Senado: paciência com Bolsonaro está no fim

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Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

A senadora Simone Tebet afirmou que o Congresso e a sociedade estão se cansando do comportamento de Bolsonaro. No último domingo, o presidente participou de uma manifestação que pedia o fechamento do Congresso. Na manhã de segunda-feira, no entanto, ao ouvir de um apoiador na saída do Palácio da Alvorada uma frase de apoio à intervenção militar, sua reação foi instantânea: repreendeu o homem e defendeu firmemente a democracia. Esse tipo de comportamento imprevisível, segundo Simone Tebet, não condiz com o cargo mais importante do país. “O Presidente da República deve vestir um terno de presidente”, critica a presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Apesar das críticas, Tebet considera improvável – e uma calamidade política – a possibilidade de um impeachment. “Seria o caos do caos”, afirma. Em entrevista ao CB Poder, uma parceria do Correio Braziliense e TV Brasília, a senadora do MDB de Mato Grosso do Sul reforça a necessidade de união entre os poderes para aprovar medidas benéficas à sociedade durante a crise. Quanto ao possível adiamento das eleições deste ano, ela não vê problema a realização de um pleito único em 2022. Mas ressalta que essa decisão cabe à Justiça. Leia os principais trechos da entrevista.

Começamos a semana de forma tensa com o presidente Jair Bolsonaro participando de uma manifestação no domingo, onde os manifestantes pediam intervenção militar e fechamento do congresso nacional. Na manhã de segunda, ele voltou atrás dizendo que queria o STF aberto, o Congresso aberto e transparentes. Como a senhora vê essa atitude do presidente Jair Bolsonaro?

Foi uma meia dúzia as ruas. Por sorte uma meia dúzia não representa a vontade da maioria da população brasileira, muito pelo contrário. Quem viveu ou ouviu falar do que foi o ai-5 jamais teria coragem de levantar a voz a favor dele. Ou é um ato de ignorância ou de hipocrisia. Ignorância por não ter vivido ou lido nos livros de história ou hipocrisia em achar que o AI-5 valeria para todos, menos aqueles que levantam a bandeira dele. Valeria para aqueles que são contra, ou seja, a maioria da população brasileira e não para essa minoria que continuaria tendo suas liberdades e garantias. Por parte do presidente da República, temos que dizer basta. Falar para o presidente para que ele não se esqueça de não está mais no palanque político e que não é mais deputado federal. Ele é o presidente da República em um dos momentos mais difíceis na história recente do Brasil. Difícil não só por uma crise sanitária sem precedentes, mas principalmente pela crise política e de instabilidade. A última coisa que podemos ter nesse momento é um presidente da República levando o país que já vive um caos à instabilidade política e insegurança jurídica.

Hoje de manhã na saída do palácio do Alvorada o presidente disse “a constituição sou eu”, em possível referência ao rei Luís XIV, o Rei-Sol. Essa posição autoritária do Presidente da República não é preocupante?

O estado somos nós. Nós, que pela soberania popular o elegemos. Eu, como senadora da República, em um café da manhã, disse exatamente isso para ele: “Presidente me ajude a ajudá-lo”. Eu não faço parte nem da oposição nem do governo, mas quero ajudar o país pelo caminho do centro democrático. Essa fala infeliz do presidente “o estado sou eu” é totalmente infeliz e não combina exatamente com aquilo que ele sinalizou de manhã quando foi abordado por um dos seus seguidores que falou sobre o fechamento das instituições e foi repreendido pelo próprio presidente Bolsonaro. “Essa é a minha casa sua casa casa do povo brasileiro. Democracia e liberdade acima de tudo”, disse ele. O congresso está se cansando e parte da sociedade também desse vai e vem, dessa instabilidade. O Presidente da República deve vestir um terno de presidente. Presidente de todos nós. Tem que dar nesse momento, serenidade para que nós possamos enfrentar o maior dos desafios dos últimos anos: a pandemia do coronavírus e os impactos sociais e econômicos. Eu espero que o presidente tenha percebido, depois das respostas firmes das instituições, que a paciência está chegando ao fim e que nós precisamos e vamos construir pontes. É momento de construir e pavimentar caminhos porque estamos todos no mesmo barco.

A senhora vê alguma possibilidade de lhe fazer essa ponte no momento em que o presidente ataca justamente os presidentes da Câmara e do Senado? Como trabalhar com um presidente que não negocia nem o mérito das propostas?

