Parentes de presos infectados pagam até R$ 900 por notícias

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A ligação feita pela servidora do sistema prisional, de dentro do Complexo da Papuda, em Brasília, durou exatamente 1 minuto e 41 segundos. Shirley (o nome é fictício, a pedido das pessoas envolvidas) atendeu à chamada.

A funcionária queria saber se ela tinha algum parente dentro da Papuda, onde estão confinados 13,4 mil detentos, em quatro presídios distintos. Shirley disse que o irmão estava preso no bloco chamado Centro de Internamento e Reeducação (CIR), deu o nome dele e ficou muda ao telefone, diante da iminente má notícia.

A servidora informou, em seguida, que o preso havia sido diagnosticado com Covid-19, que passou a ficar isolado e que vinha recebendo assistência médica desde então.

Foi a única notícia recebida por Shirley. O mesmo ritual se repetiu para as famílias de 72 presos infectados pelo novo coronavírus dentro da Papuda. Nenhum outro complexo prisional brasileiro, até agora, teve tantos casos de infectados na pandemia. Na Papuda, há ainda 30 agentes penitenciários infectados, o que eleva para 102 o número de casos, de acordo com dados divulgados na última segunda-feira.

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A situação fez espalhar o pânico e o medo entre os milhares de presos e familiares, que temem que o vírus se espraie pelo complexo. E o isolamento a que todos os detentos foram submetidos — as visitas de advogados e parentes estão vedadas —fez surgir uma espécie de mercado de informações sobre a saúde dos detentos. Tem até preço: entre R$ 300 e R$ 900.

Parlatório virtual

Na semana passada, começou a funcionar um parlatório virtual que conecta detentos e advogados. Nessas sessões de 30 minutos cada, as discussões sobre os processos foram quase inteiramente substituídas pela busca por informações sobre a saúde dos presos. O recurso é limitado: são permitidos apenas cinco presos por bloco num dia. Um mesmo advogado só pode falar com dois detentos por semana.

Shirley quer mais notícias do irmão, mas não tem dinheiro para pagar um advogado:

— O advogado está cobrando R$ 300 para uma conversa por videoconferência. E não está tendo vaga. Ele pega um bilhete ou uma carta do familiar e lê para o preso. A fila por esse serviço está enorme.

A mulher recorreu, então, à Defensoria Pública do Distrito Federal. Os defensores, no entanto, ainda não têm acesso ao parlatório virtual. Eles pediram que seja assegurado atendimento médico ao irmão de Shirley. Num único dia, foram feitos 43 pedidos do tipo. Todos os dias, a Defensoria Pública recebe cerca de 200 ligações e mensagens de familiares de presos pedindo ajuda para saber o que está acontecendo dentro da Papuda.

Advogados que oferecem o serviço do parlatório virtual dizem não haver um preço fixo para a sessão de videoconferência. Alguns admitem que o preço pode chegar a R$ 900. A Ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) já recebeu denúncia sobre a comercialização dessas sessões virtuais. Familiares de diferentes presos vêm se associando para pagar um único advogado. O defensor fala com um único detento, mas com o compromisso de repassar e receber informações de diferentes internos.

A administração do sistema prisional vedou a presença de presos com Covid-19 no espaço usado no parlatório para as sessões virtuais.

Progressão de regime

A Defensoria Pública do DF chegou a pedir à Justiça que, diante da vedação de visitas, autorizasse uma ligação telefônica a familiares por preso, o que foi negado pela Justiça. Já o pedido feito pela Defensoria para que houvesse uma antecipação da progressão do regime semiaberto ao aberto, em 120 dias, foi deferido pela Justiça. Cerca de 600 presos já mudaram de regime, segundo a Defensoria.

— Ao todo, são 1.040 processos relacionados a essa progressão, mas havia faltas graves ou outras condenações relacionadas aos demais casos. Pedimos a extensão do prazo para a antecipação da progressão do regime, de 120 para 180 dias — afirma o coordenador do Núcleo de Execuções Penais da Defensoria Pública do DF, Reinaldo Rossano Alves.

A juíza titular da Vara de Execuções Penais, Leila Cury, determinou ainda que 37 presos fossem colocados em prisão domiciliar humanitária.

— Não há como isolar por completo o ambiente carcerário. A quantidade de diagnósticos se deve ao número de testes que foram aplicados em um único dia, quase 400. O DF efetivamente disponibilizou testes para o sistema prisional. Os infectados possuem menos de 60 anos de idade e apresentam sintomas leves. Os agentes estão afastados do trabalho e os presos estão isolados e sendo acompanhados diuturnamente. Nenhum apresentou necessidade de internação. Não há descontrole da situação — disse ela.

O Globo