Aumento de mortes faz Bolsonaro aumentar polêmicas

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Foto: ERALDO PERES / AP

À medida que o Brasil soma mortos e contágios por coronavírus até se transformar no país emergente mais afetado, a população vai perdendo a paciência com seu presidente. Na terça-feira chegou no máximo em um só dia: 881 falecidos notificados. Nesta quarta, mais 749 mortos, fazendo o país ultrapassar a barreira de 13.000 óbitos. Um enfraquecido Jair Bolsonaro persiste no confronto com os governadores sobre como enfrentar a pandemia e se defende com ataques enquanto avança a investigação Supremo Tribunal sobre sua suposta ingerência na cúpula da Polícia Federal para proteger sua família. Os três ministros mais próximos ao mandatário ultradireitista —três generais, um na ativa— foram interrogados em Brasília horas após uma nova pesquisa colocar números na queda de sua popularidade.

O Supremo investiga Bolsonaro após Sérgio Moro o acusar durante sua demissão à frente do Ministério da Justiça. Moro, o juiz que simboliza a luta anticorrupção e que era o ministro mais popular, afirmou que o presidente o havia pressionado para que mudasse o diretor da Polícia Federal visando proteger seus filhos. Tudo avança rapidamente porque o relator do caso no Supremo, o decano Celso de Mello, vem marcando o pulso. Moro já depôs. Na terça-feira foi a vez de três ministros que trabalham com o presidente no Palácio do Planalto e, nesta quarta, mais membros da Polícia Federal e a deputada bolsonarista Carla Zambeli.

A maior expectativa se volta para a decisão, que Celso de Mello tomará nos próximos dias, sobre divulgar ou não a gravação da reunião ministerial que realizada dois dias antes da demissão de Moro. Duas pessoas que viram o vídeo afirmaram extraoficialmente ao EL PAÍS que Bolsonaro disse na reunião que sua família era perseguida pela Polícia Federal. O presidente, por sua vez, negou ter pronunciado as palavras “Polícia Federal”. De acordo com o vazado, foi uma reunião explosiva com insultos a vários governadores e na qual o ministro da Educação pediu que os juízes do Supremo fossem presos.

Cada vez mais encurralado, o mandatário negocia com vários partidos que encarnam a velha política que tanto criticava, partidos que oferecem seu apoio em troca de cargos responsáveis por suculentos orçamentos. Bolsonaro precisa deles para deter no Congresso um eventual ação penal que acarretaria seu afastamento. Para que ande qualquer processo contra ele baseado nas acusações de Sergio Moro ou eventualmente um processo de impeachment, é necessária a aprovação de dois terços da Câmara dos Deputados. Seria julgado no Supremo.

Como é frequente nas crises políticas brasileiras, essa é uma monumental confusão em que confluem muitos protagonistas, diversas subtramas e vários cenários. As peças se movimentam rapidamente e ao mesmo tempo. Às vezes avançam, às vezes somente ameaçam, e outras retrocedem. As negociações de Jair Bolsonaro com os parlamentares do Centrão, que poderiam se transformar em sua boia de salvação, são um capítulo importante. Menos relevantes, mas politicamente significativos nessa conjuntura, são os resultados de suas análises do coronavírus.

Após chegar ao poder com um discurso antissistema e a promessa de acabar com o tradicional funcionamento de toma-lá-dá-cá, Bolsonaro corteja há semanas alguns dos partidos sem ideologia que se oferecem à melhor proposta. A negociação está em andamento porque nesse momento o bolsonarismo tem o apoio de menos de 50 deputados em uma Câmara de 513. O Centrão já está conseguindo cargos importantes que lidam com orçamento de milhões de reais em colocações pouco expostas ao escrutínio.

 

Um dos grandes símbolos desse grupo é Roberto Jefferson, ex-deputado que no final de semana apareceu nas redes sociais com um fuzil sob uma mensagem de apoio ao presidente e ameaças ao Supremo e à imprensa. Jefferson pede para Bolsonaro demitir os 11 juízes do Supremo e retirar as concessões da Rede Globo. O ex-deputado foi aliado do Partido dos Trabalhadores e se tornou famoso ao denunciar que o Governo de Lula pagava a vários partidos para levar adiante seus projetos legislativos, o chamado mensalão. Os votos do Centrão foram fundamentais para manter Dilma Rousseff, para depois deixá-la cair em um impeachment e para impedir que seu sucessor, Michel Temer, fosse destituído pelo Congresso para ser investigado por corrupção.