Negociar com o presidente de de domingo ou o de segunda de manhã? Esse é o problema de todos nós. Na semana passada, quando fui muito mal interpretada, dizendo que o presidente deveria pedir desculpas para o Congresso Nacional, eu estava me referindo exatamente a isso. Nós estamos, juntamente com ele, ao lado das pessoas. Nós temos que unir esforços diante desta crise. Acho que o presidente precisa reconhecer o papel do Congresso Nacional em tudo que ele tem feito neste momento de pandemia. Nós estamos dentro do prazo regimental e o novo prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal que é 16 dias úteis para votar as medidas provisórias. Nós estamos votando. Não estamos deixando medidas provisórias caducarem, muito pelo contrário. No eixo da saúde pública, que é o principal do coronavírus, estamos com crédito extraordinário de R$ 5 bilhões. Aprovamos a telemedicina para que as pessoas possam receber ajuda médica em casa. Foram inúmeros os projetos relacionados a isso, como a possibilidade de distribuição da merenda escolar que está parada nas escolas para beneficiários do bolsa família; o coronavoucher de R$ 600; ajuda para empresas não demitirem funcionários, com linha de financiamento, possibilidade de suspensão por 60 dias sem mandar embora e sem mexer no salário, bancado pelo poder público, ou a possibilidade dessas empresas reduzirem jornadas de trabalho por 90 dias bancado pelo seguro-desemprego. Tudo isso que deveria ser uma propaganda positiva do Governo Federal, porque convenhamos, saiu da equipe econômica do governo. O presidente Bolsonaro acaba ficando diminuído, diluído nessa briga desnecessária porque acha que o Congresso Nacional é o inimigo do seu governo e inimigo do povo. Como ficamos nós que estamos tentando ajudar o governo? Nos sentimos atingidos e de forma injusta, sendo que estamos trabalhando incansavelmente dentro do mesmo projeto, que é garantir à população mais vulnerável o mínimo de condições para que possamos sair mais fortalecidos dessa crise.

Senadora, a senhora listou uma série de projetos apresentados pelo governo para tentar minimizar os impactos da pandemia, mas como fica a medida provisória da Carteira Verde e Amarela e também o pacote de socorro aos estados?

A MP da Carteira Verde e Amarela é extremamente importante para o país. Ela garante mais oportunidades àqueles que têm mais de 55 e menos de 29 anos, permitindo contrapartida para as empresas, com certas flexibilidades e regras como diminuição de contribuições. Pode garantir o primeiro emprego aos mais novos e também o retorno de quem tem mais de 55 anos ao mercado de trabalho. O Congresso Nacional tem esse ditado: “o perigo mora nos detalhes”. O problema é que toda vez que o Governo Federal mandou projetos relevantes como essa Medida Provisória, muitas vezes vem aquela “pata de elefante em cima do projeto”. Às vezes o excesso prejudica, vicia o projeto e o torna inviável. O problema da MP é que junto com ela há uma minirreforma trabalhista. Inclusive com itens que já havíamos rechaçado na MP do ex-presidente Temer e depois na MP da Liberdade Econômica do próprio presidente Bolsonaro. Isso fez com que levasse dias, meses até que a Câmara do Deputados chegasse a um consenso. Quando isso aconteceu, o projeto chegou de última hora ao senado. Ao meu ver, não é culpa do congresso nacional, foi dos excessos colocados pelo Governo Federal. Se ele tivesse se atido apenas à Carteira Verde e Amarela, o projeto já teria sido sancionado pelo presidente. O projeto chegou na sexta-feira e nós estávamos prontos para votar. Inclusive foi escolhido pelo presidente Davi Alcolumbre o líder do PT. Não para atrapalhar o projeto, mas porque o PT estava propenso a aceitar a medida provisória com alguns pequenos detalhes. Já estava costurando esse acordo com a Câmara dos Deputados para que nesta segunda-feira, a Câmara pudesse adequar o texto e sancionar. Então nessa questão da MP caducar, não foi má vontade do Congresso Nacional. Primeiro, houve excesso da medida provisória que era boa com algo que era nocivo a ser rodado o nesse fomento; segundo, nós estávamos prontos para voltar quando deu empate do presidente da república com Rodrigo Maia na sexta-feira. Aí, com isso, o senado que estava pronto para dar uma resposta viu que não adiantava votar, sendo que não teria condições de ser votado na câmara.

