Premiê inglês começa a responder por negacionismo

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Um mês depois de ter prometido aplicar testes em massa no Reino Unido, o primeiro-ministro conservador, Boris Johnson, está sob ataque da oposição por não ter cumprido o prazo anunciado e ter demorado para perceber a gravidade da pandemia de coronavírus.

Boris era avesso a restringir a circulação de pessoas e reduzir a atividade econômica, e o Reino Unido levou dez dias depois da primeira morte por Covid-19 para dar o primeiro passo: “recomendar” a idosos e doentes crônicos que ficassem em casa, no dia 15 de março.

Com a aceleração da doença e grande parte da população ignorando as recomendações, o premiê subiu o tom do discurso várias vezes até implantar um lockdown oito dias depois, em 23 de março.

Nesse meio-tempo, a pandemia pegou o NHS (sistema público de saúde) sem leitos, profissionais e equipamentos de proteção em número suficiente. Assim, falhou sua promessa de chegar ao dia 15 de abril com 25 mil testes diários. Menos da metade foi realizada até a última quarta.

Neste domingo (19), o Partido Trabalhista, de oposição, acusou Boris e seu governo de terem demorado para agir contra a pandemia.

Jonathan Ashworth, secretário da Saúde do gabinete paralelo (espécie de ministério formado pela oposição em países parlamentaristas), disse que o premiê precisaria explicar por que faltou a cinco reuniões da equipe de combate ao coronavírus em fevereiro, quando “o mundo inteiro já havia notado o quão sério isso estava se tornando”.

Também elencou “erros graves” do governo: “Nossa equipe do NHS não tem máscaras nem uniformes adequados. Nossa capacidade de testes está aquém do necessário.”

Em resposta, um dos principais ministros do governo britânico, Michael Gove, afirmou a canais de TV: “Todos os governos cometem erros, incluindo o nosso. Procuramos melhorar e aprender”.

Gove desviou duas vezes de perguntas sobre por que o Reino Unido falhou na tentativa de implantar um programa extenso de testes, como fizeram Coreia do Sul, Alemanha e outros países que tiveram mais sucesso no controle do coronavírus.

Mas os relatos das últimas semanas e análises de especialistas podem servir de alerta a outros governos que elegeram testes como prioridade. É o caso do Brasil, cujo novo ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou após tomar posse: “Quanto mais a gente entender da doença, maior vai ser a nossa capacidade de administrar o momento, planejar o futuro e sair desta política do isolamento e do distanciamento. Para conhecer a doença, a gente vai ter que fazer um programa de testes.”

A estratégia é correta —testar é indispensável para tomar decisões contra a pandemia—, mas não é suficiente e pode fracassar (ou patinar) sem recursos, planejamento e outras políticas de contenção do contágio.

Para começar, os testes são caros (cada swab, cotonete usado para recolher amostras, pode custar € 15, ou R$ 90) e, se não for executado por uma pessoa treinada, pode dar resultado falso. Além disso, para ser usado como forma de evitar as quarentenas, eles precisam ser feitos em massa e repetidamente, pois uma pessoa que está negativa hoje pode se contaminar amanhã.

Testar ao menos duas vezes os 66 milhões de habitantes do Reino Unido custaria quase € 2 bilhões, valor que a segunda maior economia europeia (PIB de € 2,86 trilhões, ou cerca de R$ 17 trilhões em 2018) pode bancar. Em março, Boris Johnson prometeu chegar a 100 mil testes diários no fim deste mês.

Mas, embora tivesse dinheiro para um programa dessa envergadura, o governo britânico não tinha estrutura própria para escalar rapidamente o número de exames.

Enquanto Alemanha e Coreia do Sul garantiram rapidamente estoques de kits e insumos e os distribuíram para um número grande de laboratórios, o Reino Unido centralizou os diagnósticos nas oito unidades da Public Health England (agência executiva do Departamento de Saúde e Assistência Social).

Com o trabalho estrangulado, ampliou a rede para outros 40 laboratórios do NHS. Só no fim de março expandiu o trabalho para universidades, centros de pesquisa e companhias privadas.

A essa altura, a capacidade de processar os testes já não era o único elemento escasso. O crescimento acelerado da pandemia no mundo todo aumentou a disputa por swabs, kits de teste e reagentes (produtos químicos que extraem o material genético do vírus para que ele seja detectado).

Sem a vantagem comparativa da Alemanha, que produz os insumos e conta com a produção da Roche e da Qiagen para superar 50 mil testes por dia em mais de cem laboratórios, o Reino Unido se viu em falta de matéria-prima.

O governo reagiu, articulando-se com companhias como GlaxoSmithKline e Astrazeneca para produzir os reagentes no país, e limitou por enquanto os testes a pacientes internados e trabalhadores essenciais e suas famílias.

Além dos profissionais de saúde, entram na lista policiais, bombeiros, agentes penitenciários, juízes e funcionários públicos como os que trabalham nos programas de seguro-desemprego e outras ações contra danos causados pela pandemia.

Se antes os testes eram anunciados como alternativa ao confinamento, agora são vistos como indispensáveis para relaxar a quarentena.

Mas insuficientes, segundo Gove. Será preciso também rastrear e isolar contatos, fortalecer o atendimento hospitalar e reduzir a taxa de infecções, afirmou.

“Quando tivermos as informações que nos permitam relaxar com segurança as restrições, faremos isso. No momento, não temos esses dados”, disse Gove.

O ministro disse que o governo também está na fase final para lançar um aplicativo que permitirá rastrear contatos e avisar quando alguém tiver se encontrado com uma pessoa infectada.

Também anunciado por Alemanha, Áustria e França, o rastreamento digital de contatos foi usado por Hong Kong, Taiwan e Singapura, para encontrar e isolar quem pudesse ter sido exposto ao vírus.
Mas, desta vez, o governo britânico evitou dar prazo para o lançamento: “É melhor não ter um aplicativo do que ter um ruim”, disse Gove.