Filhos de Bolsonaro aprofundam laços com evangélicos

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Foto: Evaristo Sa/AFP

Sem partido desde que rompeu no fim de 2019 com o PSL, em meio a “barracos” públicos, e sem perspectiva de viabilizar a nova legenda — a Aliança pelo Brasil — até a eleição de outubro deste ano, o bolsonarismo anda por aí em busca de barrigas de aluguel para suas candidaturas a prefeito e vereador pelo país. Visto de longe por um desavisado, o Republicanos, sigla escolhida recentemente pelo clã Bolsonaro para abrigar no Rio de Janeiro dois dos rebentos, Flávio e Carlos, além da mãe deles, Rogéria, talvez fosse descartado rapidamente como possível destino de qualquer aliado do presidente.

Integrante do chamado Centrão no Congresso, grupo de partidos versado no ofício de trocar votos por benesses, prática contra a qual Bolsonaro pregou durante a eleição, a legenda vive criando problemas para o governo em votações, tem como “eterno presidente de honra” José Alencar, vice de Lula nos dois mandatos, e fez parte da base aliada da igualmente petista Dilma Rousseff. Após apoiar o impeachment, bandeou-se para o lado de Michel Temer. O presidente do então PRB, deputado federal Marcos Pereira, foi gravado pelo empresário Joesley Batista enquanto era ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços discutindo uma propina de 6 milhões de reais em troca de empréstimo de 2,7 bilhões de reais na Caixa à JBS. Para completar, a sigla apostou na malograda candidatura presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB) em 2018.

Em política, contudo, mesmo um rosário de aparentes incompatibilidades não faz frente às vantagens de um belo casamento de conveniência. No caso, o dote oferecido pelo noivo é atrativo demais para descartá-lo apenas pelo histórico amoroso do pretendente. Umbilicalmente ligado à Igreja Universal, do bispo Edir Macedo, o partido permite consolidar os laços com o eleitorado evangélico, público que ainda se mantém fiel ao presidente em meio à crise do coronavírus (veja o quadro na pág. 46). Marcos Pereira, aliás, é pastor licenciado da Universal e ex-vice-presidente da Rede Record. Para o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da Fundação Getulio Vargas, a aproximação representa um aumento da influência da religião no governo. “Essas lideranças apoiam Bolsonaro não só por uma questão ideológica, elas se valem das decisões governamentais que beneficiam as igrejas, e por isso levam o discurso do presidente para dentro dos templos”, avalia.

Fora as raízes na Universal, não é de desprezar a estrutura do Republicanos, como as bancadas no Congresso e o dinheiro dos fundos partidário e eleitoral, que devem somar 150 milhões de reais em 2020. Sem a Aliança pelo Brasil pronta a tempo, nenhuma das outras legendas que abrigarão candidatos bolsonaristas, como Patriota, PRTB e Democracia Cristã, chega perto do poder financeiro e da capilaridade política do Republicanos: dois senadores, 31 deputados federais (a quinta maior bancada), 49 deputados estaduais e distritais, 155 prefeitos e 2 636 vereadores, além de 597 637 filiados. As adesões do Zero Um e do Zero Dois ainda tiveram caráter prático. Flávio estava sem partido e, por isso, não podia assumir nenhuma prerrogativa no Senado, como integrar comissões. Carlos desembarcou do PSC, do governador Wilson Witzel, que passou de aliado a rival do bolsonarismo.

Antes da acolhida aos filhos do presidente, houve outros flertes entre Bolsonaro e a legenda. Ele e Pereira se conheceram em 2017 por intermédio do advogado Frederick Wassef, hoje defensor de Flávio no processo que apura a rachadinha na Assembleia do Rio quando o agora senador era deputado estadual. Wassef ajudava Bolsonaro na busca por uma sigla para disputar a Presidência. Depois de três conversas, não houve acordo. A cúpula do PRB não via a menor chance de o capitão sair vitorioso nas urnas. Mas Bolsonaro foi eleito e, em um ano, deixou o PSL. As negociações, então, foram retomadas. Dessa vez, partiu de Pereira a iniciativa de se colocar à disposição, mas Bolsonaro decidiu criar o seu partido. O namoro, cheio de idas e vindas, acabou terminando no altar no fim de março.

Berço eleitoral do clã presidencial, o Rio de Janeiro é a praça onde o casamento de conveniência já foi formalizado, costurado por Flávio Bolsonaro e o prefeito carioca, Marcelo Crivella, sobrinho de Macedo e bispo licenciado da Universal. A união deve dar frutos na forma de acordos em ao menos quarenta municípios fluminenses, incluindo a capital, e prevê que o Republicanos escolha o vice dos candidatos indicados pela Aliança pelo Brasil, e vice-versa. Entre aliados de Crivella, há quem veja com bons olhos o nome de Rogéria como a companheira de chapa ideal. “Nós temos um voto independente e sabemos que os bolsonaristas não virão sempre conosco. É uma questão circunstancial”, admi­te Marcos Pereira.

O casamento arranjado no Rio é visto pelos envolvidos como uma relação de “ganha-ganha-ganha” entre o clã, o prefeito e o partido. Abrigados na estrutura do Republicanos, os filhos do presidente têm a oferecer a Crivella, às voltas com altas taxas de rejeição, a ainda representativa popularidade de Bolsonaro. Conforme VEJA revelou, o prefeito terá à disposição os préstimos digitais de Carlos, coordenador da bem-sucedida campanha do pai nas redes sociais em 2018. Já o Republicanos, contando com Carlos e Rogéria como “puxadores de voto”, espera fazer uma bancada de pelo menos onze vereadores na Câmara do Rio.

“Todos os candidatos eleitos ligados aos Bolsonaro terão liberdade de sair do Republicanos e ir para o Aliança. Assim, o Aliança já nasce com base municipal e o Republicanos fica com um espólio”, afirma um aliado de Crivella. A debandada programada começa pelo Zero Um. Assim que o Aliança tiver autorização do TSE, Flávio mudará de partido. “A filiação foi uma solução para encontrar uma casa para os candidatos que ele apoia no Rio”, explica a advogada Karina Kufa, tesoureira do Aliança. Casamento com data marcada para o divórcio, eis aí uma inovação dessa despudoradamente pragmática ala da política nacional.

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