Qual a saída que está sendo costurada?

Nós temos várias possibilidades. A primeira é um projeto de lei com regime de urgência constitucional que você tem de 30 a 40 dias para votar e a gente poderia voltar isso muito mais cedo, uma semana na Câmara e uma semana no Senado. Outra opção seria aproveitar uma medida provisória que trata das relações trabalhistas e nós incorporarmos a MP nela. Porque se nós incorporarmos numa MP que está em tramitação curta no Senado Federal, o Supremo não vai entender que o governo está reeditando a Medida Provisória. Ele está entendendo corretamente que a Câmara e Senado entendem oportuna, conveniente a inserção dessa medida provisória da Carteira Verde e Amarela. Temos saídas jurídicas? Sim. Em seu conteúdo, aquilo que tem convergência, isso nós temos condições de salvar.

E em relação à ajuda aos estados e municípios?

Essa talvez tenha sido a razão da briga, da falta de entendimento do Governo Federal com o presidente da Câmara Davi Alcolumbre. Se nós não socorrermos neste momento estados e municípios, que é onde nós vivemos, não adianta nada ter reserva bilionária, se preocupar com meta fiscal, se preocupar com o teto de gastos, se preocupar com regra de ouro. Se nós não tivermos o país governado no futuro ou pessoas de quem cuidarmos. Diante desse quadro, temos aí um cabo de guerra que pode ser rapidamente solucionado. De um lado a Câmara dos deputados olhando mais para os estados e outro o Governo Federal dizendo o seguinte: “vocês querem dar tudo para os governos municipais estaduais sem ter contrapartida”. Eu tive o cuidado de ler o projeto da Câmara e soube por parte da equipe econômica qual a intenção do Governo Federal. Ambos têm razão parcialmente. É possível encontrar um meio termo. É possível trabalhar em cima de um texto ou da Câmara ou do governo, mas já quero antecipar: o que o governo federal hoje oferece, que é muito pouco, no meu estado, o Mato Grosso do Sul, não cobre 10% da perda de receita de ICMS. O da Câmara garantiria algo em torno de 30% dessa receita. Então qual é o próximo passo? Esta semana o Governo Federal está conversando com alguns senadores e líderes para encontrar um texto ideal minimamente aquilo que podemos avançar. O Senado pode trabalhar nesta semana e entregar para a Câmara um projeto.

O presidente da Câmara Rodrigo Maia chegou a mencionar na semana passada que o projeto do governo é justamente para não ajudar os estados que hoje mais sofrem com a pandemia: Rio e São Paulo, porque existe uma atitude com vistas a 2022. Sabemos que João Doria surgiu como um adversário do presidente Bolsonaro e há toda uma desconfiança de que essa questão do governo não querer ajudar Rio e São Paulo é para não ajudar João Doria. Como o congresso vai lidar com isso?

O congresso tem que estar isento neste momento de disputa político-partidária. O ano de 2022 está lá na frente e não sabemos se chegaremos vivos até lá. Por isso digo que há razão parcialmente, em ambos os lados. Porque de qualquer forma, estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de janeiro sempre levarão uma parte maior. No projeto da Câmara fala-se em perdas em relação ao ICMS. Já no projeto da equipe econômica – por isso que não atende aos estados menores – eles falam em repor as perdas de acordo com o índice de FPM e FPE, onde um dos critérios é o tamanho da população. Então, o Governo Federal também ajudaria São Paulo e Rio, porque FPM e FPE está relacionado à estados mais populosos. O Senado é a casa da Federação. O Senado defende igualmente e tem a defesa intransigente dos estados brasileiros. Somos criados justamente por isso, então consequentemente só vai passar no senado federal o projeto que distribui melhor essa conta ou esse pouco dinheiro que se tem para a maioria absoluta dos estados brasileiros. Não acredito que o critério FPM e FPE (critério hoje no primeiro momento almejado pelo Governo Federal), seja mais justo e mais possível passar. Talvez uma mescla incluindo FPM e FPE, e perdas de ICMS com ISS. Por isso, essa semana será crucial. Vai ser uma semana de muito debate e de muita negociação. Negociação à serviço dos interesses dos estados e municípios e da população.

A senhora é membro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e participou do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Como a senhora vê essa possibilidade em relação ao presidente Jair Bolsonaro?