Toda a crise se desenrola às vezes disputando holofotes com a maior emergência sanitária do século. Os contágios pelo novo coronavírus superam 188.000 de acordo com a contagem oficial desta quarta-feira. Mas os especialistas alertam que esses números são muito inferiores aos reais. Basta saber que há outras mortes suspeitas e que os hospitalizados por síndrome respiratória aguda quadruplicam os de covid-19.

Também aumenta o descontentamento dos brasileiros com um presidente cético desde o começo em relação ao coronavírus que, ao contrário de outros chefes de Governo, não modulou sua postura à medida que os cemitérios começaram a lotar, a moeda desvaloriza e as perspectivas econômicas pioram. Nunca tantos brasileiros desaprovaram Bolsonaro, de acordo com a pesquisa CNT/MDA divulgada na terça-feira, que vai em linha com outros levantamentos recentes. A desaprovação pessoal do presidente chega a 55% contra 39% de aprovação. Os que aprovam seu Governo são ainda menos: 32%. Partidários e detratores se dividiam em partes iguais há quatro meses, antes do vírus.

Em todos as pesquisas uma característica se repete: ele mantém o apoio firme do núcleo mais ideológico de seus seguidores. Alguns deles são os que saem para se manifestar a favor de Bolsonaro, pedem quarentenas somente aos mais vulneráveis (e o fechamento do Congresso e o Supremo Tribunal). Mas entre os pesquisados a maioria (67%) é partidária do confinamento generalizado.

Cada um dos 27 Estados brasileiros criou suas próprias medidas contra a pandemia. Vão do fechamento total decretado em várias capitais da região mais pobre do país, cujas redes sanitárias estão perto do colapso, até regiões mais ricas que abriram inclusive seu comércio. São Paulo e Rio de Janeiro estão entre esses extremos.

Enquanto a opinião sobre o chefe de Governo piora, aumenta notavelmente a popularidade de governadores e prefeitos, os mais diretamente envolvidos em combater o avanço da doença. O apoio sobre como os Governos estaduais estão lidando com a emergência chega a 69%, muito acima do 51% que dão ao Governo federal. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), costuma criticar duramente o presidente porque “promove ações irresponsáveis todas as semanas além de pressionar os governadores colocando-os como inimigos do povo”.

Bolsonaro reagiu aos primeiros contágios minimizando a ameaça. Depois desdenhou das recomendações e fez campanha a favor da reabertura dos negócios. Mas agora passou diretamente à ofensiva. Na segunda-feira aprovou um decreto que declara como serviços essenciais as academias, as barbearias e os salões de beleza. É um gesto ao entusiasmo dos brasileiros pelo exercício e as unhas pintadas, mas se choca diretamente contra o isolamento social que a maioria dos governadores defende com seus melhores dotes de persuasão.

A tarefa é titânica com um presidente que insiste repetidamente que há muita histeria. Os brasileiros estão cansados de estar confinados e muitos deles viram diminuir e desaparecer seus salários e economias. Para aliviar a situação, o Governo está pagando uma espécie de renda mínima a dezenas de milhões de trabalhadores informais, e a milhares que não deveriam recebê-la. Na terça-feira veio a público que 73.000 militares receberam indevidamente os 600 reais de pagamento mensal.

Os testes de coronavírus eram outra frente para Bolsonaro. Foi submetido a três desde março. Ele sempre afirmou que deram negativo, mas simultaneamente havia se negado a divulgar os resultados até que os juízes exigiram que o fizesse. O pedido veio do jornal O Estado de S. Paulo, dizendo que são de interesse público. A oposição também os pediu via Congresso. Os resultados, divulgados na terça-feira, são negativos. Realizados em um hospital militar, Bolsonaro utilizou pseudônimos ao fazer os testes. O assunto era grave porque vários ministros e colaboradores foram infectados. Mas a frequência com que passeia, gera aglomerações e cumprimenta as pessoas disparou as suspeitas de que contraiu e se imunizou.

El País