armadas, o presidente da República. “Nossa instituição não se presta a interesses que não sejam o da sociedade”, informou.

O Centro de Estudos Estratégicos está diretamente subordinado ao chefe do Estado Maior do Exército, segundo cargo na hierarquia da instituição, depois do comandante. O estudo foi divulgado um dia antes de o cargo ser oficialmente transmitido pelo seu ex-ocupante, o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Walter Braga Netto, ao general Marco Antônio Amaro dos Santos.

Por conta da pandemia, a transmissão foi feita em cerimônia restrita. Além de Braga Netto, que hoje lidera o comitê da crise da covid-19 no governo, e de Amaro, que assumiu a função depois de chefiar o Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, compareceram o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.

O estudo de 25 páginas preconiza medidas em linha com as orientações da Organização Mundial da Saúde e com a conduta recomendada pelo Ministério da Saúde. “A adoção precoce de estratégias de isolamento horizontal tem apresentado resultados parciais mais efetivos, no achatamento da curva”.

Considera o isolamento vertical, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, como uma medida a ser adotada apenas quando se comprovar uma curva descendente de contágio. Pondera ainda que a medida foi bem sucedida em países cuja geografia – e disciplina – são distintas das do Brasil.

O texto avança na análise de uma “estratégia de sequenciamento ou mista”, com 14 dias de isolamento horizontal e outras duas semanas de isolamento vertical, condicionados ao perfil epidemiológico de evolução do contágio em cada região, à realização de testes rápidos para separar a população contaminada daquela sem sintomas, além de medidas como o revezamento do horário de funcionamento das atividades comerciais, limitação de transporte urbano e limitação da quantidade de pessoas em circulação.

O estudo pondera que qualquer medida deve levar em consideração as dimensões do país, a precariedade das condições de vida de comunidades periféricas, as deficiências do sistema hospitalar e o desemprego. Alerta ainda que uma das maiores dificuldades para a adoção das medidas é a obtenção de consensos na Federação. “Esse consenso deve ser construído de forma urgente. Não parece razoável uma quebra de governabilidade num momento tão crítico”.

Além de apoiar, em linhas gerais, a conduta do Ministério da Saúde, o estudo especula sobre uma possível retomada da centralidade de mecanismos econômicos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial do Trabalho (OIT) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A crítica ao multilateralismo tem marcado a atuação do chanceler Ernesto Araújo.

A repercussão do estudo somou-se à tempestade perfeita para o presidente da República ao longo do fim de semana. Pesquisa Datafolha indicou que a popularidade do ministro da Saúde, Henrique Mandetta, supera a do seu chefe, levando-o a intensificar as gestões para sua substituição. A precipitação de Bolsonaro rumo a um isolamento ainda maior foi coroada com a atuação de sua milícia digital que decretou guerra com perfis falsos do presidente da Câmara, Rodrigo Maia e de Mandetta, além da radicalização das provocações contra o governo chinês, #bloqueiocomercialchinesja.

Valor Econômico