Neste momento de pandemia, seria o caos do caos. O Congresso Nacional deve fazer o que infelizmente o presidente não está fazendo, que é a garantia da estabilidade política, social, econômica e a segurança jurídica de que o país precisa nessa pandemia. Este é um momento excepcional que nós estamos vivendo. Não excepcional no bom sentido, mas no contrário. E requer maturidade, foco, e, acima de tudo, equilíbrio. O Congresso Nacional, não tenho dúvidas que dará essa demonstração de equilíbrio para o país. Vamos votar projetos. Nesta semana ainda estamos em plenário virtual, mas prontos para votar todos os projetos relevantes. Não acredito, em hipótese alguma neste momento, no recebimento de pedido de impeachment do presidente Bolsonaro por parte do presidente da Câmara Rodrigo Maia.

Até quando a senhora acredita que vai esse plenário virtual no Congresso?

Até pelo que aconteceu no domingo (participação de Bolsonaro em manifestações que pediam o fechamento do Congresso), temos que voltar o mais rápido possível. O congresso Nacional já foi fechado uma vez por fora, mas ele não admite fechaduras em uma democracia. Muito menos por dentro. Não seremos nós a fechar o Congresso Nacional. Da mesma forma como o profissional de saúde é essencial nos hospitais, o pessoal da limpeza para evitar que o surto da pandemia se alastre, o pessoal da segurança pública, todos estão trabalhando, nas ruas e dando o melhor de si. O Congresso Nacional terá que voltar às atividades em maio. Com toda a segurança, dando exemplo, deixando quem tem mais de 60 anos trabalhando virtualmente. Talvez no Senado, com 20% dos servidores públicos apenas. Nós somos os soldados de front da democracia. Somos nós que temos que estar ali correndo qualquer risco, somos pagos para isso. Então, novamente repito: com responsabilidade, protegendo as pessoas que estão com comorbidades ou que não possam estar na linha de frente. Mas eu acredito, até pela situação que garante a estabilidade, que seja preciso colocar água na fervura e ter votações mais rápidas. O presidente Davi Alcolumbre acabou de afirmar que nós não vamos mais aprovar nenhuma emenda constitucional no plenário virtual durante a pandemia, porque a última coisa a se mudar no Brasil é a Constituição em momentos de instabilidade. A própria constituição cria mecanismos nesse sentido. E por isso mesmo, muitas vezes viabiliza votações urgentes. Medidas provisórias que poderiam ser votadas mais rapidamente como a MP da Carteira Verde e Amarela muitas vezes sai prejudicada. Por isso eu realmente advogo a volta do plenário presencial o mais rápido possível.

A senhora acha que vai ser possível realizar eleições municipais no período regulamentar?

São duas questões relevantes. É possível prorrogar, jogar a eleição para o final do ano? Sem dúvidas. Basta o Tribunal Superior Eleitoral, percebendo que a pandemia vai se estender, jogar a eleição de outubro para novembro ou mesmo para dezembro. O que se discute é uma discussão jurídica. Muito mais do que uma vontade pessoal política, é a possibilidade que muitos querem de unificar as eleições a partir de 2022. Obviamente aqueles que têm mandato de prefeito não teriam uma nova eleição, mas seus mandatos seriam prorrogados até 2022.

Não seria um risco prorrogar mandatos para 2022? Não é complicado isso no Brasil?

Eu sou favorável à unificação de eleições para o futuro, sempre fui. Acho que temos que acabar com a reeleição. Não para os atuais governantes, mas para os próximos. O atual presidente pode ser candidato, os atuais prefeitos podem ser candidatos à reeleição, mas para o futuro, nós teríamos a unificação. Uma eleição única. O Brasil não aguenta eleições a cada dois anos. Hoje a maior discussão é a seguinte: é possível pela própria Constituição prorrogar mandatos, tendo em vista cláusula pétrea da soberania popular? Ou seja, as pessoas votaram em determinado vereador ou prefeito por um mandato de quatro anos, não um mandato de seis anos. Mas, não sou eu a ter a palavra final. Quem tem a palavra final é o intérprete da Constituição que é o Supremo Tribunal Federal. Então, independente do risco político, você ainda tem uma discussão preliminar que é de constitucionalidade, de de prorrogação de mandato para quem já o tem. Confesso que acho temerário, mas, de qualquer forma, meu achismo não é relevante. Quem tem que dizer isso é o Supremo.

Correio Braziliense