Bolsonaro pressionou Moro a ignorar desmatamento

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Foto: Reuters/ R. Moraes

Ao tentar confirmar uma troca de mensagens com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, mostrando o próprio celular, o presidente Jair Bolsonaro acabou revelando um diálogo no qual reclama da participação da Força Nacional (FN) nas operações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contra grileiros na Amazônia. Na troca de mensagens, Bolsonaro cobra que a FN teria ajudado o órgão ambiental a destruir maquinário destinado ao desmatamento. A conversa coincide com várias exonerações no Ibama.

Bolsonaro mostrou o aplicativo de mensagem para provar que tinha enviado um link ao ex-juiz com notícia sobre a investigação de deputados bolsonaristas pela Polícia Federal. Acabou revelando, sem intenção, o outro diálogo. Foi possível ler a resposta de Moro, agora desafeto do presidente. “O Coronel Aginaldo da FN também nega envolvimento nas destruições. A FN só acompanha o Ibama nas operações para segurança dos agentes, mas não participa da destruição.” Moro se refere ao coronel Antônio Aginaldo de Oliveira, comandante da Força Nacional. O ex-ministro foi padrinho de casamento de Oliveira com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

A conversa ocorreu uma semana após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter exonerado o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, atuante contra o desmatamento. A saída do diretor, por sua vez, ocorreu dois dias após a divulgação de uma operação do Ibama para tirar madeireiros e garimpeiros ilegais de terras indígenas no sul do Pará.

Uma semana após a exoneração de Azevedo, outros garimpos ilegais foram fechados para conter a disseminação do coronavírus. Depois dessas operações, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, a pedido do ministro Salles, demitiu o coordenador geral de fiscalização ambiental do Ibama, Renê Luiz de Oliveira, e o coordenador de Operações de Fiscalização, Hugo Ferreira Netto Loss.

Os dois são responsáveis pela repressão a crimes ambientais, como o desmatamento. A justificativa do Ministério do Meio Ambiente para as dispensas, na ocasião, foi que “é a prerrogativa do novo diretor escolher sua equipe”. O Ministério Público Federal abriu investigação sobre as exonerações.

De acordo com Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, o governo já deu mostras de que apoia os grileiros ao enviar a Medida Provisória 910, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União. A MP vence em 19 de maio, e a pressão da bancada ruralista é grande para aprová-la, pois permitirá que quem invadiu terras até 2018 possa ganhar o título. “Há uma ação coordenada. Enquanto a Funai (Fundação Nacional do Índio) retira a proteção das terras indígenas, a MP dá segurança jurídica aos grileiros. Não à toa, o desmatamento disparou na Amazônia”, afirmou.

Para Valle, a perseguição aos fiscais ambientais é da mais alta gravidade. “Punir os dois, Renê e Hugo, porque cumpriram o que a lei manda dá uma sinalização concreta de que este governo vai tolerar e incentivar que particulares atentem contra a lei”, alertou. Valle lembrou que o que está se desmontando não são pequenas regras ambientais, mas o Estado de direito, segundo o qual a lei é para valer e tem que ser respeitada. A lei atual beneficia os pequenos produtores, porém, se a MP 950 for aprovada, vai favorecer os invasores de grandes áreas públicas, a partir de quatro módulos fiscais, segundo o especialista. Na Amazônia, cada módulo tem, em média 100 hectares. “O grileiro vai ganhar o título sem que o órgão fiscalizador sequer veja a terra para saber se há produção ou desmatamento, pagando 5% do valor de mercado”, lamentou.

O desmatamento na Amazônia, de agosto de 2019 a março deste ano, atingiu uma área de nada menos que 5.076km² da região, mais de três vezes o tamanho da cidade de São Paulo, com seus 1.521km². Esse volume de corte é quase o dobro do que foi verificado no mesmo intervalo anterior, de agosto de 2018 a março de 2019, quando 2.649km² de floresta foram devastados. Se observado o intervalo de agosto de 2017 a março de 2018, o número era ainda menor, de 2.433km². O levantamento foi feito em abril pelo jornal O Estado de S. Paulo com dados do Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter), ferramenta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Correio Braziliense