Se não consegue demitir ministro, Bolsonaro não consegue dar golpe

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Um raro fato positivo da crise do coronavírus deve ser o fim do temor irracional de que o presidente Jair Bolsonaro representa uma ameaça à democracia.

É difícil imaginar que alguém que não consegue demitir seu ministro da Saúde teria condições de fechar o Congresso ou o Supremo.

Nesta segunda-feira (13), o presidente foi pressionado como poucas vezes aconteceu desde que tomou posse por sua base de apoiadores digitais, e a ignorou solenemente, outro movimento raro.

Em pauta estava a demissão de Luiz Henrique Mandetta, agora alçado a inimigo público do bolsonarismo como já vimos muitas vezes com outros ex-aliados, de Joice Hasselmann a Alexandre Frota.

A gota d’água para uma relação que já estava estremecida foi a entrevista do ministro ao programa Fantástico, da Rede Globo, em que desafiou abertamente Bolsonaro e o repreendeu por passar uma mensagem dúbia à população.

Incrivelmente, Mandetta terminou o dia como ministro, o que deixou perplexa a tropa de choque do presidente, como se pode perceber numa amostra do Twitter.

Assim reagiu, por exemplo, Davy Albuquerque, chefe de Redação do site chapa branca Conexão Política:

 

O Jornal da Cidade Online, outro veículo de sustentação do presidente, bateu mais pesado.

 

Henrique Oliveira, cofundador do Movimento Brasil Conservador, foi outro a pedir a cabeça do ministro.

 

Assim como os deputados federais Bibo Nunes (PSL-RS),

 

e Filipe Barros (PSL-PR).

 

Ao contrário do que tem sido sua prática, Bolsonaro, notoriamente sensível ao que pede sua base digital, desta vez deu de ombros.

Há duas hipóteses para que isso tenha acontecido. A primeira é que ele tenha se distanciado de seus apoiadores.

Mas isso parece não fazer sentido, pois ela é fundamental para manter energizado seu eleitorado cativo, hoje o principal trunfo politico frente a uma oposição ainda fragmentada.

A segunda, mais provável, é que o presidente está de mãos atadas de forma inédita, e revelando uma fragilidade surpreendente.

Num momento de incerteza, ele prefere não arriscar a reação que viria do gesto de demitir Mandetta, por mais que o ministro agora tenha dado motivo para levar o cartão vermelho.

Poucas vezes uma quebra de hierarquia em rede nacional foi tão acintosa, independentemente do mérito sobre o que o ministro falou.

Seja como for, Bolsonaro já não parece mais aquele ser que poderia dobrar as instituições. Seus instintos autoritários são inegáveis, ele tem por hábito tensionar nosso sistema político.

Mas sempre que tentou quebrar as regras foi barrado pelo Supremo e pelo Congresso, as duas instituições que supostamente mais ameaçaria.

Bolsonaro, é claro, ainda tem força considerável para ditar o debate político.

Para derrotá-lo, a esquerda e o centro precisam ler menos “Como as Democracias Morrem” e pensar mais em construir um projeto para ser submetido às urnas daqui a dois anos e meio.

Folha